Wilson Honório da Silva, da Secretaria Nacional de Formação do PSTU

Em 1989, pouco antes de morrer, o escritor curitibano Paulo Leminski rabiscou um bilhete com uma de suas frases curtas, irônicas e certeiras: “Nunca estive muito interessado em envelhecer, eu que sempre amei a juventude“.

Anos depois de ter sua intensa vida abreviada por uma cirrose que o matou aos 44 anos, muito provavelmente Leminski iria se sentir rejuvenescido se soubesse que seus fabulosos “haicais” estão circulando pelas redes através do twitter, num formato que já está sendo chamado de “twicais”.

Afinal, acima de tudo, Leminski foi um cultuador e renovador da palavra e de suas possibilidades poéticas. Seja como escritor, ensaísta, crítico tradutor ou poeta, ele sempre se manteve próximo dos princípios da estética “concretista” (que ajudou a divulgar juntamente com gente como os irmãos Haroldo e Augusto de Campos e Décio Pignatari), que tem na sua base o vínculo inseparável e dialético entre a forma e o conteúdo dos textos.

Uma poética que nunca se recusou a incorporar as novidades (das falas das ruas, à gíria e aos palavrões). Mesclando-a com influências que vinham simultaneamente da cultura popular (como trocadilhos, músicas e a fala coloquial) e do melhor da cultura universal (de “clássicos” como o russo Dostoievski ou de tradições mais “distantes”, como o latim de Petrônio e os curtíssimos haicais, trazidos da poesia japonesa).

O balaio poético um polaco-negro, trotskista-budista

Tentar definir Leminski é uma tarefa impossibilitada pela própria vida e obra do poeta. Descendente de poloneses e negros; simpatizante, na juventude, do grupo “Liberdade e Luta” e adepto apaixonado da cultura e religiosidade do Oriente, o escritor fez da “mescla” (sempre instigadora e inteligente) uma de suas principais marcas, o que pode ser exemplificado, na forma e conteúdo, através de seus mais fabulosos haicais: “en la lucha de clases / todas las armas son buenas / piedras, noches, poemas”.

O mesmo aplica-se à sua obra em prosa. Catatau (1976), Agora é que são elas (1984), Metaformose (1994) e o livro de contos “O gozo fabuloso” (publicado em 2004) dificilmente podem ser chamados “apenas” de romances ou contos, já que tangenciam, sem muita definição de fronteiras, a poesia, a ficção ou ensaio literário.
Um estilo com o qual Leminski também impregnou sua série de biografias – reunidas num volume único, intitulado “Vida”, lançado em 1990 – no qual ele reconstitui, de forma maravilhosamente poética a vida de personagens tão distintos como Jesus Cristo, o poeta simbolista negro Cruz e Sousa, o revolucionário russo Leon Trotsky e o poeta japonês, do século 17, Matsuô Bashô, criador dos haicais.

No caso de Trotsky, é de fato impressionante a relação que Leminski estabelece entre três figuras fundamentais da história da Revolução Russa e os personagens centrais de “Os irmãos Karamazovski”, de Dostoévski. Como também, “Trotski: paixão segundo a revolução”, é fundamental para todos aqueles que queiram entender as concepções do líder revolucionário em questões fundamentais, como as relações entre arte, modo de vida e revolução.

Poesia da vida, vida em poesia

Foi com essa mesma perspectiva multifacetada, que se recusa a separar a poesia da vida, que também orientou as traduções realizadas pelo escritor. Fluente em diversas línguas (francês, japonês e latim, dentre outras), Leminski verteu para o português obras essenciais, como o Satiricon, de Petrônio, Sol e aço, de Yukio Mishima (ambas de conteúdo fortemente homoerótico); o Supermacho, do alucinado dramaturgo Alfred Jarry; além de poemas e novelas de James Joyce.

Foi também essa sua enorme capacidade do domínio lingüístico que transformou o poeta curitibano num “improvisado” letrista de músicas em dezenas de parcerias feitas com gente como Caetano Veloso, “A cor do som”, Moraes Moreira, Arnaldo Antunes e Itamar Assumpção.

Quando morreu, no dia 7 de junho de 1989, o consumo excessivo de álcool e a conseqüente cirrose tinham coberto a vida e obra de Leminski com uma inegável melancolia e um razoável isolamento social, como ele mesmo deixou registrado: “Pariso / Novayorquiso, Moscoviteio / Sem sair do bar./ Só não levanto e vou embora / Porque tem países / Que eu nem chego a Madagascar”. Contudo, passadas três décadas, é impossível não reconhecer a atualidade e força da obra do poeta.

Apesar de ser difícil imaginar Leminski (que sequer usava máquina de escrever para compor seus textos) “twitando” mundo afora, até mesmo porque ele, certamente, seria um crítico da onda de banalização que cerca esta e outras formas e práticas de escrita do “mundo digital”, não deixa de ser interessante que seja através deste mecanismo que novos leitores estejam descobrindo o autor.

Afinal, Leminski soube, como poucos sintonizar-se a seu mundo e tempo para transformar as inquietudes, frustrações e também amores e paixões de uma geração, encontrando novas e moderníssimas formas para fazer poesia com palavras e conceitos – como “paixão”, “arte” e “revolução” – que apesar de parecerem distintas e distantes, são inegavelmente inseparáveis, como demonstram tanto a vida e poesia do autor, quanto os sonhos que, todos nós que lutamos por um mundo melhor, alimentamos.

Adaptado de texto publicado em 2009