A discussão de um programa para uma frente eleitoral é sempre uma questão delicada. Sem um programa comum, não é possível ter uma frente. Por outro lado, a manutenção das fronteiras entre os três partidos (PSTU, PSOL e PCB) indica a continuidade de importantes diferenças programáticas e políticas. Assim, a constituição dessa frente se baseia em um programa que foi discutido entre as direções dos partidos, embora sigam existindo grandes diferenças.

É importante valorizar os acordos conquistados. Sem isso, não se poderia avançar para a construção da frente. Por outro lado, não se pode supervalorizar os acordos, porque as diferenças existentes seguirão tensionando a frente. Não temos a avaliação ufanista de que estes acordos serão realmente a base para o discurso comum de todos os candidatos da frente. Temos somente um texto comum programático, fundamental para constituir a frente, mas insuficiente como acordo realmente mais profundo.

Um programa antiimperialista
A primeira base de acordo tem a ver com uma clara postura antiimperialista. O texto comum defende a ruptura com o imperialismo e uma campanha contra o pagamento das dívidas externa e interna com base na campanha do Jubileu Sul: “A proposta de um novo projeto alternativo econômico e social exige mudanças estruturais que o capitalismo brasileiro nunca realizou e, nos marcos da globalização neoliberal, estão mais distantes do que nunca porque não poderão ser realizadas sem uma ruptura com a dominação imperialista”.

Isto tem uma enorme importância porque é claramente diferente de posições existentes no interior do PSOL, que apontam para uma frente “antineoliberal”, com uma perspectiva nacional-desenvolvimentista. Isto levaria a um programa de adaptação ao neoliberalismo, aceitando a renegociação da dívida e o estímulo à burguesia nacional, para uma “unidade contra o neoliberalismo”.

Não queremos uma unidade com “setores da burguesia nacional” descontentes com o plano neoliberal. Esta burguesia, em sua maiora, está completamente subordinada ao imperialismo, por acordos comerciais e financeiros. Isto levaria à repetição da postura petista de aliança com setores da burguesia e ao rebaixamento do programa, que deixaria de apontar para a ruptura com o imperialismo.

Por outro lado, o acordo de uma campanha contra o pagamento das dívidas externa e interna junto ao Jubileu Sul permite uma proposta de ação comum durante a campanha eleitoral.

A retirada da “revolução democrática”
Os textos anteriores do PSOL falavam na estratégia da “revolução democrática”, defendida publicamente por várias de suas figuras públicas, como César Benjamin, o candidato a vice.

Este seria um sério equívoco, por reeditar o abandono da estratégia da revolução socialista e adotar a adaptação à democracia burguesa. Isto foi seguido pela maioria da esquerda em todo o mundo, pós-Leste Europeu. No Brasil, foi a base ideológica da virada à direita da direção do PT na década de 90, que acabou gerando o atual governo.

No texto comum isso foi retirado, o que possibilitou o acordo programático. Além disso, foi incorporada uma avaliação da importância das lutas diretas: “Queremos disputar este espaço institucional, construir um pólo de esquerda e eleger parlamentares. Mas consideramos que a campanha eleitoral, assim como os eventuais mandatos, deverão estar a serviço das lutas diretas dos trabalhadores, do povo pobre, das demandas democráticas, antiimperialistas, ecológicas, enfim, contra todas as injustiças promovidas pelo capital contra a maioria do povo e a vida, porque as lutas diretas são determinantes para conquistar as mudanças favoráveis para a maioria do povo. São as lutas diretas as que podem fazer avançar realmente o país para o socialismo.”

Esta definição tem enorme importância e vai ser testado durante a campanha. Veremos a importância que dará cada partido e candidatura às lutas salariais, às ocupações de terras, à organização dos trabalhadores para suas lutas diretas nos próximos meses.

Uma frente sem partidos burgueses
Durante todo o período em que se discutiu a possibilidade de uma frente de esquerda, a independência de classe dos trabalhadores foi um tema polêmico. A concepção estratégica de uma parte importante da direção do PSOL – e do conjunto da direção do PCB – não é classista. Ao contrário, em toda a primeira parte das discussões, a direção do PSOL esteve seriamente tensionada para uma aliança com o PDT.

Isso explica por que o PSTU fez a proposta de uma frente eleitoral, classista, socialista e de esquerda em janeiro de 2005, durante o Fórum Social Mundial em Porto Alegre, e ficou um ano e três meses sem resposta. A direção do PSOL esteve neste período envolvida em negociações com o PDT. No entanto, existiu uma resistência muito importante em setores amplos da base do PSOL a esta proposta de aliança com o PDT. Este partido faz oposição ao governo Lula, mas é um partido burguês, com diversas alianças regionais com o PSDB (como na prefeitura de São Paulo).

Além da resistência da base do PSOL, a aliança com o PDT sofreu um duro golpe com a definição do TSE pela verticalização. Neste caso, uma aliança com o PDT levaria à crise em muitos estados, em que o PDT é claramente de direita. O resultado foi que a Executiva Nacional do PSOL terminou por se definir contra a frente com o PDT, e a favor de uma aliança com PSTU e PCB.

Sobrava, no entanto, a questão da possibilidade de alianças regionais com os partidos burgueses, na medida em que as alianças nacionais já estavam descartadas. No texto comum com o PSTU foi introduzida a seguinte frase: “Não faremos alianças regionais com setores de partidos burgueses”.

É provável que esta discussão ressurja durante a campanha, através dos “apoios”. Nas discussões de constituição da frente, esta discussão surgiu esta discussão pela possibilidade de personalidades dos partidos burgueses apoiarem a candidatura de Heloísa Helena. O problema é que se retoma a possibilidade de que a frente receba o apoio financeiro ou político de setores da burguesia, e acabe degenerando para uma frente popular, de colaboração de classes. Sobre esta questão continuam existindo diferenças, que devem se expressar durante a campanha.

Assim, essa frente eleitoral de esquerda não inclui nenhum partido burguês, o que é uma vitória importante, e possibilitou a sua existência. Mas estrategicamente segue existindo um debate fundamental sobre a questão do classismo, que pode se expressar já durante a própria campanha.

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