Enquanto fechávamos esta edição, o governo e o Congresso Nacional aprovavam, a toque de caixa, uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que decretava “estado de emergência” e liberava bilhões a 100 dias das eleições. A “emergência” para o governo e o Centrão, porém, não é a situação de calamidade social em que 33 milhões de brasileiros passam fome, mas a possibilidade cada vez mais concreta de perder a eleição.

Após extinguir o Auxílio Emergencial em pleno auge da pandemia, deixando mais de 40 milhões sem qualquer fonte de renda, e sob o discurso de não haver dinheiro, o governo, como num passe de mágica, encontra R$ 41,25 bilhões para a PEC do Desespero.

Além de eleitoreira, a PEC não chega perto de resolver a grave crise social em que o próprio governo meteu a classe trabalhadora e a população mais pobre. Só para se ter uma ideia, de 2020 a 2022, mais de 14 milhões de pessoas foram jogadas na fome, segundo os relatórios da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan). A renda média despencou quase 8% só no último ano, sendo que entre os trabalhadores mais pobres, isso foi ainda mais grave, já que a cesta básica chegou a ter aumento de 30%.

O aumento de R$ 400,00 para R$ 600,00 no Auxílio Brasil não consegue nem comprar uma cesta básica na maioria das capitais. Esses R$ 200,00 a mais tendem a ser comidos pela inflação nos próximos meses. O “pix-caminhoneiro” vai pelo mesmo caminho, e o “vale-gás” atinge pequena parcela das famílias mais pobres, e tampouco segura o aumento nos preços.

O pacote pode amenizar o desgaste de Bolsonaro entre os mais pobres. Mas não resolve o problema da fome e da miséria, e nada faz para a classe trabalhadora e grande parte da classe média cada vez mais empobrecida, que continuarão sofrendo com a carestia e a inflação nas alturas. As contas de luz em São Paulo, por exemplo, acabaram de aumentar mais de 12%.

Pacote não reverte crise

AUXÍLIO BRASIL

Menos dinheiro para os mais pobres

A principal medida da PEC prevê R$ 200,00 a mais para o Auxílio Brasil. Perto do que era o Auxílio Emergencial, representa um retrocesso. O Auxílio Emergencial de abril de 2020 era de R$ 600,00 e chegava a quase 67,5 milhões de famílias. Na época, esses R$ 600,00 (o que hoje seriam R$ 719,00 corrigidos pela inflação) compravam pelo menos uma cesta básica em todas as 17 regiões pesquisadas pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). No momento em que a cesta básica está muito acima disso, na melhor das hipóteses, vai chegar a pouco mais de 19 milhões de famílias.

Resumindo: Esse aumento vai chegar a menos de um terço das pessoas que recebiam o Auxílio Emergencial, num valor menor, e a inflação vai continuar comendo a renda dos miseráveis e da classe trabalhadora em geral.

Aumento do auxílio não compra nem cesta básica

Auxílio Emergencial

67,5 milhões de pessoas

R$ 719,00 (valores atualizados)

PEC do Desespero

19 milhões de pessoas

R$ 600,00

Cesta Básica (em SP)

R$ 777,00

PIX-CAMINHONEIRO

“Desaforo”: Combustíveis vão continuar aumentando

Outra medida anunciada com estardalhaço é o auxílio de R$ 1 mil para os caminhoneiros autônomos. Isso não cobre parte do aumento que o diesel sofreu no último período, de mais de 50% no acumulado dos últimos 12 meses. Na verdade, com esse valor, daria para um caminhão médio percorrer só 300 quilômetros, uma distância ridícula para quem vive cruzando regiões inteiras e até o país. Para encher o tanque uma vez, um caminhoneiro tem que tirar do bolso, hoje, mais de R$ 5 mil.

Não é por menos que um dos dirigentes da categoria, Carlos Alberto Litti Dahmer, da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes e Logística (CNTTL) tenha classificado a medida como “desaforo”. Segundo ele, Bolsonaro deveria ter coragem “para pegar sua caneta BIC e assinar o fim do PPI”, o Preço de Paridade de Importação, que estabelece que a gente pague aqui o preço do combustível cotado em dólar no mercado internacional. Enquanto durar o PPI os caminhoneiros continuarão pagando mais caro pelo diesel; os trabalhadores e a classe média, pela gasolina; e o povo, em tudo o mais, já que o aumento do combustível irradia a inflação para todos os setores.

AUXÍLIO-GÁS

Famílias vão continuar pagando mais pelo gás

Gás de cozinha puxa a inflação – Foto: Pedro Ventura/Agência Brasília

Outra medida anunciada pela PEC é o reajuste do auxílio-gás, que vai dos atuais R$ 53,00 pagos a cada dois meses para R$ 120,00. Mas ele só é pago para as famílias inscritas no CadÚnico, com renda familiar menor que meio salário mínimo por pessoa. Na prática, são 5,4 milhões de famílias, apenas 1/4 das que recebem o Auxílio Brasil.

E aqui também nada impede que o valor do gás suba ainda mais e coma parte desse dinheiro. É um alívio momentâneo a uma pequena parte dos mais pobres, enquanto os milhões de famílias da classe trabalhadora, incluindo a maior parte das que dependem do Auxílio Brasil, vão continuar pagando o preço do botijão inteiro, determinado pelo mercado internacional.

DÁ COM UMA MÃO…

Trabalhadores vão pagar a conta para manter lucros dos bilionários

A PEC do Desespero não resolve a miséria e a fome e, mais do que isso, joga a conta para o conjunto da classe trabalhadora. É bom lembrar que a origem dessa PEC está em várias tentativas do governo de debelar parte da inflação causada pelos aumentos sucessivos dos combustíveis e do gás de cozinha, pensando nas eleições. Cogitaram-se subsídios, fundo de compensação, mais cortes em impostos, até se chegar à ideia da PEC. Tudo, menos o fim do Preço de Paridade de Importação (PPI) e dos lucros bilionários dos megainvestidores da Petrobras.

Então, de onde vai vir esse dinheiro? Tudo do bolso da classe trabalhadora e dos setores remediados da classe média. Além do aumento da arrecadação que o governo teve no último período por conta da inflação, o que é “gasto” novo vira dívida pública, remunerada por juros cada vez mais altos a meia dúzia de grandes rentistas lá fora. E para garantir esse pagamento em dia, vão vir por aí mais cortes na saúde, educação, mais arrocho e ataques a direitos.

É por isso que, apesar de uma ou outra crítica por conta da Lei de Responsabilidade Fiscal ou o teto de gastos, os banqueiros não estão arrancando os cabelos. Eles sabem que, de uma forma ou de outra, eles continuam ganhando. E, ao mesmo tempo que o governo dá com uma mão aos setores mais pobres, tira duas ou três vezes mais de toda a classe.

PEC INSUFICIENTE E ELEITOREIRA

É preciso acabar com a fome e o desemprego tirando dos bilionários e das multinacionais

Na votação da PEC no Senado, toda a oposição votou com o governo. O argumento foi de que, apesar de eleitoreiro, não poderiam votar contra garantir dinheiro aos mais pobres. Fica a pergunta: se é eleitoreiro, por que não propor mais recursos e para além das eleições? Por que não propor um salário mínimo, pelo menos, a todos os desempregados, enquanto durar a crise? Uma PEC que realmente resolva o aumento dos combustíveis e do gás de cozinha, revogando o PPI e reestatizando completamente a Petrobras, a serviço da população?

A resposta é simples. Eles não fazem isso porque PT, e a chapa Lula-Alckmin, e demais setores da oposição, são a favor de manter a Lei de Responsabilidade Fiscal, o controle dos gastos e, em essência, a atual política econômica tocada por Guedes e apoiada pelo Centrão. A mesma política econômica responsável por manter essa catástrofe social em favor dos lucros dos grandes acionistas da Petrobras, dos bilionários e das grandes multinacionais. Por isso, chegam a denunciar a medida como “ilegal” e “irresponsável”, porque a “legalidade” que eles defendem é esta que sustenta esse regime dos ricos.

Proteger a legalidade dos banqueiros ou a vida dos trabalhadores?

Era preciso denunciar a PEC como eleitoreira por acabar logo após as eleições e insuficiente para ao menos amenizar o sofrimento dos mais pobres. E exigir mais. Aumentar o auxílio para um salário mínimo para todos os desempregados, enquanto durar a crise, juntamente com isenção de todas as taxas, como luz, água e transporte público. Seria o mínimo para garantir, de forma emergencial, a sobrevivência dos milhões que passam fome.

A fome e a pobreza, porém, só podem ser resolvidas garantindo empregos e renda a todos. E a única forma de fazer isso é reduzindo a jornada de trabalho, repartindo o trabalho a todos que precisem de empregos, sem reduzir os salários. Ao mesmo tempo, impor um programa de obras públicas que garanta trabalho e enfrente problemas estruturais como o saneamento básico.

Para enfrentar a inflação, é preciso acabar com o PPI e reestatizar 100% da Petrobras, sob o controle dos trabalhadores. Sem tirar os lucros e dividendos bilionários que meia dúzia ganha em Nova York com a inflação e a carestia do povo aqui, a gasolina, o diesel e o gás de cozinha continuarão subindo. É preciso ainda impor um gatilho automático: aumentaram os preços, aumentam-se os salários. Duplicar o salário mínimo rumo ao mínimo do Dieese. Expropriar, sob controle dos trabalhadores, as grandes redes varejistas.

E para fazer isso, é preciso atacar os lucros e propriedades das grandes multinacionais e dos bilionários. Como aponta a proposta de programa do PSTU ao Polo Socialista e Revolucionário, os grandes fundos financeiros estrangeiros mantêm, no Brasil, um patrimônio de R$ 6 trilhões. Toda a fortuna acumulada pelos grandes fundos, bancos e multinacionais é produto do trabalho da classe trabalhadora, então, nada mais justo que retomar parte desses recursos para resolver os problemas e a situação que eles mesmos criaram.

A oposição, como a chapa Lula-Alckmin, não quer isso; ao contrário, tem um projeto de gerenciar a crise capitalista. É necessário um projeto socialista e revolucionário, que coloque como objetivo não proteger a Lei de Responsabilidade Fiscal e demais mecanismos da Constituição que beneficiam os banqueiros, como fazem o PT e a oposição, mas de implodi-los e fortalecer a perspectiva de um governo socialista dos trabalhadores, que acabe não só com a fome e a miséria, mas com o desemprego, e garanta vida digna a todos.