Redação

O movimento Convergência Socialista, as greves e as propostas do PS e do PTOs anos de 1978 e 1979 foram decisivos para a luta de classes no Brasil. Em maio de 1978, a greve da Scania iniciou uma onda de greves de metalúrgicos, professores, bancários e trabalhadores da construção civil que convulsiona todo o país até a derrota da grande greve dos metalúrgicos do ABC em 1980.

A força de uma nova e poderosa classe operária em luta golpeia o regime militar, obriga-o a acelerar a abertura, conceder a anistia e, um pouco mais tarde, permitir a legalização dos partidos políticos, principalmente o PT, que não estava em seus planos. Ao mesmo tempo, um setor da burocracia sindical, o chamado “sindicalismo autêntico” dirigido por Lula, procura encabeçar o movimento grevista e construir um projeto político e sindical próprio.

Nesses anos se abriu uma situação pré-revolucionária que preparou a queda da ditadura militar em 1984, com a campanha das “Diretas Já”. Também se assentaram as bases para a construção do PT e da CUT, duas organizações que marcaram, para o bem e para o mal, o desenvolvimento da classe operária brasileira nesses trinta anos.
A Liga Operária (LO) e as organizações que a sucederam nesse período, o PST e a Convergência Socialista, tiveram um papel ativo e de vanguarda nesse processo, muitas vezes superior a suas forças e ao seu curto período de existência. Ao mesmo tempo, pagaram um preço por essas debilidades.

A luta pela independência política da classe operária e a proposta de um partido socialista
Desde seu nascimento, em pleno regime militar, a Liga Operária sempre polemizou – principalmente no movimento estudantil, através das tendências que dirigia, como o Novo Rumo Socialista na USP, Proposta na PUC-SP e Ponto de Partida na UFF – com PCB, PCdoB e outras organizações que defendiam a participação e o fortalecimento do MDB, partido burguês contra o regime militar.

A LO defendia a necessidade da organização de um partido da classe operária que oferecesse uma alternativa classista. Sustentava que esse passo seria muito progressivo para a classe operária brasileira que, até então, apenas uma vez (em 1946) pudera votar em um candidato de um partido operário, o PCB. Na maioria absoluta das vezes, por orientação do próprio PCB e por falta de alternativa, tinha sido obrigada a votar em partidos burgueses.

Depois das mobilizações estudantis de 1977, a Liga caracterizou que o regime militar seria obrigado a acelerar a política de “abertura” lenta e gradual de Geisel. Esse fato abriria espaço para uma atuação semilegal e um espaço de independência de classe que poderia ser ocupado por um partido operário. A direção caracterizou que esse espaço poderia permitir a construção de um partido socialista, aproveitando a “onda” mundial de crescimento desses partidos, particularmente o PS português, durante a Revolução dos Cravos, e o PSOE espanhol.

Aproveitando-se da dinâmica de crescimento da organização, que chegara a 250 militantes em dezembro de 1977, a direção da Liga aprovou um plano ousado. Em primeiro lugar lançou a idéia de um partido socialista projetando como porta-voz da proposta o jornal “Versus”, um veículo da imprensa alternativa de cuja redação participavam militantes da Liga e que passara a apoiar de conjunto a idéia de um PS.
Em janeiro de 1978, “Versus” convocou uma reunião para discutir a proposta do PS e o lançamento de um movimento pró-PS. A reunião realizou-se no Tuca Arena da PUC-SP e contou com cerca de 300 pessoas. Aprovou-se a proposta de dar ao movimento o nome de Convergência Socialista.

Em março, a Convergência Socialista ganhou notícias na “Folha de S. Paulo”, em “O Estado de S. Paulo” e no “Jornal do Brasil” por realizar a primeira reunião pública de socialistas, no Colégio Equipe de São Paulo. Compareceram cerca de 800 pessoas. Muitos tiveram que escutar a reunião por meio de alto-falantes colocados nos corredores, já que o salão não comportava o número de presentes. Essa reunião foi seguida por outras no Rio de Janeiro, em Campinas e no ABC. Nos meses imediatos, a Convergência Socialista foi fundada em Pernambuco e no Rio Grande do Sul, onde a Liga Operária nunca tivera militantes.

Em março, a Liga Operária faz um congresso, muda seu nome para Partido Socialista dos Trabalhadores (PST) e decide atuar de maneira semi-legal através da Convergência Socialista e levar sua política por meio do jornal “Versus”, que passa a ser vendido por todos os militantes, além da sua tiragem habitual em bancas, onde distribuía 30 mil exemplares.

Um mês e meio depois irrompe a classe operária no cenário político nacional. Pela primeira vez desde 68, organizações operárias comemoram o Primeiro de Maio abertamente: as oposições sindicais realizam um ato em Osasco e o Sindicato de Metalúrgicos de Santo André faz um ato que chega a reunir 2 mil operários. A Convergência Socialista participa com vários oradores no ato de Santo André, caracterizando que era uma expressão da corrente sindical “autêntica”.

Alguns dias depois do Primeiro de Maio, a montadora Scania de São Bernardo entra em greve. Na seqüência, dezenas de fábricas metalúrgicas da região do ABC paulista param, uma atrás da outra, numa onda que se estenderia para São Paulo nos meses de junho e julho. Abria-se a mais importante onda de greves da história do país, que duraria até a derrota da grande greve metalúrgica do ABC de 1980.

A Convergência, que já vinha intervindo no ABC, principalmente no Sindicato de Metalúrgicos de Santo André através de Zé Maria e outros quadros deslocados para a região, resolve publicar seu primeiro jornal legal em apoio aos grevistas. Sai um número especial do jornal “Versus” com o título “A palavra da Convergência Socialista” e tiragem de 10 mil exemplares.

Ao mesmo tempo, a CS começa a organizar sua participação nas eleições para governadores, deputados e senadores de 1978. A política era apoiar candidatos operários e socialistas, que só poderiam concorrer pelo MDB, o único partido de oposição que podia ter existência legal sob a ditadura militar. Para apoiar esses candidatos a CS exigia que concordassem com um programa e que defendessem publicamente a proposta de construir um partido socialista.

As prisões da direção da CS e de Moreno
Durante todo o primeiro semestre de 1978, a CS aproveita o espaço da abertura da ditadura e trabalha em condições semi-legais. No entanto, sua direção, muito jovem e inexperiente, comete um grave erro: se impressiona com a força das lutas de massa e com algumas concessões “democráticas” do governo, que se transformam numa injustificável “confiança” na política de “abertura” do regime militar. A CS resolve realizar uma convenção e iniciar o processo de legalização do partido socialista. Embora a direção não pretendesse ir até o fim com o processo de legalização e sim usá-lo para pressionar os outros grupos para que se definissem pela construção do PS, o regime militar resolve dar um basta e impedir a legalização do PS, prendendo e processando sua direção.

Um dia depois da I Convenção Nacional da CS, que reuniu cerca de 1.200 pessoas numa escola do Cambuci, em São Paulo, no dia 20 de agosto de 1978, 24 militantes são presos, entre os quais a maioria do Comitê Executivo do clandestino PST.

A pior conseqüência desse erro é que Nahuel Moreno, o principal dirigente da Fração Bolchevique, que visitava o Brasil a convite da direção para conhecer a experiência da CS, também é preso. Sua prisão significava uma ameaça direta à sua vida já que Moreno, naquela época exilado na Colômbia, podia ser deportado pelo governo militar do Brasil para a Argentina, o que significaria uma morte segura nas garras da ditadura genocida daquele país.

Depois de uma campanha internacional e de mobilizações em todo o país, Moreno é expulso do país e enviado de volta a Colômbia. No entanto, oito dirigentes da CS, aos quais se somam outros dois mais tarde, permanecem presos até dezembro, sendo indiciados na Lei de Segurança Nacional e depois anistiados.

1979: a proposta do PT, as greves e a crise da CS
Desde o fim do primeiro semestre de 78 estava evidente que o movimento Convergência Socialista estava limitado às forças da corrente trotskista-morenista. Os grupos e dirigentes social-democratas que em 1977 e nos primeiros meses de 78 falavam em construir um partido popular socialista haviam abandonado totalmente esse projeto para permanecer no MDB, agrupados em torno da candidatura de Fernando Henrique Cardoso a senador. Não queriam construir um partido próprio, socialista, e muito menos aceitavam uma Convergência Socialista dominada pelos trotskistas.

A proposta do PS tinha sido uma hipótese de trabalho, uma tática que não encontrou bases numa corrente real para desenvolver-se. Mas a luta por construir um partido operário e o combate pela independência de classe tinha sido um acerto. E, não menos importante, a corrente trotskista-morenista havia aproveitado a proposta de construir um partido socialista e a atuação semi-legal para crescer. Suas forças passaram dos 250 militantes que a Liga Operária tinha em dezembro de 77 a 800 militantes da CS em fins de 78.

Mas agora era necessário elaborar um novo projeto de independência de classe. Esta discussão havia começado em agosto de 78 entre a direção do PST e Moreno, quando chegou ao Brasil e antes das prisões. Diante do surgimento da corrente sindicalista “autêntica” e da onda de greves, Moreno propôs que a CS lançasse a idéia de formar um partido dos trabalhadores. Infelizmente, as prisões interromperam esta discussão.

Em janeiro de 79, já com a direção fora da prisão, a CS decide abandonar a proposta de um PS para propor a construção de um partido dos trabalhadores. A proposta de construir um PT foi transformada numa moção e levada imediatamente ao congresso do Sindicato de Metalúrgicos de Santo André por José Maria de Almeida e aprovada. Em seguida, foi apresentada pelo próprio Zé Maria, que era delegado do sindicato de Santo André, ao congresso dos metalúrgicos do estado de São Paulo, realizado na cidade de Lins. O congresso a aprovou em 24 de janeiro de 79.

A Convergência Socialista foi, portanto, fato pouco conhecido, a primeira organização a propor publicamente a constituição de um partido dos trabalhadores.

A situação da luta de classes se polarizava: em março de 79, o governo Figueiredo assume sob o signo de novas e mais fortes greves dos metalúrgicos do ABC e do interior paulista (São José dos Campos, Jundiaí e outras cidades). A CS intervém ativamente nas greves do ABC, tendo um papel na direção da greve em Santo André, São Caetano e São José. Os próprios órgãos de repressão assinalam que a CS é a organização mais ativa a intervir nas greves. O ministro do Trabalho, Murilo Macedo, vai aos principais meios de comunicação para acusar diretamente a Convergência Socialista e outros grupos de esquerda de estar por trás do movimento grevista.

Contraditoriamente, num momento em que vivia seu período de maior crescimento e influência, explode uma forte crise interna, produto das contradições que vinham se acumulando desde 78. As prisões não conseguiram destruir a organização, mas abriram uma forte crise no PST e consequentemente também na CS, porque as duas organizações haviam se transformado numa só, já que a direção do PST que assumiu provisoriamente durante as prisões decidiu dissolver sua estrutura clandestina por razões de segurança.

No princípio, a crise se abre em torno da necessidade de fazer um balanço das prisões e dos erros políticos do ano de 78, mas depois se estende a outros temas como a discussão sobre a legalidade, o funcionamento do partido e da direção, etc.

A dissolução do PST acrescentou um elemento democrático à crise porque não houve discussão na base. Quando a direção sai da prisão não convoca imediatamente um congresso para fazer um balanço dos erros que levaram às prisões e suas conseqüências, desconsiderando a orientação da direção internacional da Fração Bolchevique nesse sentido. Ao contrário, a direção busca responder a uma situação nacional cada vez mais complexa e aguda de maneira auto-suficiente ou nacional-trotskista.

Durante todo o ano de 1979 se desenvolve uma profunda discussão interna. O congresso da CS em outubro de 1979 é o ponto culminante dessa grave crise. Apresentam-se cinco frações e logo após o congresso três delas rompem com o partido. A organização que saltara de quatro militantes a 800 em apenas quatro anos (74 a 78) voltava a ter cerca de 350 militantes.

Terminava assim um período muito rico da história da corrente trotskista-morenista no Brasil. A CS havia superado a prova de se constituir como uma organização revolucionária que fosse uma alternativa ao reformismo do PCB e do PCdoB, lutando pela independência da classe operária e ao mesmo tempo construindo uma organização revolucionária nos moldes do partido bolchevique, rejeitando a concepção do “foco” ou do partido-exército guerrilheiro. No entanto, pagara um alto preço por esse rápido crescimento e sofrera sua primeira crise importante.

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