Samanta Wenckstern

No último período temos visto um aumento expressivo dos preços de alimentos, levando muitas famílias brasileiras a mudarem seu padrão alimentar, trocando por exemplo, a carne por alimentos ultraprocessados, tais como salsicha e hambúrguer [1].

O aumento de consumo de alimentos ultraprocessados aumentou substancialmente durante a pandemia [2], acelerando uma dinâmica já preocupante verificada nos últimos anos no Brasil. Cada vez mais o arroz, feijão, frutas, legumes e carnes são substituídos por macarrão instantâneo, fast food, bolachas, salgadinhos e salsicha.

O Guia Alimentar Para a População Brasileira, um documento elaborado pelo Ministério da Saúde em 2014 e elogiado mundialmente, destaca a necessidade de se priorizar alimentos in natura ou minimamente processados em detrimento a alimentos ultraprocessados [3]. Essa recomendação se dá pois o aumento de consumo de alimentos ultraprocessados está ligado ao desenvolvimento de uma diversidade de doenças crônicas não transmissíveis, tais como câncer, diabetes e hipertensão [4].

O incentivo ao alimentos ultraprocessados

Apesar do próprio documento elaborado pelo governo brasileiro indicar que se deve evitar o consumo desse tipo de alimentos, a política governamental das últimas décadas se contrapõe a isso.

Uma pesquisa publicada em 2020 na revista Public Health Nutrition, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, mediu e comparou a variação de preços de 102 tipos de alimentos mais consumidos no país entre 1995 e 2017 e projetou que, a partir de 2026, os alimentos ultraprocessados como salsicha e bolachas serão mais baratos do que os in natura, tais como carnes, frutas e verduras [5]. Essa projeção ocorreu antes da pandemia de COVID-19, que possivelmente acelerou essa tendência, vide o aumento expressivo de alimentos da cesta básica como carne, arroz e feijão.

A pesquisa aponta para algumas causas para essa tendência. A maior parte da produção agrícola brasileira está centrada no agronegócio, que é marcado pela de monocultura de milho, soja e cana-de-açúcar, que são itens bastante utilizados como matéria-prima para os alimentos ultraprocessados. Além disso, devido às pressões de associações da indústria de alimentos, o governo brasileiro concede benefícios fiscais significativos a companhias como Big Soda e Big Food no Brasil.

A ligação do atual governo com o agronegócio e com as grandes indústrias alimentícias ficou ainda mais escancarada ano passado, com a tentativa da ministra Tereza Cristina de revisar o Guia Alimentar para a População Brasileira. Na nota técnica emitida e direcionada ao Ministério da Saúde, se propõe revisar a classificação de alimentos presente no Guia, que é baseada no grau e o propósito do processamento e usa o conceito de comida ultraprocessada. [6] Essa proposta de revisão visava atender a demandas da indústria alimentícia que vê com maus olhos o Guia Alimentar, pois ele sugere evitar os alimentos ultraprocessados, que são fonte de altos lucros dessas empresas.

O incentivo de uma alimentação com muitos ultraprocessados ataca principalmente a classe trabalhadora, que tem menos opções de compra. Enquanto as empresas lucram com a venda desses alimentos ultraprocessados, a classe trabalhadora adoece cada vez mais.

Soluções coletivas para problemas coletivos

Seria um erro achar que a solução passaria apenas por campanhas de conscientização para uma alimentação mais saudável, incentivando assim um “consumo consciente”. Essa ideia culpabiliza o indivíduo e ignora a situação atual, onde mais da metade da população está em situação de insegurança alimentar [7]. Assim como as causas do aumento do consumo dos alimentos ultraprocessados são coletivas, as soluções também devem ser coletivas.

O agronegócio produz principalmente para a exportação, recoloniza a economia, polui a água e o solo com agrotóxicos, incentiva queimadas e o aquecimento global, tudo isso para enriquecer apenas a burguesia. Enquanto isso, a agricultura familiar, que é quem efetivamente produz os alimentos que chegam ao nosso prato [8], sofre grandes dificuldades para a produção e escoamento. Por isso, é necessário uma reforma agrária no país e que os incentivos fiscais destinados a grandes empresas alimentícias que produzem alimentos que nos adoecem sejam destinados ao pequeno produtor. Somente assim a classe trabalhadora terá amplo acesso a uma alimentação saudável e diversificada.

Para tudo isso é necessária uma mudança drástica da sociedade em que vivemos, lutando por uma outra sociedade, que coloque a saúde e a dignidade humana acima dos lucros.

 

  1. Ver mais: https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/negocios/com-alta-nos-alimentos-brasileiros-comem-menos-bife-e-mais-salsicha-e-mingau-1.3097459
  2. Ver mais: https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-11/consumo-de-alimentos-ultraprocessados-cresce-na-pandemia
  3. Para acessar o Guia Alimentar completo: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira_2ed.pdf
  4. Ver sobre algumas pesquisas que tem demonstrado cada vez essa relação: https://ojoioeotrigo.com.br/2020/08/ciencia-a-maior-inimiga-da-industria-de-alimentos-ultraprocessados/
  5. Ver estudo completo: https://www.cambridge.org/core/journals/public-health-nutrition/article/what-to-expect-from-the-price-of-healthy-and-unhealthy-foods-over-time-the-case-from-brazil/98FE380C358CCD2B25E99FFC7A4A8B9F
  6. Ver mais: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/603058-ministerio-da-agricultura-reforca-ofensiva-para-derrubar-guia-alimentar-referencia-internacional
  7. Ver mais: https://www.pstu.org.br/uma-batalha-diaria-pela-sobrevivencia/