Em meio aos festejos do Bicentenário da Independência, a grande mídia e mesmo alguns historiadores revisionistas tentam apresentar uma versão da história brasileira que não condiz com os eventos reais.
Seriados, novelas e reportagens com “especialistas” procuram glamorizar uma monarquia decadente e arcaica; humanizar um Imperador devasso, autoritário e comprometido com a instituição da escravidão; e, ainda, apresentar uma suposta participação popular no processo de independência. Mas a história real foi bastante diferente: negros, indígenas e a população pobre da Colônia praticamente não tiveram papel no movimento.
O processo de independência do Brasil foi um acerto das classes dominantes da época. Uma resposta das elites, monárquicas e escravagistas, a uma tentativa de recolonização do Brasil pelas Cortes, um tipo de Parlamento português, instituído após a Revolução Liberal do Porto, de 1820, e que pretendia criar uma constituição nacional.
Essas Cortes exigiam o retorno do rei D. João VI a Portugal, onde ele teria seu poder absoluto restringido. Também defendiam que o Brasil retrocedesse ao status de colônia, uma vez que, desde 1808, com a chegada da Família Real ao Rio de Janeiro (em fuga de Napoleão Bonaparte), o país havia se tornado o centro da metrópole portuguesa e do reino.
Diga-se de passagem, o fato da colônia abrigar a sede da metrópole (algo inédito em toda história) é a primeira explicação para que o Brasil não tenha sido dividido em várias pequenas nações, tal como ocorreu na América Espanhola.
Pressionado, D. João VI voltou a Portugal, mas, antes, disse ao seu filho, em 24 de abril de 1821: “Pedro, se o Brasil se separar, antes seja para ti, que hás de me respeitar, do que para algum aventureiro”.
Um acerto das elites
A vinda da Família Real em 1808 rompeu o isolamento do Brasil no mercado mundial. A transferência da Corte resultou em várias reformas econômicas, sendo a mais importante delas a abertura do Brasil às importações e exportações de mercadorias, sobretudo para a Inglaterra, a nação dominante do capitalismo mundial da época, inimiga de Napoleão e que havia ajudado a Família Real a escapar da Europa.
O resultado foi o surgimento de uma burguesia “metropolitana” que ficava na colônia, cada vez mais enriquecida pelas reformas de D. João. O retorno do Brasil à condição de colônia prejudicaria seus negócios e lhes traria prejuízos. Por isso, optaram por uma saída melhor: a independência, proclamada pelo filho do rei português.
Mais importante ainda: a independência seria feita de forma “pacífica” e manteria a odiosa escravidão da população negra. O comprometimento de D. Pedro com a escravidão, junto às elites, é a segunda explicação para o Brasil não ter se dividido em várias nações.
Tudo isso foi muito diferente do processo de independência das repúblicas da América Hispânica, onde houve sangrentas guerras civis, tais como as lideradas por Simón Bolívar e José de San Martín, com forte participação popular e que, por isso mesmo, derrotaram a metrópole espanhola. Não por acaso, a conquista da independência nessas nações também resultou no fim da escravidão e na criação de regimes republicanos.
Como o diabo fugindo da cruz
Além de atentos aos que se passava no resto do continente, no Brasil, as elites escravagistas temiam qualquer participação popular no processo de independência. Temiam, sobretudo, uma revolução de escravos, tal como ocorrera no Haiti, entre 1791 e 1804. E, por isso, salvo raras exceções, como no caso da Bahia (leia ao lado), por mais que existissem setores e movimentos populares que há muito defendessem e lutassem pela independência, o processo foi conduzido de tal forma a se antecipar a eles e os excluírem.
Algo que foi representado no famoso quadro “Independência ou Morte”, de Pedro Américo, pintado mais de 60 depois, como uma obra de propaganda ideológica do Segundo Império e da ideologia Positivista que predominava na época.
Nele, o povo é tratado como mero espectador, forçado a observar a transformação do Brasil em nação independente, pelas mãos militarizadas dos acompanhantes de um “heróico” D. Pedro, vendo tudo de fora.
Nasceu dependente
Em 1825, para ter sua independência reconhecida, o Brasil aceitou pagar a dívida externa que Portugal tinha com a Inglaterra, num valor de dois milhões de libras esterlinas. E, também, pagou outras 600 mil libras diretamente a Portugal. Para obter esse valor, o Brasil fez um empréstimo junto ao banqueiro Rothschild (3,6 milhões de libras), intermediado pelo corrupto marquês de Barbacena, um senhor de escravos que, ainda, negociou com a Inglaterra um prazo maior para manter a escravidão. Foi o começo da nossa dívida externa. O Brasil já nascia dependente.
Independência de verdade
A independência política formal foi seguida de outras formas de dominação e de dependência em relação às potências estrangeiras. Por isso, não temos porque comemorar algo que não existe. Passados 200 anos, o Brasil ainda precisa de uma independência de verdade, que só pode ser conquistada pelos trabalhadores e oprimidos, na luta pelo socialismo.
2 de julho
A guerra pela independência na Bahia
Uma honrosa exceção à exclusão popular, entretanto, aconteceu na Bahia, onde a população foi levada a lutar pela independência quando as tropas portuguesas não aceitaram a ruptura do Brasil com Portugal. Aí, foram, majoritariamente, os negros e negras, tanto escravos quanto alforriados, as mulheres e o povo pobre em geral que estiveram na linha de frente da luta anticolonial contra a dominação lusitana no Brasil.
Por isso, nomes como o de Maria Quitéria de Jesus Medeiros, Maria Felipa, dentre outros, devem, sim, ser lembrados como heróis da independência brasileira. A guerra terminou apenas em 2 de julho de 1823, data em que a independência é comemorada pelo povo baiano em grandes festas populares e não com desfiles de tanques e soldados, como o 7 de setembro.
No entanto, o Brasil ainda continuaria a ser o último país a abolir a escravidão, sustentada pela monarquia a ferro e fogo por mais longos 66 anos.