Publicado originalmente no site da LIT-QI

Cesar Neto e Asdrúbal Barboza

Analisando as lutas do período junho/julho até o início de novembro na África Subsaariana, tivemos importantes greves dos setores organizados da classe trabalhadora. Essas greves, em geral, correspondiam a três grandes questões: a) defesa da saúde na pandemia; b) questões salariais e c) processos de disputa sindical que nos induz a pensar em um processo de reorganização. Vejamos como foram essas greves por países:

África do Sul: a) Greve do Metrobus em Johanesburg, 8 semanas, com muita violência (2 mortos); b) Greve da Impala Platinum (Rustenburg) pandemia e disputa sindical; c) Nestlé, 8 semanas, aumento salarial e disputa intersindical; d) University of Rhodes (Makhanda/Cabo Oriental), disputa por representação sindical; e) Trabalhadores do partido governista CNA, em todos as regionais, devido a três meses de salários atrasados; f) Hospital Town Hill (KwaZulu-Natal) contra o assédio moral durante pandemia; g) SAKPRO Manufacturing (Nelspruit) trabalhadores reivindicam 8% e a empresa oferece 5%; h) Spot On Dry Cleaners, greve pelo reconhecimento de outra entidade sindical; i) First Automobile Works, greve nesta montadora de veículos por aumento de salário e reconhecimento da entidade sindical; j) Setor Público, vinha em um importante processo de mobilização, mas a maioria da direção sindical aceitou um aumento de 1,5% que foi aprovado sem que a categoria fosse consultada.[1]

Entretanto a greve mais importante foi a dos metalúrgicos que pararam por três semanas, fizeram grandes manifestações, não se intimidaram com a repressão do governo e tiveram uma vitória pequena, mas importante.

Angola: Greve dos médicos, enfermeiros e de trabalhadores da Sonangol e indicativo de paralisação dos trabalhadores de águas e esgoto.

Chade: Trabalhadores da Exxon no Chade entraram em greve, em meio a preocupações com o emprego após a proposta de venda de ativos locais para a britânica Savannah Energy.

Gâmbia: Greve de Enfermeiras e parteiras em defesa de subsídios e melhores salários durante a pandemia.

Gana: a) Hospital Psiquiátrico Pantang, greve por segurança durante a pandemia; b) Universidade Simon Diedong Dombo de Estudos de Negócios e Desenvolvimento Integrado (SDD-UBIDS) declararam greve reivindicando várias questões administrativos e salariais.

Guiné-Bissau: a) A UNTG convocou greve geral dos funcionários públicos, para exigir do governo, entre outras coisas, a demissão de funcionários contratados sem concurso público, melhores condições de trabalho e uma duplicação do salário-mínimo dos atuais 50.000 francos CFA (76 euros); b) Agentes de saúde de diferentes regiões da Guiné-Bissau entraram em greve no final de setembro para lutar por melhorias no sistema de atendimento à saúde.

Lesoto: 40.000 trabalhadores (a maioria mulheres) de confecções do Lesoto entraram em greve por aumento salarial de 20%. Foi uma greve longa, mais de uma vez, com muita violência e repressão por parte da polícia e do Exército. Ao final foram vitoriosas/os. Houve momentos que as/os ativistas foram às ruas, incendiavam e queimavam propriedades de chineses em represália aos seus patrões majoritariamente chineses; b) Greve de Enfermeiras por falta de pagamento de salários. Enfermeiras contratadas como parte da campanha do governo para lutar contra a Covid-19, entraram em greve para protestar contra os atrasos no pagamento de seus salários.

Malawi: Malawi Post Corporation (MPC) duas semanas de greve dos trabalhadores dos correios por atraso no pagamento.

Namíbia: Greve de funcionários da emissora nacional de TV, Namibian Broadcasting Corporation (NBC) por melhores condições de trabalho, equipamentos e para que os trabalhadores contratados tenham um emprego permanente. A greve durou um mês.

Nigéria: Médicos residentes fizeram greve por nove semanas devido a vários meses de salários e outros benefícios atrasados e por estarem mal equipados e com poucos recursos para o trabalho, além das péssimas condições dos hospitais públicos.

Quênia: a) Trabalhadores da Chemelil Sugar Company paralisaram a produção por causa de salários atrasados. São 600 trabalhadores efetivos e 469 trabalhadores contratados; b) Professores de 35 universidades paralisam atividade pelo não cumprimento do CCT 2017-2021.

República Democrática do Congo[2]: a) Greve de médicos devido a salários atrasados e por aumentos. Durou três semanas; b) Greve de professores por causa de salários, bônus e idade de aposentadoria; c) Trabalhadores portuários fizeram greve devido a 38 meses de salários atrasado. Uma greve muito radicalizada. Um exemplo da radicalização se dá quando centenas de trabalhadores da empresa portuária estatal da República Democrática do Congo invadiram sua sede, quebrando janelas, queimando móveis e entrando em confronto com a polícia por causa do que eles dizem ser mais de três anos de salários não pagos. Essa greve nos chama a atenção para a mudança de humor dos trabalhadores no período da pandemia. Esperaram 38 meses por seus salários e quando forma à luta foi de forma muito radicalizada.

Senegal: Greve dos correios (Poste Senegal) devido ao não pagamento de direitos. Os trabalhadores acusam o governo Macky Sall de reter valores da estatal.

Zimbábue: Greve dos 1.500 trabalhadores da empresa chinesa Afrochine Smelting.  Segundo o sindicato, “Trabalhamos com medo, sem segurança no emprego e sendo humilhados todos os dias. Você é espancado por supervisores de nacionalidade chinesa e, caso denunciar à polícia, será demitido injustamente antes da conclusão do caso”

Há várias greves bastante emblemáticas nos últimos meses. A primeira que salta aos olhos é a greve dos metalúrgicos da África do Sul[3]. Ela tem sua importância pela radicalização, pela extensão na medida em que inclui uma parte substancial das metalúrgicas do país e por ter acontecido logo após a onda de saques.  Outra greve importante foi a das costureiras no Lesotho. Embora esse país não tenha passado por nenhum processo de instabilidade nos últimos meses houve muita radicalidade da greve, com diversos enfrentamentos com a polícia e o Exército. É uma categoria fundamentalmente composta por mulheres que se mostraram dispostas a enfrentar os efeitos da crise econômica, seus ataques e um sentimento contra as empresas chinesas e seus métodos análogos ao trabalho escravo. Atacar propriedade comerciais de proprietários chineses é também uma forma de repudio à violência com que a patronal chinesa trata os trabalhadores na África. As práticas vão desde o desconhecimento de sindicatos à agressão física relatada em Zimbábue, Congo e Lesoto.

Outra greve emblemática é a os portuários do Congo. Esses trabalhadores passaram mais de três anos sem receber salários!  Pacientemente esperaram. Por que só explodiram após a pandemia? No nosso entender tem a ver com a enorme polarização que estamos começando a viver após o período mais intenso da pandemia.

Se a radicalidade é uma marca dessas greves, há outra característica expressa em muitos países que é o fortalecimento das organizações sindicais ou o surgimento de novas organizações que disputam com a velha burocracia sindical.

É preciso ajudar os trabalhadores a expandir sua luta. Buscar aliados para sua greve no país e no estrangeiro. Nós temos a obrigação de sermos solidários e apoiar a luta de nossos irmãos africanos.

[1]What about the workers? The public sector wage agreement was signed without grassroots consultation – https://www.dailymaverick.co.za/opinionista/2021-08-02-what-about-the-workers-the-public-sector-wage-agreement-was-signed-without-grassroots-consultation/?tl_inbound=1&tl_groups[0]=80895&tl_period_type=3&utm_medium=email&utm_campaign=First%20Thing%20Tuesda

[2]https://litci.org/pt/republica-democratica-do-congo-uma-luz-no-final-do-tunel/

[3]África do Sul: Trabalhadores metalúrgicos mostram o caminho da luta  –  https://litci.org/pt/65270-2/