Erika Andreassy, da Secretaria de Mulheres do PSTU

Érika Andreassy , da Secretaria Nacional de Mulheres

Em meio à pandemia mundial de coronavírus e medidas para impedir a sua disseminação, uma outra pandemia, bem mais silenciosa, mas nem por isso menos mortal, tem se alastrado pelo país. No momento em que as atenções se voltam para a necessidade de se conter o vírus, a violência contra a mulher deu um salto. Somente no Rio de Janeiro, após a decretação do distanciamento social, os registros de violência doméstica subiram 50%. Outros estados como São Paulo e Paraná também registraram aumento.

Organismos internacionais já haviam alertado para o risco. Foi o que ocorreu na China, desde que a população foi obrigada a passar mais tempo em casa para se prevenir da doença, mais mulheres noticiaram casos de violência doméstica, como vítima ou testemunha. Nos Estados Unidos, a National Domestic Violence Hotline, que funciona como o Ligue 180 brasileiro, divulgou o crescimento dos relatos de agressores e do uso do coronavírus como justificativa pelos agressores para isolar mulheres ainda mais de seus amigos e familiares.

No Brasil, antes mesmo da pandemia chegar as mulheres já vinham experimentando o crescimento da violência. Segundo dados do Ligue 180, ocorreram 46.510 denúncias de violência doméstica no último semestre do ano de 2019, um aumento de 10,93% em relação ao ano anterior. Levantamento realizado pelo jornal Folha de S. Paulo mostrou que, em 2019, 1.310 mulheres foram vítimas de feminicídio, alta de 7,2% em relação a 2018. São Paulo registrou ainda o maior número de estupros dos últimos 7 anos, foram 12.374 casos em 2019, de acordo com a Secretaria de Segurança Pública do Estado.

A violência contra as mulheres não é uma novidade e seu aumento nos últimos anos expressa a barbárie capitalista e a incapacidade desse sistema em garantir igualdade, direitos e o fim do machismo e da violência. A própria OMS já classifica a violência de gênero como uma pandemia mundial, 7 em cada 10 mulheres no mundo já foram ou serão vitimas de violência em algum momento de sua vida, 35% de todos os assassinatos de mulheres são cometidos por um parceiro íntimo. Para efeito de comparação apenas 5% dos assassinatos masculinos são cometidos por uma parceira, 5 mil mulheres são mortas por crimes de honra por ano, sem falar nos casamentos forçados, estupros de guerra, mutilações genitais femininas, tráfico de meninas e mulheres para a prostituição e outras formas de violência.

A novidade agora é que, com as medidas de isolamento social absolutamente necessárias para conter o avanço do coronavírus, esse quadro de horror para muitas mulheres e crianças tende a se agravar, já que para muitas delas o lar, longe de ser um ambiente seguro, é justamente o local onde a violência se materializa.

Levantar essa questão e exigir medidas para evitar esse efeito colateral da pandemia é tão necessário como defender a quarentena para conter o avanço do vírus. É preciso exigir do Estado condições para que as mulheres vítimas de violência e seus filhos se afastem dos agressores sem o risco de se contaminar pelo coronavírus, garantia de habitação ou abrigos temporários seguros em que possam se instalar mantendo o distanciamento social até que um lar definitivo seja providenciado, bem como um subsídio financeiro que permita condições dignas de vida e saúde e não apenas uma “esmola” como pretende o Governo Federal. Também é preciso intensificar os mecanismos de denúncia e assistência que atuem na prevenção e no atendimento às vítimas, fortalecendo os equipamentos públicos de assistência as mulheres, como delegacias 24h, centros de saúde e assistência psicossocial.

Devemos levantar essas exigências como parte das exigências que fazemos nesse momento a todos os governos em relação à crise do coronavírus, mas da mesma forma que a classe trabalhadora não pode esperar a boa vontade desses senhores para prover suas necessidades e conter o vírus e já está se mobilizando para impor a quarentena aos patrões e outras ações de solidariedade e auto-organização, é fundamental que as mulheres trabalhadoras rompam o silêncio e passem a se organizar também para conter o avanço da violência, por meio de grupos de auto-defesa e ações. Como propõe, por exemplo, a campanha do MML (Movimento Mulheres em Luta), que orienta que a qualquer sinal de agressão e violência sexual contra mulheres e crianças na vizinhança chame a polícia e inicie um apitaço.

As equipes de prevenção e saúde que estão sendo organizadas na periferia para orientar a população sobre a pandemia e organizar ajuda coletiva precisam estar atentas também para identificar situações de violência e evitar que as mulheres se tornem as vítimas colaterais do coronavírus.