Júlio Anselmo

O Brasil é um país violento e desigual. Em 2021 foram mais de 41,1 mil mortes violentas, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Só para comparar, na Guerra do Afeganistão a média de mortes por ano é estimada em 12 mil.

Hoje se vive entre a naturalização desse alto grau de violência, ou ainda o uso populista do tema para defender medidas enganosas, como faz Bolsonaro e a direita. Para eles, bastariam mais armas para a polícia, mais mortes e mais prisões. Ainda defendem armar os ricos e têm relações com as milícias. Também apoiam a violência de garimpeiros, fazendeiros e madeireiros na Amazônia contra ribeirinhos e indígenas. O desaparecimento recente do jornalista britânico Dom Philips e do trabalhador da Fundação Nacional do Índio (Funai), Bruno Araújo Pereira, traz a possibilidade de que tenham sido as novas vítimas deste setor. No Rio de Janeiro, o governo começou uma distribuição de armas e munições a esmo para os policiais fazerem bico.

Brutalidade policial e a burguesia brasileira

Os casos recentes de Genivaldo e da chacina na Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro, foram crimes cometidos pelos agentes de segurança pública que supostamente deveriam proteger todos os cidadãos. E não são casos isolados; são cerca de 6.133 mortes causadas por policiais só em 2021. De 2013 a 2020 a evolução das mortes violentas pela polícia aumentou absurdos 190%. A população negra tem três vezes mais chance de ser morta por policiais.

O caso de Genivaldo chocou. Além de o assassinato ter sido promovido pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), com uma câmara de gás improvisada, foi uma tortura covarde contra alguém que não oferecia risco a ninguém. Ou seja, revelou em todos os contornos o caráter da política de segurança brasileira: o sadismo, a tortura e a brutalidade contra os pobres e negros.

A solução passa pela necessária punição dos policiais envolvidos, mas o problema não acaba aí. Essa política de segurança pública racista e elitista está no coração da formação do Brasil enquanto nação e reflete a própria fisionomia da classe dominante brasileira.

Se não é assim, porque a primeira reação da cúpula da PRF foi reivindicar a ação? Após a grande repercussão, da ampla divulgação do vídeo, o discurso mudou.

Nem os defensores da violência policial como Bolsonaro e a ultradireita conseguiram defender essa execução. Mesmo entre os que se dizem de esquerda, há muita hipocrisia. Por exemplo, enquanto Lula questiona corretamente a atuação da PRF no caso Genivaldo, a letalidade policial no governo do PT na Bahia aumentou absurdamente.

Depois que 28 pessoas foram mortas na Vila Cruzeiro, a cúpula da polícia e os governos logo saíram em defesa da ação policial. Justificaram que se tratava de um confronto com bandidos, e os mortos seriam todos envolvidos.

Mas segundo a Promotoria, três das 28 mortes foram comprovadamente execuções sumárias da polícia. Algumas com adulteração da cena para dificultar apurações e forjando flagrantes, como pistolas perto dos corpos. Ficou provado ainda que duas vítimas não tinham relação com o crime. Uma sofreu um ataque epilético durante a ação e a outra não tinha condições físicas de segurar uma arma.

Para os promotores, do total de vítimas apenas 13 mortos foram considerados legítima defesa dos policiais. Os demais casos dessa chacina brutal foram arquivados porque não se conseguiu provar nada. Mesmo considerando que a promotoria esteja correta (o que já é difícil de acreditar pelo papel da justiça em avalizar as ações dos governos), o que pensar de uma operação policial que não consegue explicar a maioria das mortes? Isso é segurança pública?

Já são pelo menos quatro décadas de “guerraàs drogas” que, além de não acabar com o tráfico, sequer diminui as mortes. As operações policiais nas comunidades cariocas não servem para combater o crime ou o tráfico. Apenas resultam em consequências lamentáveis para o povo que sofre na encruzilhada da violência do tráfico, da milícia ou da polícia. Mas também para os próprios policiais que servem de bucha de canhão da cúpula da corporação, dos governos e da burguesia. Isso não é uma política de segurança, é uma política de extermínio.

Papel da polícia

Matam os pobres para sustentar a propriedade dos ricos

Renato Moura/A Voz das Comunidades

Na verdade podemos voltar até a formação do país para entender o papel da polícia. A Polícia Militar no Rio de Janeiro foi criada em 1809 com a vinda da Corte portuguesa ao Brasil. Suas atividades estavam ligadas direta e abertamente à repressão dos escravos e delitos sociais relacionados ao controle dos explorados e oprimidos.

Após o fim da escravidão, o objetivo continuou o mesmo. De formas diferentes, o alvo sempre foi a criminalização e a repressão dos pobres, trabalhadores e negros. Não por acaso hoje 81,5% dos mortos pelas polícias são negros.

A violência é um recurso institucional e estatal fundamental para a burguesia brasileira, que conseguiu sustentar o capitalismo e seus lucros exorbitantes oferecendo migalhas ao povo. E assim foi capaz de conter qualquer revolta popular por condições mínimas de vida ou por alguns direitos democráticos básicos como acesso à terra, que foi vetado aos recém-libertados da escravidão por determinação legal.

Desmilitarização da polícia e autodefesa dos trabalhadores

A execução de Genivaldo pela PRF demonstra apenas como toda essa política, método e concepção reacionária e militarizada, se alastrou para muito além das PMs e faz parte de todas as polícias e instituições, inclusive da Justiça.

Por isso,o problema não se resolve somente pelo dilema entre bons e maus policiais, ou por mais investimentos em inteligência, ou simplesmente reformar os currículos das academias. É preciso um profundo processo de desmilitarização das polícias, com a garantia dos mesmos direitos democráticos e sindicais das outras categorias para os policiais.

Enquanto houver capitalismo a polícia não deixará de cumprir esse papel de garantir os interesses dos capitalistas. Ter uma polícia a serviço do povo e dos trabalhadores se choca com os interesses da classe dominante e pressupõe uma revolução neste país que acabe com o poder da burguesia e garanta o fim da atual política de segurança.

Parte dessa luta é também garantir a legítima defesa dos trabalhadores contra os abusos do Estado. O povo e os trabalhadores não podem ficar reféns nem do tráfico, nem da milícia ou da polícia. Também não é possível ficar vendo calados a ultradireita se armando, fazendo ameaças autoritárias e se utilizando das Forças Armadas. Está colocada a necessidade de o movimento social, dos trabalhadores e das comunidades organizar sua autodefesa de maneira coletiva e democrática. E isso significa também fazer um chamado a que os soldados e praças não obedeçam a seus comandos e parem de reprimir e matar o seu próprio povo. Que virem suas armas contra os ricos e poderosos.

Causas

Acabar com a fome e a miséria para combater a violência

As causas do aumento da violência e da criminalidade estão ligadas ao problema da desigualdade social e à situação de miséria crescente. Segundo a Fundação GetulioVargas (FGV), 13% da população vive na extrema pobreza, com R$ 260 por mês. Em 2021, mais da metade dos lares brasileiros vivenciou insegurança alimentar e 36% ainda estão nessa situação. Enquanto isso, o número de bilionários cresceu no país, com um aumento da riqueza deles em 71%, somando mais de R$ 1 trilhão.

Por isso, segundo a Defensoria Pública de Salvador (BA), os furtos de comida para se alimentar saltaram de 11,5% em 2017 para 20,25% em 2021. Junto a isso também aumentam as mortes violentas ligadas à desagregação social.

Mas há uma forma de roubo que é legalizada e está na base do sistema. Chama-se exploração e espoliação. Enquanto os ricos faturam milhões, faltam emprego, salários, educação, saúde, saneamento e moradia para o povo. Com o governo usando os recursos públicos para garantir isenções fiscais e todo sorte de benefícios para os bilionários, os ricos e poderosos exigem mais violência estatal para manter os famintos quietos, sem que os incomodem.

Legalização das drogas

O crime organizado é um negócio capitalista

Os jovens são bombardeados todos os dias com ideias da burguesia de que têm que empreender, têm que se esforçar, correr atrás, para se dar bem na vida. Diante do desemprego gigantesco no país, muitos não veem outra escolha senão entrar no negócio criminoso do tráfico. Mas servem de bucha de canhão de quem controla esse negócio bilionário, e que não mora nas favelas, e tem ligação com os bancos e as grandes empresas que lavam essa grana, com a cúpula das polícias e do Estado.

O combate e a repressão aos pequenos traficantes no varejo das comunidades têm como único efeito aumentar seu preço. Não será com operação policial que o tráfico vai acabar.

É preciso encarar o problema. Para acabar com o tráfico, tem que tirar este negócio da mão dos traficantes. E isso se faz legalizando as drogas para que o Estado possa garantir o controle e monopólio estatal de produção e sua comercialização. Além disso, tratar os dependentes químicos como casos de saúde pública. Assim se minaria o tráfico como um grande empreendimento que tem poder das armas e alicia em massa a juventude.

Aqui não se trata de “defender bandido”, como acusaria um político de direita. Quem ajuda o tráfico, que é um negócio capitalista, na verdade são os defensores do próprio capitalismo que ganham dinheiro com a chamada “guerra às drogas”. A nossa luta contra a violência, portanto, precisa estar vinculada à luta para acabar com esse sistema. Sem isso a violência não acaba.