Guilherme Fonseca, de Recife (PE)

A Reforma Tributária, impulsionada pelo governo Lula e aprovada na Câmara dos Deputados, mantém e aprofunda o modelo atual de tributação no país, no qual os impostos sobre o consumo (aqueles que incidem sobre bens e serviços) são a principal fonte de arrecadação e acabam sendo pagos, de forma indireta, pelos trabalhadores e trabalhadoras.

A reforma unifica alguns tributos; mas, ao contrário do que se fala, aumenta a tributação sobre os bens e serviços para a maioria dos trabalhadores e da população em geral. E como isso acontece? 

Como ela beneficiou praticamente todos os grandes grupos econômicos, com renúncia e isenções de impostos, e o governo pretende manter e até aumentar a arrecadação, alguém terá que pagar a conta. E não foi à toa que o grande empresariado, representado pela Febraban (bancos), FIESP (indústrias) e CNA (agronegócio) apoiaram a reforma.  

Não foi à toa, também, que a especificação do valor da alíquota (ou seja, o percentual usado para calcular o valor final de um imposto) do novo imposto ficou para depois e será definido através de uma lei complementar. Este novo imposto se chama IVA (Imposto de Valor Adicionado) e surgiu a partir da unificação de diversos impostos e será composto pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). 

Cortina de fumaça para enganar trabalhadores

Já entre os trabalhadores reina a confusão, pois Lula, através do Ministro da Fazenda Fernando Haddad e apoiado por toda a base do governo, incluindo PT, PSOL, PCdoB, que foram protagonistas na defesa da reforma, juntamente com o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas), propalaram aos quatro ventos que a reforma vai gerar emprego e desenvolvimento. 

Só não dizem, contudo, quem vai pagar a conta. E o fato é que a Reforma Tributária vai aumentar ainda mais os impostos sobre a classe trabalhadora, os mais pobres e a classe média, aliviando para os ricos, que já pagam muito pouco, quando pagam.

Também vale lembrar que apesar de Bolsonaro ter chamado seus seguidores na Câmara a votarem contra o projeto, muitos de seus deputados afirmaram ser a favor da reforma e só pediram tempo para “discutir mais”, não apresentando argumentos concretos, já que Bolsonaro e seus apoiadores também defendem os ricos e só querem marcar posição, esperando um futuro desgaste do governo. E, mesmo assim, 20 deputados do seu partido, o PL, votaram a favor da PEC.

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Regressivo

Imposto sobre consumo recai sobre trabalhadores

Quando compramos um celular, um pão na padaria ou colocamos gasolina na moto, também pagamos tributos, como, por exemplo, o Imposto sobre Circulação de Mercadoria (ICMS), que é arrecadado pelo governo de cada estado. 

Já quando você utiliza um serviço qualquer, como serviço médico ou educacional privado, plano de saúde ou uma oficina, você paga o Imposto Sobre Serviço (ISS), que é um tributo municipal. 

Além disso, tributos federais como a Contribuição para a Seguridade Social (Cofins) ou, ainda, o Programa de Integração Social (PIS), incidem sobre a receita ou o faturamento bruto das empresas, após o processo produtivo, mas são repassados e pagos pelos consumidores. 

Por isso, todos eles são considerados tributos sobre o consumo e recaem sobre os trabalhadores e a população mais pobre.

Quando uma diarista ou um gerente compram um celular, por exemplo, eles pagam algo como R$ 400 só em impostos. O que é importante destacar é que este pagamento é considerado “regressivo”, pois a diarista, que ganha menos, paga mais, proporcionalmente à sua renda, do que é pago pelo gerente. 

Brasil

Campeão em taxar bens e serviços e isentar renda e lucros

Diferente de boa parte dos países do mundo, o Brasil é o que menos arrecada tributos com a renda e os lucros. Já em relação à receita tributária sobre bens e serviços é o contrário, como demonstra o relatório (veja o gráfico), de 2019, da Organização de Cooperação dos Países em Desenvolvimento (OCDE). 

Em suma, o Brasil é líder na tributação de impostos sobre bens e serviços, sendo que, em 2019, os valores arrecados representaram 15,9% do Produto Interno Bruto (PIB), bem acima da média da OCDE (10,9%). Já no quesito imposto sobre a renda e lucros, a arrecadação no Brasil atinge 5,9% do PIB, ficando bem abaixo da média da OCDE, que é 11,5% do PIB.

Considerando os três tipos de tributos (consumo, propriedade e renda/lucro), os impostos sobre o consumo de bens e serviços são, de longe, o principal componente dos tributos no Brasil. 

Desconsiderando apenas as contribuições sociais, como FGTS e Previdência, os impostos sobre bens e serviços são os que mais arrecadam no país, sendo responsáveis por 56% da arrecadação em 2022 (veja o gráfico).  Já os impostos sobre a propriedade corresponderam a apenas 7%, e os impostos sobre a renda, lucros e ganho de capital representaram 37% da arrecadação.

Quem paga os impostos no Brasil?

São dados como estes que nos permitem afirmar que são os trabalhadores e trabalhadoras quem pagam a grande maioria dos impostos. 

Se considerarmos os R$1,3 trilhões arrecadados com impostos sobre bens e consumo; os cerca de R$120 bilhões, de impostos sobre a propriedade; e R$472 bilhões, sobre o Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas (IRPF), temos um total de R$ 1,9 trilhões, sendo que os trabalhadores e a maioria da população contribuem com cerca de 77% dos impostos no país.

Enquanto isto, os empresários contribuem diretamente com apenas 23% dos impostos. Mas, esses números também escondem outra questão: Quem produz a riqueza? 


Saiba mais

Destrinchando os impostos

Fonte: Tesourotransparente.gov.br  

Impostos sobre bens e serviços que são os tributos que incidem sobre o consumo e representam R$ 1,33 trilhões. Com destaque para o ICMS, com R$ 692,14 bilhões, e para o Cofins, de cerca de R$ 271,9 bilhões. Já o imposto sobre exportação paga apenas R$ 53 bilhões, para satisfazer exportadores, em particular os que lidam com commodities, como o agronegócio e as mineradoras. A reforma mantém e aprofunda o não pagamento de impostos sobre exportação de produtos.     Dos R$ 165,37 bilhões arrecadados com impostos sobre a propriedade, destaca-se o IPVA, que é o imposto que todos pagamos quando possuímos um veículo automotor que, juntamente com o IPTU, tem os trabalhadores como principais contribuintes. Enquanto isso, o Imposto Territorial Rural é de apenas R$ 2,5 bilhões. Dá para ver que a grande propriedade no Brasil praticamente não paga impostos, que recaem, mais uma vez, sobre a classe trabalhadora e não sobre os ricos.

No que se refere aos impostos sobre a renda, dos R$ 910,26 bilhões arrecadados, cerca de R$ 472,83 bilhões (ou seja, 51,94%) são pagos pelos trabalhadores, com o Imposto de Renda de Pessoa Física. Enquanto a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), paga pelas empresas, contribui com apenas R$ 156,09 bilhões e representa 17,15% dos impostos sobre a renda e lucros. Junto com o IRPJ são um dos poucos impostos que os empresários pagam e, mesmo assim, pagam menos que os trabalhadores. Ao mesmo tempo, outros impostos, incluindo sobre os ganhos de capital, são praticamente inexistentes, contribuindo com 0,01% dos impostos sobre a renda e lucros.  

Superexploração

Classe operária é quem financia o Estado e os lucros dos patrões e dos bancos

A resposta para a questão sobre quem produz a riqueza é um “segredo” que já foi desvendado por Marx. Os operários trabalham muito mais do que o necessário para a sua sobrevivência e, portanto, são eles, na verdade, que sustentam o Estado e garante os lucros dos patrões e dos bancos.

Um estudo realizado por Gustavo Machado do Ilaese (Instituto Latino Americano de Estudos Socioeconômicos) mostra que, no Brasil, considerando as 72 maiores empresas, no ano de 2021, os salários dos trabalhadores eram equivalentes a dois meses e sete dias de trabalho. Os demais dias do ano foram “trabalho de graça” para o patrão, para os bancos e para o Estado, na forma de impostos (veja o gráfico).

Como se isso não bastasse, os trabalhadores e trabalhadoras que recebem mais de 2 salários mínimos pagam Imposto de Renda, além dos tributos que são pagos sobre os bens e serviços que consomem. 

Enquanto isso, uma minoria de bilionários, banqueiros, donos do agronegócio e da mineração, da indústria privada da Saúde e da Educação, continuam sendo privilegiados. E a Reforma Tributária do governo Lula e do Congresso não veio para mudar essa lógica. Mas, pelo contrário. Veio para mantê-la e aprofundá-la.

Retrocesso

Reforma Tributária recai sobre os trabalhadores e os mais pobres

Imposto único ou fusão de impostos não significam redução de carga tributária. O ICMS, por exemplo, hoje, é cobrado nos estados, com valores entre 17% e 18% de alíquota. Os municípios cobram ISS, entre 2% e 5%. Em vários casos, com a reforma, a cobrança, no imposto final, pode ficar superior à soma desses tributos existentes hoje. 

O governo admite que o IVA, criado pela reforma, será de, no mínimo, 25%. O Instituto de Pesquisa Econômicas e Aplicadas (Ipea), em estudo recente, calcula que a alíquota pode chegar a 28%. Além de ser o maior imposto dentre os países que adotam o IVA, ele será tanto maior quanto mais setores da burguesia se beneficiarem com as isenções.

Também já se sabe que alguns setores, como bancos, construtoras, planos de saúde, rede hoteleira, igrejas e aviação regional, terão regime específicos de tributação. Além disso, outros pagarão apenas 40% de imposto, como os serviços de Educação e Saúde, insumos agropecuários, que incluem os agrotóxicos. E, ainda, nenhum imposto será cobrado para os serviços da Educação ligados ao PROUNI, dentre outros. 

Obviamente, com tantas renúncias e desonerações (desobrigação de pagamento), para manter a carga tributária sobre o consumo, alguém vai ter que pagar a conta. Como a reforma não irá atingir os lucros dos grandes empresários, mesmo uma medida como zerar a taxação sobre produtos da cesta básica, apenas para a população de baixa renda, serão arcados pelo conjunto dos consumidores. 

Hoje, por exemplo, já não são cobrados impostos federais sobre esses produtos e, sim, o ICMS, por estado. Então, serão, novamente, os trabalhadores que financiaram estes valores,  também com uma alíquota alta de Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Enquanto isto, os ricos não irão contribuir com coisa alguma.  

Conversa fiada

E os jatinhos e lanchas dos barões serão taxados?

Uma única parte da reforma modifica os impostos sobre propriedade, o IPVA (Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores), que, agora, inclui veículos aquáticos e aéreos.

No entanto, foi aberta uma exceção para aeronaves agrícolas (incluindo as que espalham agrotóxicos no campo); embarcações de pessoas jurídicas que detenham outorga para prestar serviços de transporte aquaviário, ou de pessoa física ou jurídica que pratique pesca industrial, artesanal, científica ou de subsistência. 

No fim das contas, tantas exceções servem justamente para que os proprietários não paguem imposto algum.

Conversa fiada 2

E o novo imposto seletivo que vai taxar produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente?

Na proposta aprovada, o governo vai acabar com o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e substituí-lo por um “imposto seletivo” que, em tese, seria taxado sobre todos os produtos que façam mal à saúde ou ao meio ambiente. 

Aqui, só podemos falar em completa hipocrisia. Os maiores destruidores da natureza e da saúde humana, como a mineração e agronegócio, continuarão praticamente sem pagar impostos. E ninguém se refere a eles. Fala-se apenas em bebidas alcoólicas ou cigarros. 

Primeiro, atualmente, os cigarros já são taxados em 300%, de forma diferenciada. Além disso, o setor de bebidas já está se mobilizando para que sejam retirados da reforma, quando a votação for ao Senado. 

Então, a única coisa que é certa é que o fim do IPI só vai aliviar, mais uma vez, a carga tributária das empresas.