Roberto Aguiar e Leninha Farias, de Salvador (BA)

Amanhã, dia 1º de novembro, tem início a greve nacional dos caminhoneiros. Conversamos com Marconi França, caminhoneiro que mora Recife, capital de Pernambuco. Ele é uma das lideranças da categoria, é conhecido pela sua atitude firme ao enfrentar o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, quando o mesmo enganou e tentou agraciar alguns supostos representantes da categoria, com o claro intuito de enrolar a categoria.

Marconi, você tem atitude aguerrida e sempre usa a expressão “estamos com a faca nos dentes”, defendendo organização e a luta dos caminhoneiros como alternativa para ter vida digna. Como você avalia a importância de manter a independência do movimento frente a qualquer governo?

É somente dessa forma. Tem que ter sangue nos olhos e faca nos dentes, porque sem mostrar nossa força e determinação a gente não consegue nada. E tem que ser independente de qualquer governo porque a gente sente na prática que, governo após governo, só querem oferecer migalhas para o trabalhador e enriquecer cada vez mais os que já têm muito. A gente só pode contar com nossa luta e união.

Vocês tem debatido bastante a política de preços dos combustíveis – Preço de Paridade de Importação (PPI). A luta contra o aumento dos preços tem sido a pauta central da mobilização de vocês. Qual a alternativa que vocês sugerem?

Para quem não sabe, PPI é crime, é um roubo pra favorecer estrangeiros e importadores brasileiros. Se nosso petróleo é mais que suficiente e hoje somos país exportador, se temos refinarias excelentes e adequadas ao nosso petróleo, que é leve igual ao árabe, a gente extrai aqui por 5 a 6 dólares o barril no pré-sal e a média geral não passa de 10 dólares, por que esses brandidos usam preço internacional pra calcular o preço? Botar custo de navio e taxa de importação no petróleo que a gente extrai aqui mesmo? Isso é coisa de bandido desumano.

A gente quer preço baseado nos custos de produção. A gente quer o diesel que custa 1 real pra Petrobras extrair e refinar chegue pra gente a 2,50 no máximo e assim pode ser com a gasolina, biodiesel, gás de cozinha e outros derivados. A gente trabalha pra enriquecer acionista que não dá um prego numa barra de sabão.

Marconi França, ao centro, em reunião dos caminhoneiros

Vocês sofreram muitos ataques como a BR do MAR, a suspensão da lei do piso mínimo do frete, e também vem perdendo espaço para grandes transportadoras financiadas pelo governo e agronegócio e agora querem até liberar carreta 11 eixos. O que isso significa na vida dos caminhoneiros autônomos e pequenos proprietários de caminhões?

BR do Mar é outra safadeza. Foi criada pra fazer o transporte aqui na nossa costa com  navio e deram status de brasileiro a navios estrangeiros, eles querem destruir a vida de 800.000 caminhoneiros e suas famílias pra favorecer as transportadoras e os estrangeiros. O governo e esse ministro Tarcísio fazem tudo pra ferrar o cidadão, são traidores.

Carro de 11 eixo além de matar nas estradas porque é inseguro, vai matar também de fome porque substitui homem e um monte de caminhão.

As grandes transportadoras e o agronegócio só fazem crescer na nossa miséria. O povo tá comendo lixo porque até o osso é vendido caro. Um país tomado pela agricultura e pecuária com todos os privilégios, mas de gente ruim que não dá um prato de comida pra quem tá morrendo de fome.

Os grandes transportadores recebem financiamento público às nossas custas pra nos destruir, tudo ganancioso.

Aposentadoria digna é algo que sofre ataque em todos os governos. Eles fazem reformas pra tirar direitos, vocês que tem trabalho penoso e periculoso perderam a aposentadoria especial? Vão lutar para resgatar e pretendem que seja com quanto tempo de trabalho?

Desde o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) tiraram nossa aposentadoria especial e nenhum presidente reconhece que a gente se mata nas estradas e precisa aposentar pra ter pelo menos como descansar.

Já estamos lutando pra ter nosso direito de volta. Estamos em estado de greve e amanhã vamos parar pra resolver. Eu respondo essa pergunta desafiando qualquer político de ar-condicionado, seja ele Bolsonaro ou ministro Tarcísio, a passar 30 dias comigo no caminhão. Eles venham ver as estradas insalubres, perigosas, como é penoso e como dói. A gente que paga pedágios caros não ter condições de rodar como, por exemplo, na Bahia que tem pista que nem é duplicada e nem ao menos tem acostamento. Eu estou desafiando qualquer político do país. Se ele tiver coração e vergonha na cara, vai dizer que tem que aposentar caminhoneiros com seis meses de serviço. Quem sente a dor é quem geme.

Vemos a ganância da elite brasileira, aquela punhado de bilionários que até na pandemia aumentou a fortuna em cima do sofrimento do povo e agora promove desemprego, fome e morte. O povo tá na fila do osso e buscando lixo pra tentar sobreviver. A greve de vocês tem potencial para mudar essa situação, que recado você manda para o conjunto da classe trabalhadora brasileira?

O recado que deixam é que venham lutar, venham pra rua, se somem a nós na luta, tragam apoio e nos ajudem. Quanto mais gente nos apoiar, mais certo e rápido será o resultado da greve. Sem apoio popular, a Polícia Rodoviária Federal vai barbariza pra fazer a gente circular e violar a lei que dá direito de reivindicar. A gente não obstrui estrada, a gente facilita o acesso a serviços essenciais como ambulância, gás pra funcionamento de hospitais, tudo que salva vidas. A gente quer ter respeitado nosso direito de cruzar os braços porque não tem como abastecer o caminhão pra abastecer o país. Em linguagem clara, como eu gosto, ou vem lutar ou vai morrer calado pra bilionários brasileiros e estrangeiros luxarem e nos fazerem de capacho.

Como é que a gente vive em um país que produz alimentos para bilhões de pessoas lá fora e deixa milhões passando fome no seu próprio país? Só a luta e a nossa organização muda a vida, meu povo. Nosso país tem tudo pra todo mundo viver com dignidade.

E um recado para os caminhoneiros?

Todo caminhoneiro sabe o que precisa fazer e está determinado a parar, eu só chamo a atenção para duas coisas. Primeira, na hora de negociar a gente não vai permitir nenhum sabido sentar sozinho. A gente criou um grupo nacional e as lideranças vão juntas e lá cada um olha nos olhos do outro sabendo que ninguém decide sozinho, sem ouvir os caminhoneiros.

Segundo, a gente só fala do que sabe e tem gente de confiança pra esclarecer, então não vamos cair em proposta diferente da pauta pra não ser enganado. Pra começar, vou dando a ideia, ninguém quer Parcela de Preço Específica (PPE) para basear preço de combustíveis. Isso é mixaria paliativa para acabar com o movimento. É trocar seis por meia dúzia, porque logo o preço sobe novamente. Exigimos que seja tudo baseado nos custos da Petrobras, que tem que ser nossa de verdade e com os lucros voltados para beneficiar o povo brasileiro. Vamos buscar o que é nosso!