Fila para a vacinação na capital paulista Foto Roberto Parizotti
Edu H. Silva, de São Paulo (SP)

Edu H. Silva, do Capão Redondo (SP)

Após um ano e meio de pandemia, com quase 600 mil mortes notificadas no Brasil e o estado de São Paulo chegando à marco dos 150 mil óbitos pela Covid-19, o que se presencia é o aumento da pobreza na classe trabalhadora, principalmente em distritos como o Capão Redondo. Hoje, andando pela região, já se encontra um cenário mais triste do que antes da pandemia: famílias de trabalhadores ocupando com barracas improvisadas as beiras da Avenida Carlos Caldeira (importante via de acesso da região), aumento de jovens vagando pelas ruas pedindo alimento nos semáforos da Comendador Sant’anna (principal via de acesso entre Capão Redondo e Jardim Ângela), semblantes mais tristes pela preocupação do aumento do preço dos alimentos e desempregos. Tudo isso dentro de um cenário onde o desespero vem acompanhado pelo luto de quem perdeu amigos e familiares para a Covid-19, mortes que poderiam ser evitadas, mas não foram.

Com o andamento da vacinação, que segue sua marcha lenta como se não estivéssemos falando de vidas, apenas a primeira dose foi – e não de forma unânime – garantida para a população. Já a segunda dose se tornou mais um instrumento de propaganda, onde Doria e Bolsonaro fazem de nossos mortos um holofote enquanto os trabalhadores amargam as perdas de pessoas amadas.

Na semana de 6 a 10 de setembro, faltaram novamente vacinas nos postos de saúde, só que agora a da Astrazeneca. Apesar da recomendação para acompanhar os postos que oferecem determinadas vacinas para a segunda dose pelo site disponibilizado pela prefeitura, isso não evitou enormes filas, uma vez que, para a função do site fazer sentido, seria necessário garantir o mínimo: fornecimento de vacinas. Na última quarta-feira (08/09) muitos trabalhadores foram informados que sua vacina não seria mais garantida após horas de espera na fila. No dia seguinte, era comum ver muitas pessoas procurando pela região algum local que tivesse a vacina, e mesmo assim, após horas de aguardo na fila para receberem a mesma informação: “não temos mais a Astrazeneca”.

A revolta nos olhos dos trabalhadores, muitos que deixaram de ir trabalhar ou estudar para poderem se vacinar, combinava com um pesado sentimento de que nossas vidas nada importam. Era comum os olhos se encherem de lágrimas por não saberem se conseguiriam tomar a vacina. O sentimento de engasgo, aquele que pesa o peito e acelera o coração, esquentando o rosto já marcado por anos de injustiças, começou a ficar frequente entre todos que ali compartilhavam o descaso do capitalismo com as vidas dos trabalhadores. “E agora?”, perguntou uma das trabalhadoras que ali estava aguardando em uma das filas do posto.

Os trabalhadores da saúde, também vítimas dessa situação, que apesar de terem ocupado a linha de frente no combate ao vírus seguem vivendo sem recursos como EPIs para protegerem as próprias vidas, anunciavam o fim das vacinas em tom de tristeza, demonstrando que aquela frase “Não temos mais vacinas” pesava neles também. Aqui a dor se encontra numa mesma classe, como se todos fôssemos unidos pela mesma forma marcada pela certeza de que a tristeza é tão presente em nossas vidas como viagens caras na vida dos ricos. Enquanto isso, os jornais anunciavam que Nunes/Doria trocavam acusações com o Ministério da Saúde sobre quem é responsável pelo apagão de vacinas. “Eles lá brigando e nós aqui sem vacina”, comentou um homem em um posto do Parque Fernanda.

Houve filas gigantes em postos como no do Jardim Comercial que, entre o calor forte de quinta-feira acompanhado pelo forte temporal no final do dia, a população dividia o cantinho da telha do posto para se protegerem. Antes havia postos de vacinação em mais locais, como no caso do estacionamento do Shopping Campo Limpo. Mas nem isso mais tem, demonstrando que os ricos e seus gerentes (Doria, Nunes e Bolsonaro-Mourão) nunca tiveram interesse em imunizar a população, mas sim converter a esperança em instrumento de barganha para o capital.

Até o momento em que escrevia essa matéria, as melhores projeções eram de que a vacina da Fiocruz começaria a ser distribuída em grande quantidade na próxima semana. Mas também já se anunciava o começo da falta de vacinas da Pfizer. Novamente a classe trabalhadora que foi jogada nessa pandemia à própria sorte, uma vez que não houve lockdown com a garantia de auxílio emergencial decente, é obrigada a esperar mais dias a vontade dos patrões para serem imunizada.

Sob o capitalismo não se garante nem comida e nem vacina

Com o aumento do desemprego acompanhado com o absurdo crescimento dos preços dos alimentos, onde até ovo frito no prato se tornou mais difícil, a miséria segue galopante na vida da classe trabalhadora.

Além da fome, agora os trabalhadores enfrentam a incerteza de serem imunizados com a falta da segunda dose nos postos. Cada vez mais o capitalismo vem se mostrando como um sistema assassino para quem trabalha.

Engels, em seu livro A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, chamava de assassinato social as condições de miséria que a classe operária era condenada pela burguesia a viver. O fato de uma obra feita no século XIX ser tão atual como é no século XXI, só mostra que sob o capitalismo, esse sistema que lucra com nossas mortes enquanto trata nossas vidas como bucha de canhão, não temos nada a perder com sua destruição. Todas as vidas perdidas pela Covid-19 poderiam serem evitadas, mas não foram e – infelizmente – continuarão a não serem.

A única saída para o problema da fome, da miséria e do vírus é o socialismo

O capitalismo, principalmente em suas contínuas crises econômicas, demonstra sua habilidade em universalizar para a classe trabalhadora a fome, miséria e praga. O relato do que ocorre no Capão Redondo, caberia em qualquer outra região no planeta. Certamente quem está lendo essa matéria deve se encontrar em outra cidade, estado, ou até mesmo país e se vê pensando “isso ocorre aqui também”.

O problema da falta de vacina está longe de ser uma “questão organizacional”, como Doria e Bolsonaro falam. Se fosse isso, por que em todos os cantos a classe trabalhadora sofre com a falta das coisas mais básicas como o direito de se imunizar?

Engels, em sua obra Sobre a questão da moradia, afirma que os problemas que a classe trabalhadora vive são criados pela burguesia. Não há como solucionar definitivamente as mínimas demandas que os trabalhadores levantam, sem destruir quem cria os nossos problemas. Se a pandemia é um problema criado pelo capitalismo, faz sentido destruirmos o sistema que a cria pelas próprias mãos de quem com ele sofre.

A única alternativa que resta para a classe trabalhadora, para o problema da fome e da praga, é assumir o controle da sociedade destruindo esse sistema e erguendo um outro modelo de sociedade. Uma sociedade onde toda a riqueza produzida pudesse ser compartilhada para quem a produz, onde não tenhamos somente o direito a comida e vacina, como também o de viver. Essa sociedade é o que chamamos de socialismo.

O apagão das vacinas no Capão Redondo está longe de ser um problema isolado, muito menos o único problema na região. E mesmo que seja garantida a vacina nos próximos dias, resta-nos a pergunta: até quando?