O ato público em defesa dos 13 perseguidos políticos do Consulado Americano realizado na noite desta quinta-feira, dia 19, na ABI, foi marcado pela ação da Polícia Militar do Rio de Janeiro, que enviou quatro viaturas (placas LKS 8596, LPC 4806, KLY 0995, LPD 3164) com cerca de dez militares para a entrada do edifício-sede da entidade, a pretexto de evitar qualquer confusão diante do evento que se realizava no 9 andar, no Auditório Oscar Guanabarino.

Com o apoio da ABI, Reitoria da UFRJ, Faculdade Nacional de Direito da UFRJ, Diretório Central e Estudantes(DCE) da UFRJ, Superintendência Geral de Comunicação Social (SGCOMS) da UFRJ, Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro(SEPE-RJ), Assembléia Nacional dos Estudantes(ANEL), Central Sindical e Popular(CSP-Conlutas), PSOL e PSTU, o encontro foi organizado em solidariedade aos 13 participantes do protesto contra a visita ao Brasil do Presidente dos EUA, Barack Obama, diante do Consulado Americano, no Centro do Rio, em 18 de março último, quando foram detidos e encaminhados aos presídios de Água Santa e Bangu 8, permanecendo três dias incomunicáveis.

Os policiais militares integrantes das viaturas foram interpelados pelo Presidente da ABI, Maurício Azêdo, em razão de ocupação semelhante do espaço da Casa, mesmo no hall do edifício Herbert Moses, só ter como precedente o período da ditadura militar.

—A ABI estranha que no Estado Democrático de Direito se repita um comportamento que foi típico da ditadura militar. Pedimos esclarecimentos ao Comandante do grupo para que se dirija ao Comando do 13º BPM a fim de esclarecer este episódio. Se persistir a permanência da polícia aqui, vamos encaminhar uma mensagem de protesto ao Governador Sérgio Cabral e ao Comandante da Polícia Militar.

Com a permanência da polícia no local, Maurício Azêndo enviou mensagem ao Governdor Sérgio Cabral com o seguinte teor:

“Senhor Governador,

O 13º Batalhão de PM mandou duas viaturas e pelo menos seis praças para a sede da ABI, a pretexto de prevenir manifestações no ato em realização em nosso auditório em solidariedade com os 13 participantes do protesto no Consulado dos Estados Unidos contra a visita do Presidente Obama. A ABI estranha esse procedimento, que tem precedente somente na ditadura militar e agride o Estado Democrático de Direito. Peço sua intervenção.

Maurício Azêdo, Presidente da ABI”

Em resposta, Sérgio Cabral repassou ao Presidente da ABI o e-mail que endereçou ao Comandante-Geral da Polícia Militar do Rio de Janeiro, Coronel Mário Sérgio Duarte, com a seguinte determinação:

—Mário Sérgio, veja isso por favor!!

Entretanto, uma das quatro viaturas permaneceu estacionada na calçada oposta ao prédio da ABI até o final do evento.

Protesto
O encontro teve início após a comunicação da ABI com a polícia. A mesa de honra do evento foi formada por Maurício Azêdo, o advogado Marcelo Cerqueira, José Maria de Almeida e Cyro Garcia, respectivamente, Presidentes Nacional e Regional do PSTU, José Ferreira (Sindicato dos Bancários), Fausto de Paula Reis(Sindicato dos Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro), Sandra Quintela (PACS), Deputado Estadual Róbson Leite (PT),Vanessa Portugal(PSTU-MG), Ricardo Pinheiro(PCB), João Pedro Acyoli Teixeira (PSOL), além de representantes do SEPE-RJ, Sindipetro, CSP-Conlutas, ANEL, CTB, Associação de Moradores do Morro do Bumba.

Cyro Garcia abriu os discursos destacando a importância da luta pelas liberdades:
—A prisão dos 13 manifestantes evidencia a política do Governo do Estado do Rio de Janeiro de criminalização das lutas e dos movimentos sociais, como a luta do Sindicato dos Bombeiros. São exemplos de como o Governo do estado encara as greves e lutas. O direito de lutar não é crime, lutar é um direito. Nessa noite fria aqui no Rio de Janeiro, a presença de vocês traz o calor necessário para continuar na luta pela democracia e pelo direito de lutar e de se expressar.

Em seguida, Maurício Azêdo saudou os presentes e destacou o papel da ABI na defesa da democracia:
—A Associação Brasileira de Imprensa recebe com muito carinho os companheiros e as companheiras que vem prestigiar esse ato de solidariedade aos participantes daquele protesto histórico diante da visita do Presidente Barack Obama, os 13 companheiros da manifestação do Consulado Geral dos Estados Unidos. A ABI está solidária com a luta pelos companheiros, com a luta dos companheiros do PSTU e com o engajamento que diferentes setores da sociedade promoveram e vem promovendo em defesa das pessoas que manifestaram naquele dia histórico diante do consulado.

O Presidente da ABI informou a plateia, que lotou o Auditório Oscar Guanabarino, sobre a presença da polícia no local:
—A ABI considera necessário ressaltar um ponto que já foi sublinhado pelo nosso companheiro Cyro Garcia, que é o propósito de criminalização dos movimentos sociais em nosso Estado. Tivemos uma prova disso agora, pouco antes da abertura do ato, e esse foi um dos motivos de protelação de sua instalação, foi a presença da polícia militar em espaço da ABI, na calçada da ABI, no hall térreo da ABI, coisa que não acontecia na Casa do Jornalista desde a ditadura militar (aplausos). Advertidos para esse fato, os Diretores da ABI foram ao térreo pedir explicações do Comandante da força policial que lá se implantara para saber as razões da mobilização deste dispositivo de segurança e de repressão diante do Edifício Herbert Moses. Um sargento do grupo ficou de fazer o contato com o 13º Batalhão da Polícia Militar, e se dirigiu ao rádio de sua viatura. Estamos esperando o retorno desse contato para que o Comando esclareça a razão do destacamento de uma força policial aqui para a Casa do Jornalista porque nós sublinhamos: no Estado Democrático de Direito é inadmissível um ato como esse adotado pelo 13º Batalhão da Polícia Militar. Eu subi para redigir uma mensagem ao Governador do Estado e para enviá-la por e-mail.

Maurício detalhou as providências da ABI em relação à postura da PM:
—O companheiro Mário Augusto Jakobskind, que é membro da Comissão de Liberdade de Imprensa e Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, ficou lá embaixo em contato com os policiais, e já a esta altura, o grupo estava sendo comandado por um major, o qual revelou que, diante do constrangimento e da ilegalidade que a ABI denunciava, eles poderiam botar os carros da polícia do outro lado da rua, na outra calçada. O nosso Mário Augusto, que é um lutador muito vivido nas lutas populares e democráticas repeliu a ideia do major, recusou a adesão à sua proposição, sublinhando também que, na verdade, apenas se disfarçaria a natureza do constrangimento, a intimidação, em vez de ser direta junto ao prédio da ABI, seria do outro lado da rua. Neste intervalo, eu dirigi uma mensagem ao Governador do Estado, que é nosso sócio, é jornalista profissional, denunciando esse episódio e pedindo a intervenção de sua excelência. Não sei se por casualidade, ou se já por alguma iniciativa de Sua Excelência, pelo menos uma das viaturas deixou as proximidades da ABI, e se pôs ao largo em busca de objetivos de segurança mais nobres e menos totalitários, então é essa comunicação que nós queremos fazer, ressaltando esse aspecto da ameaça em curso de criminalização dos movimentos sociais, de que o companheiro Cyro Garcia citou mais de um exemplo, como o caso dos integrantes do Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro e outras manifestações de setores da sociedade em defesa de direitos legítimos que são sonegados pelo poder público. Eu então faço essa comunicação, quero convidar a subir a representação da ABI com muita honra para mim e para a Casa, o nosso companheiro Mário Augusto Jakobskind, que como disse, é um antigo lutador de todos os procedimentos em defesa do Estado de direito e do progresso social do Brasil. Eu tenho que me afastar como expliquei ao nosso Cyro Garcia em razão de outro compromisso. Mas o meu coração, o meu sentimento, e a minha consciência estão ao lado de vocês e daqueles que lutaram contra a ingerência indevida do Governo dos Estados Unidos na vida nacional.

Dando continuidade ao encontro, o advogado Marcelo Cerqueira destacou a sua participação na defesa dos presos políticos e manifestou perplexidade diante da censura imposta aos participantes do protesto:
—Eu tinha combinado com o advogado Modesto da Silveira, que também atua neste caso, de virmos hoje aqui para dar sequência a um trabalho que pensávamos não ter mais que fazer. Nós defendemos presos políticos, entre 1965 e 1985, e imaginávamos que essa página ruim na nossa história tivesse virado. Quando sou surpreendido com a prisão arbitrária e inconsequente do ponto de vista político, moral e jurídico daqueles que se manifestaram contra a presença do Presidente Obama, que é um homem do mal. Ele que agora teve o americano invadindo um país soberano e assassinou com requintes de crueldade um cidadão. E também essa perseguição aos bombeiros, eu também fui chamado e estou atuando na defesa deles. Não há nenhuma razão de natureza jurídica para essa prisão, para essa criminalização, num País que tem uma construção democrática avançada no que se refere aos direitos fundamentais, à defesa do Estado Democrático de Direito, que tanto nos custou, tantas mortes, tantas lutas, tantas incompreensões e passamos por isso. A nossa experiência naqueles anos demonstrou que a defesa do perseguido político amplia enormemente a luta.

José Maria de Almeida também frisou a relevância da manifestação contra o imperialismo:
—A luta pelo arquivamento da denúncia contra os 13 presos políticos é essencialmente uma luta democrática, por um direito democrático básico de todo cidadão. Mas essa luta também tem outra dimensão. Aquela luta foi a expressão da defesa de um direito da soberania do povo brasileiro contra os interesses norte-americanos das grandes indústrias petroleiras, representados pelo Presidente Barack Obama.

Representando os estudantes, o membro do Grêmio Estudantil do Colégio Pedro II, João Pedro Acyoli Teixeira, um dos 13 presos políticos, fez um relato sobre a prisão e a experiência imposta pelas autoridades do Estado:
-Sou um dos 13 presos políticos que tiveram o direito à liberdade duramente ceifado pelo simples dato de se manifestar contra o imperialismo, contra a entrega do nosso pré-sal. Queremos destacar o caráter ilegal e político dessa prisão dos governos estadual e federal em prol das empresas e esquecendo do povo. O que aconteceu na ditadura precisa ficar enterrado pelo peso da história. Nós, da mais ampla vertente de movimentos sociais, partidários, movimentos políticos, temos que ajudar a manter e garantir as liberdades democráticas.

O carteiro Yuri Costa, 22 anos, que também foi preso no protesto, assinalou a força que motivou o grupo na prisão:
-Nós estávamos apenas exercendo o direito de manifestação sobre o que representava a vinda de Obama ao Brasil, mas o Governo não entendeu desta forma. Graças à campanha solidária de várias instituições como a ABI e a OAB, entre outras, conseguimos a liberdade. Os dias na prisão foram pesados, uma tentativa de nos humilhar, mas com a nossa união enfrentamos tudo aquilo. A defesa da democracia será sempre a razão para seguirmos lutando.

Ao final do evento, os 13 perseguidos políticos foram convidados a subir ao palco sendo ovacionados pelas mais de 500 pessoas que participaram do encontro pela democracia brasileira.

Prisão
No sábado, 19 de março, dia seguinte à prisão dos manifestantes, a ABI expressou seu protesto contra o tratamento dado a 13 pessoas presas durante manifestação diante do Consulado dos Estados Unidos contra a visita do Presidente Barack Obama ao Brasil.

Durante a manhã e começo da tarde deste sábado, um representante da ABI, o advogado Modesto da Silveira, manteve contato com as autoridades da 5ª DP e do Instituto Médico Legal, para saber o estado dos presos, entre os quais um menor, que fora encaminhado à Delegacia da Criança e do Adolescente. Também foram mobilizados para a libertação dos manifestantes os Deputados Federais Chico Alencar (Psol-RJ) e Stepan Nercessian (PPS-RJ), que se articularam com a Ordem dos Advogados do Brasil -Seção RJ, visando à impetração de habeas corpus em favor do grupo. No fim da tarde, o Senador Lindberg Farias (PT-RJ) acompanhou um dos advogados dos presos num encontro com o juiz de plantão no Fórum, mas não foram conhecidos os resultados dessas gestões.

Parentes dos presos, a maioria jovens, tentaram contatos com eles durante todo o dia, mas não conseguiram vê-los nem lhes enviar alimentos e remédios. No presídio de Água Santa as famílias dos presos foram informadas de que só poderão visitá-los na quinta-feira – estarão eles, portanto, submetidos de fato a mais de cinco dias de incomunicabilidade.

O protesto da ABI foi formalizado em nota sob o título “Polícia do Rio aplica métodos da ditadura” e o seguinte teor:

“Polícia do Rio aplica métodos da ditadura

A Associação Brasileira de Imprensa expressa seu protesto contra o tratamento dado a 13 pessoas presas na sexta-feira, dia 18, durante manifestação diante do Consulado dos Estados Unidos contra a visita do Presidente Barack Obama ao Brasil, as quais foram recolhidas a duas unidades carcerárias, a penitenciária de Agua Santa e o Presídio Bangu 8, e alvo de um processo em que se pretende incriminá-las por lesão corporal a um vigilante ferido durante o ato e tentativa de incêndio.

Estranha a ABI os procedimentos das autoridades da 5ª. Delegacia, que se apressaram em dar ao episódio tons com o contorno de farsa, pois esses concidadãos, entre os quais uma dona-de-casa de 70 anos e um menor, foram logo considerados como autores de atos que nem sequer foram investigados e sobre os quais os acusados não foram chamados a depor com a assistência de advogados. Agiram as autoridades da 5ª. DP de forma que constitui grave violação do Estado Democrático de Direito e que não pode passar sem o vigoroso protesto e repúdio daqueles que se empenharam com todos os riscos para o fim da ditadura militar, como esta Associação Brasileira de Imprensa.

Igualmente grave é que a sonegação dos direitos constitucionais desses concidadãos ocorre num reprovável quadro de condescendência das autoridades brasileiras, no âmbito da União, do Estado e do Município do Rio de Janeiro, às imposições das autoridades norte-americanas acerca da preparação e da organização da visita do Presidente Barack Obama, em que, a par do grande desperdício de recursos públicos dos dois países, nem o visitante nem seus anfitriões se deram conta do exagero de que são promotores e protagonistas”.

Investigação
Segundo o Delegado da 5ª DP, Alcides Alves, encarregado das investigações, os manifestantes foram detidos em flagrante por incêndio qualificado, lesão corporal e depredação patrimonial. Na ocasião, a polícia apreendeu coquetéis molotov que teriam sido arremessados contra o Consulado. Os organizadores do protesto alegam que os ataques teriam sido feitos por grupos infiltrados, e que a manifestação tinha orientação pacífica.

No protesto, o vigilante Rodolfo Gomes Pereira, de 26 anos, que trabalha no Consulado, foi levado ao Hospital Souza Aguiar, com ferimentos leves e queimaduras na mão e no dorso, sendo liberado duas horas depois.

O advogado Modesto da Silveira, representante da ABI e do Sindipetro no caso, desqualificou as prisões e a ação da polícia:
— A prisão foi ilegal por ter sido efetuada sem qualquer indício de prova contra qualquer um dos 13 acusados. A polícia exagerou e prendeu indiscriminadamente. Foi um flagrante não provado, afirmou.

Para Modesto, a decisão judicial de manter os manifestantes presos teve motivação política. Conseqüentemente, após a saída de Obama do País, o pedido de habeas corpus foi aceito rapidamente, disse o advogado.

Em nota, o Presidente da Ordem dos Advogados Brasil no Rio de Janeiro (OAB/RJ), Wadih Damous, também criticou as prisões:
—Foi um ato arbitrário, incompatível com o estágio da democracia que alcançamos no Brasil. Somos um País soberano e não precisamos mostrar truculências diante de qualquer Chefe de Estado estrangeiro para mostrar autoridade. A prisão dos manifestantes não se deu em flagrante.

Mesmo após a repressão policial, cerca de 400 pessoas protestaram no domingo, 20 de março, contra a presença do Presidente Obama no Brasil. A manifestação seguiu da zona sul em direção ao centro da cidade.

*Colaboração de Renan Castro, estagiário do Departamento de Jornalismo da ABI.

Fonte: www.abi.org.br