A era Silvio Berlusconi terminou na Itália nas eleições legislativas dos dias 9 e 10 de abril. O bloco “União”, liderado pelo católico moderado Romano Prodi, venceu a eleição no Senado e a sua vitória nas duas Câmaras permite-lhe formar o próximo governo italiano.

A diferença, entretanto, foi apertada. Pouco mais de 25 mil votos garantiram a vitória de Prodi sobre a coalizão “A casa das liberdades”, liderado por Berlusconi. A coalizão de Prodi obteve a maioria dos votos para a Câmara dos Deputados e no Senado. Na Câmara, a margem será mais folgada. Pelo menos 340 cadeiras das 630 vagas da casa ficaram como a “União”, segundo dados divulgados pelo Ministério do Interior. A lei eleitoral italiana determina que o grupo vencedor conte com pelo menos 55% das cadeiras.

O país está dividido. O resultado e a fragmentação política italiana indicam que o novo governo terá uma margem estreita de apoio para implantar seus projetos. Na Itália, o regime é parlamentarista, quer dizer, tudo passa pelo Congresso. Dentro de pouco menos de 30 dias o país terá que eleger o presidente da República.

O apertado resultado também criou margem para os protestos de Berlusconi, que não aceitou a derrota, acusou fraude nas eleições e pediu a revisão dos seus resultados. A maioria dos governos europeus, porém, já reconheceu a vitória e os governos de Alemanha, Inglaterra e Espanha já enviaram congratulações a Romano Prodi. O governo dos EUA, por sua vez, ainda guarda silêncio sobre os resultados, e, ao menos por ora, não reconheceu a derrota de um dos seus importantes aliados na invasão ao Iraque em 2003.

Mas de nada adiantaram os protestos de Berlusconi. Nem mesmo os dirigentes partidários da sua coligação o levaram a sério. No dia 14 de abril, o presidente da Itália declarou que não vai revisar os resultados eleitorais, abrindo o caminho para que o Parlamento italiano forme o novo governo.

Globalização e crise italiana
Nos últimos cinco anos, Berlusconi implementou políticas neoliberais, combinando medidas de ajuste interno muito duras, com a total subordinação aos EUA. A Itália é um dos países capitalistas mais importantes do mundo. Várias multinacionais italianas atuam na América Latina, como a Fiat, Parmalat e grupos de Telefonia. Mas o país, como todos os outros da União Européia, enfrenta uma profunda crise social e sua economia se encontra estagnada. Uma amostra disso é que as empresas mencionadas acima se encontram em uma profunda crise financeira.

O Produto Interno Bruto (PIB) do país cresceu, em 2005, apenas 0,1%. Essa estagnação econômica é resultado da globalização e da adoção do projeto de integração neoliberal da Europa. Para tentar recuperar os fabulosos lucros e tornar as empresas italianas mais “competitivas”, discute-se nos meios empresariais italianos a necessidade da dita “flexibilização” dos direitos trabalhistas. Isto é, destruir os direitos dos trabalhadores conquistados com suas grandes lutas no pós-guerra. Esse plano não é uma exclusividade italiana. Ele se encontra no marco geral da ofensiva dos governos europeus contra o que restou do chamado “Estado do Bem Estar Social”. Trata-se de combinar a privatização dos serviços públicos e da Previdência social, com a destruição de toda uma rede de proteção trabalhista, diminuindo assim os gastos públicos com a população e rebaixando os salários.

Além disso, a Itália tem um imenso contingente de imigrantes, especialmente árabes e africanos, que trabalham nos piores empregos e sem a menor proteção trabalhista. É um proletariado sem direitos e discriminado pela etnia e pela religião, a exemplo do que acontecia no final do século 19.

Na política externa, Berlusconi atuou como um fiel aliado Bush na sua guerra colonial contra o Iraque. A submissão aos ditames de Washington permitiu que a Itália fosse o país com o maior número de bases militares norte-americanas de todo o planeta. São cerca de 80 funcionando em todo o território italiano.

Mais o apoio a Bush custou caro para Berlusconi. As poderosas mobilizações que percorreram o mundo todo contra a invasão militar anglo-americana explodiram também na Itália: apenas 8 % dos italianos apoiavam a guerra.

É certo que Berlusconi não teve o mesmo destino de Aznar, ex-premiê espanhol que perdeu as eleições em função da guerra, mas seu governo foi profundamente desgastado.

A reeleição de Berlusconi foi uma tentativa de manter de pé esse projeto neoliberal combinado com o apoio às ações do imperialismo ianque.

`Berlusconi.Berlusconi é o homem mais rico da Itália. Empresário e dono de várias emissoras de televisão, sua fortuna é avaliada pela revista “Forbes” em US$ 11 bilhões. Na Justiça, Berlusconi é alvo de inúmeros processos de corrupção que agora, sem o direito de imunidade que gozava como premiê, terá que responder.

Hipócrita, corrupto e ignorante, o ex-premiê italiano é um típico representante da direita tradicional italiana. Ao seu estilo, Berlusconi fez uma campanha marcada por ofensas aos eleitores de Prodi e acusou a sua moderada coalizão de ser uma “ameaça comunista” ao país.

Berlusconi reuniu em sua coalizão o que existe de mais reacionário na política italiana, como os partidos de direita Força Itália (criado pelo próprio Berlusconi), a Aliança Nacional (partido de extrema direita que defende o fascismo), a Liga Norte (partido xenófobo que defende a independência do Norte da Itália, região mais rica do país) e a União Democrata Cristã. Berlusconi ainda foi apoiado por Allessandra Mussolini, neta do antigo ditador, integrando a sua organização neofascista na aliança eleitoral.

Embora a derrota de Berlusconi tenha acontecido por uma pequena margem dos votos, ela expressa, de maneira distorcida, um sentimento de mudança que percorre todo o velho continente. Sentimento esse que vem aprofundando a crise política do imperialismo europeu e produzindo contínuas derrotas na direita tradicional européia. A fragorosa derrota imposta pelos estudantes e trabalhadores franceses ao Contrato de Primeiro Emprego (CPE) do governo Chirac/Villepin é certamente uma das maiores expressões desse desejo por mudanças e transformações. Por outro lado, é impossível deixar de notar que a derrota do reacionário premiê italiano reforça a crise da política externa dos EUA.

Confiar em Prodi?
Romano Prodi está longe de ser uma figura de esquerda. Católico moderado, ele foi premiê da Itália entre 1996 e 1998 e presidente da Comissão Européia entre 1999 e 2004. Sua coalizão eleitoral foi composta por vários partidos de distintas colorações políticas. Entre os mais importantes estavam a Federção de Olivo (partido de Prodi), alguns democratas cristãos, verdes, a reformista Esquerda Democrática (antigo Partido Comunista) e o Partido da Refundação Comunista (PRC).

Ele capitalizou o sentimento antiguerra no país e fez uma campanha prometendo retirar as tropas italianas do Iraque, o que atraiu uma grande simpatia da população. Ao longo de sua campanha, contudo, Prodi evitou se chocar com os representantes empresariais do país. A Confindustria (principal entidade patronal do país) defende claramente a criação de novas regras trabalhistas que introduzem a precariedade do trabalho.

Ao mesmo tempo em que participava do Congresso da CGIL (principal central sindical italiana), Prodi respondia positivamente ao chamado, lançado pelo presidente da patronal italiana, Luca di Motezemolo, que exigia mais ajuda as empresas, mais reduções do “custo do trabalho”, mais liberdade de ação nas fábricas (para demitir) e medidas que, segundo os empresários, gerem mais “competividade”. Prodi deu um passo importante no sentido de beneficiar os empresários, ao anunciar a redução de cargas fiscais sobre o emprego que irá criar apenas vantagem às empresas.

Para não se enfrentar com a Igreja Católica, Prodi também se esquivou de temas delicados como a legalização do aborto e a união civil entre homossexuais.

Embora o governo de Prodi seja apoiado pelos principais partidos de esquerda do país e pelas centrais sindicais, é uma ilusão achar que ele governará “para todos”, como declarou depois do anúncio de sua vitória. Não é possível governar para todos. Trabalhadores e patrões possuem interesses opostos. Os grandes empresários italianos querem acabar com a sua crise recuperando suas taxas de lucros com o rebaixamento do nível de vida dos trabalhadores. Não há possibilidade de um acordo entre empresários e trabalhadores que possa satisfazer as aspirações destes últimos.

Embora faça um discurso dúbio, o governo Prodi será um governo burguês e pró-patronal e tentará manter todos os compromissos neoliberais ditados pela União Européia, do qual ele é um grande entusiasta, diga-se de passagem.

É lamentável, portanto, a atuação do PRC, que durante a campanha eleitoral apoiou entusiasticamente Romano Prodi, sem fazer sequer uma critica. Pior, manifestando um orgulho indisfarçável, o seu principal dirigente, Fausto Bertinotti, disse que seu partido pretende apoiar o novo governo durante todo o seu mandato: “Temos um programa comum e uma aliança que não é só eleitoral, mas sim programática (…) Se ganharmos, Prodi governará por cinco anos”, disse. Mais do que um equívoco, a política do PRC significa uma completa integração a uma coalizão política pró-patronal e União Européia.

Os trabalhadores, por sua vez, não devem depositar nenhuma confiança ao novo governo italiano. É preciso exigir a retirada imediata das tropas do país do Iraque e o fim das bases dos EUA na Itália. É preciso derrotar os planos neoliberais da União Européia e impedir a precarização do trabalho e o rebaixamento do nível de vida. Essa luta deve ser travada nas ruas, com mobilizações diretas. Nesse sentido, a poderosa classe trabalhadora italiana deve estar atenta às armadilhas que o novo governo pode preparar em conjunto com a esquerda reformista e respondê-las seguindo o exemplo das mobilizações do povo francês.