Festa Junina em Cruz das Almas (BA)
Roberto Aguiar, de Salvador (BA)

Entre as grandes tradições populares do Nordeste, as Festas Juninas se destacam pela  participação popular e pelo clima criado em torno aos festejos, uma espécie de Natal antecipado. Não é por menos que, para a maioria dos nordestinos, junho é melhor mês do ano.      

Diferente do Carnaval, que concentra sua força em duas capitais da região – Salvador e Recife – os festejos juninos se espalham para além das metrópoles e ocupam as praças das médias e pequenas cidades. Caruaru e Campina Grande, que disputam o título de maior festejo junino, estão localizadas no Agreste de seus respectivos estados, Pernambuco e Paraíba. Na Bahia dos 417 municípios, 244 realizaram grandes festas no dia de São João. 

Essas festas vêm crescendo a cada ano. As prefeituras têm investido em grandes estruturas de palco, na contratação de artistas nacionais e na construção de arenas para as realizações dos shows, a exemplo da prefeitura do município de Cruz das Almas, localizada no Recôncavo Baiano, que, desde o ano passado, retirou os grandes shows da praça localizada no centro da cidade e os levou para a arena Circuito Luiz Gonzaga, um amplo espaço preparado para receber mais de 200 mil pessoas por noite.

Todo esse investimento pelas prefeituras e pelos governos estaduais é justificado pelo impacto das festas na economia. De acordo com o Ministério do Turismo, só este ano foram movimentados R$ 6 bilhões e cerca 28 milhões de turistas circularam pelo Nordeste. 

Essa forte mercantilização tem ocasionado dois processos que estão mudando o perfil das Festas Juninas no Nordeste. Coisas que tiveram início há alguns anos, mas que, neste, ganharam maiores dimensões e repercussão nacional: a “camarotização” e a invasão dos artistas sertanejos nas programações.

Praça localizada no centro da cidade de Cruz das Almas, no Recôncavo Baiano | Foto: Mateus Pereira/GOVBA
“Camarotização” é privatização

Festa de São João longe do povo

As festas nas praças públicas dão o tom dos festejos juninos no Nordeste. Enfeitadas com bandeirolas e outros símbolos que remetem à tradição junina, esses espaços públicos começaram a ser ocupados por camarotes, antes localizados nas laterais do palco. Este ano eles passaram a ocupar “espaços VIP”, em frente aos palcos, ofertados a quem desembolsasse centenas de reais.

Esse é um processo de privatização das festas públicas, incentivado pelo poder público, onde se reduz o espaço destinado ao público geral. Em Campina Grande, metade do espaço em frente ao palco principal foi destinado a um camarote privado, com capacidade para 6.800 pessoas, com ingressos que chegavam a R$ 600 por dia. 

O processo de mercantilização da Festa Junina em Campina Grande é de tal forma avançado que, desde 2017, a prefeitura licita a organização da festa para uma empresa. Em 2023 e 2024, a responsável é a Artes Produções, vencedora da última licitação pelo valor de R$ 355.655,91. 

Com esse avanço da mercantilização, o Pátio do Povo vai deixando de ser do povo. Isso também acontece com grande força em Caruaru. Um camarote privado também ocupou 50% do espaço, em frente ao palco principal do Pátio de Eventos. 

Na Bahia, a “camarotização” vem ganhando espaço desde o ano passado, em cidades como Santo Antônio de Jesus, Cruz das Almas, Senhor do Bonfim, Jequié e São Gonçalo dos Campos. Mas o processo ainda não avançou para cercadinhos, com “áreas vip” em frente ao palco.

“Sertanejização”

O outro filho da mercantilização dos festejos é a invasão sertaneja na programação. Os artistas do gênero mais tocado no mercado musical brasileiro foram atrações nas principais festas, recebendo os maiores cachês e exigindo mais tempo de apresentação que os demais artistas. 

No início de junho, o cantor Flávio José, representante do tradicional forró pé-de-serra, protestou no palco de Campina Grande, por ter seu tempo de show reduzido. “Eu não tenho nenhum show para sair daqui correndo para fazer. Não foi ideia minha. Infelizmente, são essas coisas que os artistas da música nordestina sofrem”, disse. A atração seguinte, o sertanejo Gusttavo Lima, se apresentou por 2h30.

O cantor cearense Fagner, que tem um disco histórico com Luiz Gonzaga, também reclamou durante seu show em Campina Grande: “Vamos fazer uma despedida porque tem uma programação, não é isso? Vai ter um sertanejo aí, né isso?”, alfinetou.

Em Caruaru, entre 2017 e 2023, triplicaram-se os artistas do gênero sertanejo. Nomes do tradicional forró nordestino, como Jorge de Altinho e Alcymar Monteiro foram excluídos da grade de atrações. Alcymar é um dos expoentes do movimento #DevolvaMeuSãoJoão, lançado em 2017, por artistas como Joaquina Gonzaga, sobrinha de Luiz Gonzaga, e Elba Ramalho.

Mercadoria capitalista

Quando a cultura popular vira máquinas de ganhar dinheiro

A “camarotização” e a “sertanejização” dos festejos juninos no Nordeste são consequência da mercantilização das festas populares pelo capitalismo. Os festejos juninos caminham para a mesma situação do Carnaval, transformado em uma máquina de gerar dinheiro, composta por uma cadeia de empresários sanguessugas, que, aliados com os poderes públicos, lucram milhões. 

Por isso, para eles pouco importa se os camarotes e as músicas sertanejas descaracterizam uma manifestação cultural que se notabiliza por ser uma festa de rua, sem a existência de áreas segregadas e com um som próprio, criado e perpetuado por homens e mulheres que buscam manter vivas a festa e as tradições de um povo e de um lugar.