Os servidores do Tribunal de Justiça estão em greve há duas semanas, reivindicando os percentuais das perdas dos salários corroídos pela inflação dos últimos três anos (17,31% do IPCA). O atual presidente do TJPE, Desembargador José Fernandes, antes mesmo de assumir a presidência, assinou conjuntamente com o ex-presidente, Desembargador Jones Figueiredo, um documento público (em acordo firmado com o Comando de Greve de 2007), se comprometendo a recuperar as perdas do IPCA dos anos posteriores. Neste caso, nem a letra dos gestores da Lei valeu de execução da promessa.

No mundo da política existe um ditado popular que diz o seguinte: “tem serviçal da corte que deseja ser mais realista do que o rei”. A draconiana (para os trabalhadores) Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) disciplina os percentuais dos gastos públicos com o funcionalismo. Mas vejamos o que a LRF estabelece em seu artigo 19:


Art. 19. Para os fins do disposto no caput do art. 169 da Constituição, a despesa total com pessoal, em cada período de apuração e em cada ente da Federação, não poderá exceder os percentuais da receita corrente líquida, a seguir discriminados:

II – na esfera estadual:
a) 3% (três por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Estado;
b) 6% (seis por cento) para o Judiciário;
c) 49% (quarenta e nove por cento) para o Executivo;
d) 2% (dois por cento) para o Ministério Público dos Estados

No exercício de 2010, a despesa com Pessoal e Encargos Sociais com TJPE, atingiu R$ 520 milhões (incluindo servidores e magistrados), ou seja, menos de 4% do estabelecido na própria LRF. Então, para que essa reserva? Será que é para assegurar mais uma, dentre tantas, folha-extra aos magistrados que tanto revolta o funcionalismo? Este percentual já seria uma boa garantia financeira, mas há outro motivo político, igualmente importante.

Todos servidores da administração direta e também os cabos e soldados da Polícia Militar (que possuem recentes lembranças de poderosas greves com desacatos à hierarquia militar) estão em processo de mobilização, paralisações e operação padrão, reivindicando perdas históricas e o governador, como tem poder de veto de qualquer projeto de reajuste salarial de qualquer categoria, o que mais tenta evitar é oferecer exemplo a qualquer categoria em luta.

Governo do Estado e Tribunal de Justiça: unidos no ataque aos servidores
O governador Eduardo Campos (PSB) vem alardeando que Pernambuco voltou a ser o Leão do Norte, se referindo às altas taxas de crescimento da economia e nos últimos programas veiculados pelo seu partido da TV, apresenta o PSB como “um novo caminho para um novo Brasil”, afirmando que seu partido é exemplo de gestão pública para o país.

No entanto, o Estado de Pernambuco vem reiteradamente aparecendo na imprensa nacional por outros motivos mais sentidos pela população trabalhadora: ser um dos piores da saúde pública, com destaque para a situação de calamidade do Hospital da Restauração, no programa Profissão Repórter da Rede Globo; possuir o pior salário do Brasil pago aos professores da rede estadual; além da ineficiência e falta de políticas públicas para enfrentar as previsões das cheias, resultando em milhares de vítimas populares desalojadas de suas casas, nas mais de 50 cidades do Estado, nas últimas enchentes.

No trato com os movimentos sociais, Eduardo Campos tem demonstrado reiteradamente intolerância nas negociações e desprezo com o serviço público. Na primeira semana de greve dos servidores da justiça, a Procuradoria do Estado impetrou ação jurídica, peticionando a abusividade do movimento, pedido então negado pelo Desembargador relator da ação.

No Estado de Pernambuco não faltam recursos públicos, pois além de ser o Estado que mais recebe investimentos do PAC, há um aumento progressivo da arrecadação de impostos, em função das altas taxas de crescimento do PIB estadual, acima da média nacional. A arrecadação do ICMS, em 2010, cresceu 23,5% em relação a 2009, permitindo a entrada do montante de cerca de R$ 8,3 bilhões. A execução orçamentária de 2010 fechou com superávit de R$ 441,4 milhões, sendo R$ 19,48 bilhões de receitas totais contra R$ 19,03 bilhões de despesas totais.

Segundo o próprio Secretário da Fazenda, Paulo Câmara, em notícia veiculada pela Folha de Pernambuco (31/03.11), foram investidos cerca de R$ 2,5 bilhões (18% a mais em relação a 2009) e o governo encerrou 2010 com uma disponibilidade de caixa da ordem de R$ 1,1 bilhão. Entre 2009 e 2010, Pernambuco teria crescido em mais de R$ 1,2 bilhão o seu investimento em pessoal.

Como o Tribunal de Justiça recebe o duodécimo proporcional ao que o Estado arrecada, é obvio que a arrecadação do Tribunal vem crescendo também a cada ano. Mas antes da greve, no início das negociações com o Tribunal, os servidores se depararam com uma proposta de Plano de Cargos, Carreiras e Vencimentos-PCCV que incluiria o aumento da jornada de trabalho de 6 para 8 horas. Foi o estopim da decretação da greve, numa assembléia como há muito tempo não se via na categoria.

O patronato privado e os gestores públicos geralmente alegam faltam de recursos para repassar perdas salariais aos trabalhadores. Como desta vez não há como negar que o Estado e o Poder Judiciário não tem orçamento, eles estão utilizando um argumento inovador. Buscam se apoiar numa resolução do Conselho Nacional de Justiça-CNJ (como se o CNJ tivesse poder para acabar com a autonomia dos Estados Federados) para querer impor o aumento da jornada de trabalho de 6 para 8 ou 7 horas, em detrimento do reconhecimento das perdas salariais, divididos em 2 parcelas.

Ora, qualquer mortal deste planeta sabe que aumentar a jornada de trabalho significa diminuir os salários de forma indireta. No caso de 2 horas há mais de trabalho, seria uma diminuição indireta de 33,3% nos salários e, no caso de 1 hora, seria 16,6%. Se os servidores estão reivindicando 17,31%, basta subtrair de 33,3% (-15,9%), no primeiro caso, e 16,6% (+0,71), no segundo caso, para saber o quanto que o Egrégio Tribunal deseja que os trabalhadores percam, mas desta vez, com sua própria adesão. Essa manobra é realmente inovadora, tentar que greve encerre com os trabalhadores ganhando menos salário do que recebiam antes da greve.

A resposta dos servidores tem sido fortalecer a greve e expandir o movimento com atividades de rua, atos conjunto com outras categorias, visitas do Comando de Greve às comarcas do interior, debates e apitaços nos principais fóruns do Estado. A luta continua!