Secretaria de Mulheres do PSTU
Nesta segunda-feira (20) tomamos conhecimento, por meio do site The Intercept, que uma menina de 11 anos, vítima de estupro, está sendo mantida pela justiça de Santa Catarina em um abrigo há mais de um mês para impedi-la de fazer um aborto legal.
Segundo o site, no início de maio, após descobrir a gravidez, a menina e sua mãe procuraram o Hospital Universitário da UFSC, em Florianópolis, para a realização de um aborto legal, conforme prevê a legislação brasileira. Porém, o hospital se recusou a realizar o procedimento sem autorização judicial sob a alegação de que já teria passado de 20ª semana de gestação. Enquanto a mãe aguardava a autorização para o aborto, a menina foi tirada de casa e encaminhada a um abrigo, por meio de uma medida protetiva que visava tirá-la do convívio do suposto estuprador, resultando também no seu afastamento da mãe.
Em audiência judicial, no dia 9 de maio, ao qual o Intercept teve acesso, é possível ver a Juíza Joana Ribeiro Zimmer, titular da 1ª Vara Cívil da Comarca de Tijucas/SC e a promotora Mirela Dutra Alberton, do Ministério Público catarinense, autora da ação cautelar que solicitou o acolhimento institucional da criança, coagindo a menina e a mãe a concordarem em manter a gravidez por mais algumas semanas, para aumentar a chance de sobrevida do feto e entregá-lo à adoção.
A juíza chega a perguntar se a menina “suportaria ficar mais um pouquinho” com o bebê na barriga, e se ela concordaria e se achava “que pai concordaria em entregar o bebê para a adoção”. O “pai” no caso é o estuprador! À mãe ela diz “…a gente tem 30 mil casais que querem o bebê (…). Essa tristeza de hoje para a senhora e para a sua filha é a felicidade de um casal.” Já a promotora num evidente ato de terrorismo psicológico, tenta chantageá-la dizendo que “…a gente mantinha mais uma ou duas semanas apenas a tua barriga. Em vez de a gente tirar da tua barriga e ver ele morrendo e agonizando, é isso que acontece (…)”.
A conduta da Juíza Joana Ribeiro Zimmer e da Promotora Mirela Dutra Alberton, é inaceitável em todos os aspectos. Em nenhum momento o bem-estar físico, psicológico e emocional da criança foi levada em consideração. Na decisão que manteve a criança no abrigo, longe da mãe, Zimmer alega que o encaminhamento, inicialmente feito para protegê-la do agressor, agora tinha como objetivo evitar o aborto e que “diferente de proteger a filha, [a mãe] iria submetê-la a um homicídio. Como se pode ver, o único intuito da Juíza foi salvaguardar o feto.
À violência sexual sofrida foi imputada a essa menina outras duas atitudes violentas, a negação do exercício legal de recorrer a um aborto, que é seu direito tanto como vítima de estupro como pelo risco de morte ou sequelas que uma gravidez nessa idade representa, e por que essa negativa foi feita retirando a menina do convívio da mãe e mantendo-a num abrigo em situação de praticamente “encarceramento” visto que está há mais de um mês sem frequentar a escola, mantendo uma gravidez sabidamente de risco.
E tudo isso, em nome da defesa da ideologia reacionária e conservadora de proibir o aborto em todas as situações. Ideologia essa reforçada pela política de Bolsonaro, da ex-Ministra da Mulher, Damares Alvez e de todo seu governo de ultradireita, que por meio do Ministério da Saúde, vem desatando uma verdadeira ofensiva contra os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.
Não por acaso uma diretriz do Ministério da Saúde sobre o abortamento, foi utilizado para impedir a menina de abortar, apesar da previsão legal a esse direito. A mesma diretriz que tem sido utilizada contra outras mulheres vítimas de estupro de recorrerem ao aborto em qualquer tempo como assegura a lei. Recentemente, uma cartilha de orientação às gestantes, afirmava que não havia aborto legal no Brasil, causando terror e desencorajando as mulheres a buscarem seus direitos.
Trata-se, portanto, de mais um caso gravíssimo de abuso de autoridade, de violação dos direitos legais de uma criança vítima de estupro, de direitos humanos, dos direitos da mulher e dos direitos da criança e do adolescente. Desde 2016, o Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher denuncia que a gravidez infantil forçada é um tratamento cruel e degradante, equivalente à tortura.
Repudiamos veementemente esse ato. Exigimos que a menina tenha seu direito legal de abortar assegurado, que lhe seja garantido assistência integral à sua saúde física, psicológica e emocional. A Justiça de Santa Catarina no início da tarde desta terça-feira, 21, ordenou que a vítima voltasse a morar com sua mãe, bem como a Corregedoria de Justiça irá investigar a conduta da Juíza. Exigimos que o convívio com a família seja restituído, sem prejuízo de afastamento do agressor, que deve ser devidamente punido.
Que o Conselho Nacional de Justiça se posicione imediatamente sobre a conduta da Juíza Joana Ribeiro Zimmer e da Promotora Mirela Dutra Alberton, as quais devem ser imediatamente afastadas de suas atividades pois é evidente que agiram de má fé, para impedir a menina de abortar.
Basta de violência machista!
Justiça burguesa e misógina não nos representa!
Pela vida das meninas/mulheres, garantir o aborto legal no Brasil já!
São Paulo, 21 de junho de 2022