Filmes imperdíveis e com temas polêmicos foram os principais premiados com o Globo de Ouro. No Brasil, todos devem estrear até abril.O Globo de Ouro, premiação concedida pela Associação de Jornalistas Estrangeiros, sediada em Los Angeles (EUA), foi entregue na terça, 17 de janeiro, e marcou a consagração de filmes cujos temas fogem bastante daqueles que geralmente ganham destaque nas listas de “blockbusters” e caem facilmente no gosto popular. Em vez de violência gratuita, da ação alucinante ou das histórias melosas e edificantes, os filmes que receberam os prêmios mais importantes tratam de questão como homossexualidade e transexualidade, política e corrupção.
O grande vencedor da noite foi “O segredo de Brokeback Mountain” (que estréia no Brasil no início de fevereiro). Contando uma inusitada história de amor gay envolvendo um dos maiores símbolos da “masculinidade” nas terras do Tio Sam e no cinema mundial, os caubóis, o filme arrebatou os prêmios de melhor filme dramático, direção (para o taiwanês Ang Lee), roteiro e canção.
Todos demais prêmios de destaque também foram parar nas mãos de gente envolvida em produções “pouco convencionais”. O prêmio de melhor ator ficou para Philip Syemour Hoffman, por sua interpretação do polêmico e assumidamente homossexual jornalista Truman Capote (no filme “Capote”) e o de melhor atriz foi levado por Felicity Huffman, que arrancou elogios mundiais ao encarnar nas telas uma transexual às vésperas de sua operação de mudança de sexo no filme “Transamérica”, uma produção independente e, literalmente, ousada.
As chamadas premiações secundárias também acabaram destacando filmes cujos temas, certamente, não são os “favoritos” da indústria cinematográfica.
O “galã” George Clooney ficou com o prêmio de melhor ator coadjuvante pela sua atuação em “Syriana”,(para qual ele engordou algumas dezenas de quilos e se desfez de todo “glamour”), um thriller político sobre a corrupção e o bastidores da indústria mundial do petróleo e seu peso político em conflitos como o do Iraque.
Já a melhor atriz coadjuvante foi Rachel Weizs, pelo excelente “O jardineiro fiel”, dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles (de “Cidade de Deus”). No filme, Rachel vive uma jornalista idealista, assassinada por descobrir a rede de corrupção e ganância, movida por políticos corruptos e pela indústria farmacêutica mundial, que utiliza homens, mulheres e crianças africanos como cobaias humanas em devastadores testes.
Outras premiações importantes foram dadas para o filme palestino “Paradise Now” (Paraíso Agora, melhor filme estrangeiro) e “Johnny e June” (melhor filme comédia/musical), que conta a dramática carreira do lendário cantor Johnny Cash e sua mulher, papéis pelos quais Joaquin Phoenix e Reese Witherspoon levaram o prêmio de melhores ator e atriz no gênero.
Impacto sobre o Oscar e homofobia
Apesar de ser escolhido por um corpo de votantes (cerca de 100 jornalistas) completamente diferente daquele que elege os premiados com o Oscar – escolha feita por cerca de seis mil membros da grande indústria cinematográfica, além de ex-premiados -, o Globo de Ouro tem bastante impacto sobre a lista que será apresentada pela Academia de Hollywood, até mesmo pelo prestígio que as escolhas dos jornalistas têm.
O difícil é saber se a usualmente conservadora Academia irá se curvar à crítica internacional. Principalmente porque o maior público-alvo de Hollywood, os compradores de ingresso nos EUA, tem reagido de forma “controversa” em relação aos filmes em questão, em particular “O Segredo de Brokeback Mountain”.
Ao mexer com um dos maiores ícones do “macho” mundial e do “heroísmo” desbravador do povo norte-americano, Ang Lee, apesar de ter conseguido boas críticas e público nas grandes cidades, provocou reações furiosas por parte dos setores mais conservadores dos EUA. Exemplar disto, são comentários como os de Ted Baehr, da Comissão Cristã de Cinema e Televisão, que classificou o filme como uma “aberração” e uma “tediosa propaganda neo-marxista homossexual”.
Com estréias marcadas para os meses de fevereiro e março, todos os filmes citados (e alguns outros que, apesar de não terem sido premiados, foram indicados) merecem ser vistos. Abaixo, mais algumas informações para instigar nossos leitores.
“Capote”: O filme reconstitui a vida do jornalista assumida e provocantemente homossexual Truman Capote durante o período em que ele escreveu a reportagem que o imortalizou, “A sangue frio”, sobre o massacre de uma família, no Kansas, em 1959. Para realizar seu objetivo, Capote abusou de papel como jornalista, ultrapassou, em muito, a fronteira dos escrúpulos e da ética.
“Boa noite, boa sorte”: Talvez um dos mais polêmicos, exatamente por tocar numa “ferida” da história norte-americana que a própria indústria cinematográfica gostaria de “apagar”: a caça a bruxas promovida pelo Senador McCarthy, com a conivência e simpatia de muita gente de Hollywood e da mídia. O filme, dirigido por George Clooney, além de ousar no tema, ainda é feito totalmente em preto-e-branco para reconstituir com mais impacto o confronto o âncora Edward R. Morrow e o marcatismo, no anos 1950.
“Transamérica”: Bree, um homem, transexual, que está prestes a fazer a operação que irá dar o corpo de mulher que melhor se adequa aquilo que ele realmente é sente, mantém dois empregos, em Los Angeles, para conseguir custear a cirurgia. Quando a data se aproxima, surge um provável filho, Tom, fruto de uma relação casual do passado, que, no momento, se encontra na prisão em Nova York, do outro lado dos EUA. O título do filme acaba servindo como um duplo-sentido para a viagem que os dois realizam através dos Estados Unidos e as descobertas e mudanças que ocorrem neste processo..
“Syriana”: O filme que deu o prêmio de melhor ator a George Clooney foi escrito e dirigido por Stephen Gaghan, já premiado pelo excelente “Traffic”, que falava sobre extensa rede de corrupção e lucros que cerca o tráfico mundial de drogas. Agora, o diretor volta suas baterias contra a indústria petrolífera mundial. Clooney faz um agente da CIA que, “de repente” descobre que está fazendo trabalho sujo tanto para gente graúda de Washington, quanto para grandes empresas petrolíferas e todos aqueles envolvidos na Guerra do Golfo. É esperar pra ver o que vai sair desta história. Pelo histórico do diretor, não é de se esperar nada próximo do senso-comum.
“Paradise Now”: O filme conta a história de dois palestinos que se voluntariam para servir como homens-bomba no na Palestina. Há poucas indicações do desenrolar da história (que, evidentemente, pode descambar para um discurso anti-Intifada), de qualquer forma, é um daqueles filmes que teremos que ver, mesmo que seja para detoná-lo.