Wilson Honório da Silva, da Secretaria Nacional de Formação do PSTU

Wilson Honório da Silva¹

Para começo de conversa, quero agradecer aos companheiros e companheiras do conselho editorial do blog do Coletivo de Artistas Socialistas (www.blogdocas.com.br) pelo convite para escrever uma apresentação para o lançamento desta iniciativa fantástica e mais que necessária. Tenho certeza de que o convite foi feito porque sabem que, assim como toda uma geração de militantes mais antigos, eu estou dentre aqueles e aquelas que consideram que os debates sobre Arte e Cultura não só são fundamentais para nós que temos a Revolução Socialista como estratégia, como também para os que se preocupam com os descaminhos, equívocos e até mesmo menosprezo que, muitas vezes, marcam os debates sobre esses temas entre nós.

Desvios e distorções que, em grande medida, têm suas raízes nos enormes crimes e desserviços cometidos pelo stalinismo também em absolutamente tudo o que tem a ver com o fazer artístico e a produção cultural. E, por isso mesmo, a primeira coisa a se destacar é que este blog nasce tendo como ponto de partida o Manifesto Por uma Arte Revolucionária Independente, que faz um apelo à construção da Federação Internacional da Arte Revolucionária Independente (FIARI), redigido em 25 de julho de 1938, no México, depois de uma série de debates que envolveram o revolucionário russo León Trotsky e o surrealista francês André Breton.

Como destacado pelo poeta Jorge Breogan em seu artigo Em defesa dos trabalhadores da Arte e da Cultura!”, o Manifesto foi tanto uma resposta, naquele período, às medíocres e repressivas concepções artísticas do stalinismo – apresentadas sob o rótulo de “realismo socialista” e definidas por Trotsky como a “expressão mais crua da profunda decadência da revolução proletária” – como, até hoje, ponto de reflexão e instrumento de luta contra as constantes tentativas, por parte do capitalismo, de manipular, cercear, mercantilizar ou colocar a Arte e a Cultura a serviço das ideologias que propagam preconceitos e distintas formas de opressão.

Trata-se de algo particularmente válido num momento como o atual, quando a desde sempre tentativa de submissão da Arte e da Cultura aos interesses do capital ganha uma forma ainda mais nefasta em meio à decadência geral da sociedade e às garras dilacerantes de governos pautados no fundamentalismo, numa espécie de demência intelectual e num conservadorismo que se traduz em verdadeiro ataque à arte e aos artistas. Por isso mesmo, o chamado final do Manifesto, é o ponto de partida e o fio condutor que orientará as contribuições que serão feitas pelo blog que o Coletivo de Artistas Socialistas disponibilizará a partir do dia 22 de julho:

O que queremos:

a independência da arte – para a revolução

a revolução – para a liberação definitiva da arte.

Arte e reflexão no entrecruzamento do individual e do social

“Toda licença em arte” é uma das frases mais conhecidas do Manifesto. O Blog do CAS nos lembra que a mesma regra (com todas as considerações e ponderações que são feitas no decorrer do texto de Breton e Trotsky) também deve ser aplicada à reflexão sobre o fazer artísticos e a Cultura, já que, como destacado no texto de 1938 “em matéria de criação artística, importa essencialmente que a imaginação escape a qualquer coação, não se deixe sob nenhum pretexto impor qualquer figurino (…) nenhuma autoridade, nenhuma coação, nem o menor traço de comando!”.

Isso obviamente não significa defender o “indiferentismo político” por parte dos artistas ou, pior, a transformação do fazer artístico (ou mesmo da reflexão sobre ele) num exercício de egoísmo individualista, mesquinho e autocentrado que tem caracterizado a chamada produção pós-moderna que, em muito sentidos, ecoa a visão de mundo neoliberal, principalmente naquilo em que ela tem de mercadológica e de oposição do “eu” às necessidades, sonhos, angústias e desejos coletivos.

Como também é ressaltado no Manifesto, a verdadeira liberdade de criação e independência artística não têm nada a ver com isso. Pelo contrário, como lembram os criadores da FIARI, “o artista só pode servir à luta emancipadora quando está compenetrado de forma subjetiva de seu conteúdo social e individual, quando faz passar por seus nervos o sentido e o drama dessa luta e quando procura livremente dar uma encarnação artística a seu mundo interior”.

Se esse é o critério válido para o fazer artístico, ele também serve como parâmetro para aqueles a aquelas que contribuem para este blog. Vários atuam diretamente nas Artes e na produção cultural, como artistas plásticos, cênicos, agitadores culturais, músicos e comunicadores. Outros e outras há muito se dedicam à reflexão e ao ensino sobre o tema. Mas todos e todas têm algo em comum: são militantes socialistas, gente que dedica seu dia a dia à organização e à luta dos setores explorados e oprimidos da sociedade.

Um passeio pelo o que está por vir…

Nesta primeira série de artigos que inaugura o Blog do CAS, nossos leitores e leitoras poderão encontrar textos como “O hip hop revolucionário como imposição da realidade”, escrito por Hertz Dias. Partindo de suas experiências com o grupo Gíria Vermelha, discute desde a cooptação, que caracterizou o rumo de vários grupos, até a persistência do rap em resistir, na forma e no conteúdo, como “filosofia periférica” que, não por acaso, “tem sido a trilha sonora de muitas insurreições populares” e rebeliões negras, seja no Egito, na França, nos EUA, seja no Brasil.

É também das próprias raízes e de um profundo comprometimento com a luta de seu povo que brota o texto de Soraya Misleh – “Desde a Palestina: literatura de resistência e boicote cultural a Israel” – que discute a longa tradição da adab al-mukawamah (literatura de resistência), termo cunhado em 1966 pelo revolucionário marxista palestino Ghasan Kanafani, que ecoa fortemente na poesia palestina contemporânea e serve de contraponto para a propaganda sionista que o Estado-apartheid de Israel faz, também através da arte e da cultura, em práticas conhecidas como “artwashing” (lavar a arte), denunciadas pela campanha de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS).

Como parte fundamental de todo(a) e qualquer um(a) que queira refletir sobre Arte e Cultura é conhecer e entender nosso passado e referências, estes primeiros artigos também se dedicam ao resgate da produção de artistas que em muito contribuíram para este debate, algo que pretende ser uma constante no blog.

Nesse sentido, seria quase impossível abrirmos os trabalhos sem citar o “trosco” Paulo Leminski cuja obra é um delicioso lembrete de algo que ele próprio escreveu: “En la lucha de clases / todas las armas son buenas / piedras / noches / poemas”. Obra que Eduardo Zanata analisa, no artigo “Paulo Leminski: a poesia como arma”, destacando as influências e o estilo literário de Leminski, cujo poder de síntese é carregado de sentidos universais, e o espírito subversivo dá o tom tanto da forma quanto do conteúdo de sua escrita.

Também na linha dos imprescindíveis, não poderia faltar o autor das frases tantas vezes citada por nós, militantes revolucionários – “Há homens que lutam um dia e são bons, há outros que lutam um ano e são melhores, há os que lutam muitos anos e são muito bons. Mas há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis.” –, Bertold Brecht, cuja obra é tratada no artigo “Breve reflexão sobre Bertolt Brecht como teórico do teatro”, escrito por Raphael Furtado, e focado exatamente nas reflexões que o dramaturgo alemão fez sobre o próprio fazer teatral.

Outra proposta permanente do Blog do CAS é oferecer textos que façam a apresentação e a crítica de produções recentes. Para inaugurar esta sessão, nada mais apropriado do que o artigo “Hugo Blanco, Río Profundo: um filme necessário para os trotskistas latino-americanos”, escrito por Gisele Sifroni, professora da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e especialista em temas latino-americanos.

Como se sabe, o documentário foi produzido e dirigido, em 2019, por Malena Martínez Cabrera, em torno da vida e das lutas do militante socialista que atuou junto com Nahuel Moreno (fundador da Liga Internacional do Trabalhadores, a LIT), entre 1958 e 1979, quando foi eleito deputado pelo Partido Socialista dos Trabalhadores (PST), do Peru, tendo depois rompido com o partido, fundando o PRT. Nos anos 1990, depois de abandonar qualquer forma de luta partidária, uniu-se às lutas indígenas latino-americanas.

Discutindo esta trajetória, Gisele destaca que o filme não é só “uma justa, necessária e honesta homenagem ao homem que ofereceu o melhor de sua vida para organizar a luta do campesinato nos Andes peruanos”, mas é também um “testemunho fiel do encontro entre o programa trotskista e a peleja indígena”.

Outra proposta do Blog do CAS é combater uma das formas mais perversas das opressões (seja ela machista, racista, lgbtfóbica, xenófoba ou de qualquer outra ordem) que também é uma constante nos campos da Arte e da Cultura: a invisibilização da produção daqueles e daquelas que não se enquadram nos padrões dominantes. Que não refletem o perfil de uma burguesia majoritariamente branca, masculina, hétero e rica.

Para inaugurar estes debate, a tradutora Lilian Van Enck resgatou “Alvin Ailey e o American Dance Theater”, contando-nos um pouco sobre a trajetória do genial coreógrafo e bailarino negro estadunidense, nascido nos anos 1930, que além de ter trabalhado com grandes nomes da dança e da música, como Martha Graham e Duke Ellington, criou uma companhia multirracial em plenos anos 1950 e colocou sua arte a serviço da denúncia do racismo (tanto nos EUA quanto no apartheid sul-africano). Ailey manteve-se em atividade até 1989, quando faleceu devido complicações decorrentes da Aids.

Sem teoria revolucionária, não há arte revolucionária

A apropriação antropofágica da frase de Lenin aqui não tem nada de indébita. Pelo contrário. Está completamente sintonizada com o pensamento do próprio revolucionário russo (que, como Marx, Engels e Trosty, apenas para citar alguns dos grandes teóricos marxistas) dedicou páginas e mais páginas de suas obras para discutir a Arte e a Cultura.

Escritos que, infelizmente, em função tanto dos crimes stalinistas quanto da constante propaganda anti-comunista do capitalismo, foram distorcidos ou, ainda, são poucos conhecidos pela militância. Por isso mesmo, uma preocupação fundamental do Coletivo de Artistas Socialista é dar vazão para o resgate e o debate sobre essa tradição. Nesta primeira série de artigos, essa tarefa, apesar de percorrer todos os textos, foi encarada de forma mais direta por dois autores.

O professor aposentado da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) Antonio Rodrigues Belon a tomou no texto “A refacção permanente”, no qual defende “o exame e reexame” das teorias (e, nesse sentido, retoma contribuições que vão de Aristóteles a Brecht, por exemplo), para se debruçar sobre vários aspectos das contribuições do próprio Marx e, também, de Trotsky, lembrando que, para os marxistas, a Arte tem uma dinâmica própria, mesmo quando cerceada e aprisionada pelo Capitalismo: “A arte persiste; continua; desloca-se para o interior das lutas de classes, socialmente; e historicamente. Nela, as instâncias definidoras das formas de exploração, opressão e dominação da burguesia vivem uma expressão contraditória: no jogo das afirmações e negações elaboram uma síntese estética. Nada perde nas mudanças violentas e nas revoluções.”

Já a artista plástica Fabiana Wolf dedicou seu texto – “Estética e arte em Marx: o inverso do boicote stalinista à arte” – para discutir as origens das teses marxistas sobre Estética (área do conhecimento também conhecida como Filosofia da Arte ou ciência da percepção e da sensibilidade), localizando-as na leitura crítica de contribuições de Hegel e Feuerbach, em textos lamentavelmente pouco conhecidos (como “Tratado da arte cristã”, “Sobre a arte religiosa” e “Sobre os românticos”) e nos “Manuscritos Econômicos e Filosóficos”, só publicados postumamente.

Dentre vários outros aspectos, Fabiana destaca a gigantesca importância dada por Marx para a relação entre a Arte e o resgate da “integridade humana” ou do “ser humano integral”, desalienado no sentido mais amplo do termo, lembrando que a “a arte está para Marx como parte do processo de formação da humanidade.”. Um pressuposto todo ele oposto àquele pregado pelo “realismo socialista” stalinista, “contrário ao marxismo em todos os aspectos, inclusive na questão estética, artística e cultural”.

Lançamento em grande estilo

Fruto de um esforço apaixonado e militante de companheiros e companheiras que há muito se dedicam a tentar preencher esta lacuna em nossas elaborações e discussões, o Blog do Coletivo de Artistas Socialistas é uma iniciativa que pode ser saudada com enorme entusiasmo.

Por isso, contamos com a participação de todas e todos no lançamento oficial que será realizado numa live, no dia 22 de julho, às 19 horas, na página do Facebook (coletivodeartistassocialistas), com a participação dos membros de seu conselho editorial.

De imediato, também lembramos que, como todas as demais iniciativas daqueles que defendem a independência diante da burguesia e seus agentes, este blog também é autofinanciado e, por consequência, também precisa de seu apoio para se manter. Então, quem puder, colabore com essa iniciativa a favor da luta dos trabalhadores da arte e da cultura depositando sua contribuição na conta abaixo:

Caixa Econômica Federal
Agência: 2287 OP 01
Conta corrente: 20806-5
Titular: Jorge Breogan Rodrigues

¹ Autor do livro O Mito da democracia racial: um debate marxista sobre raça, classe e identidade, Editora Sundermann