No Dia Nacional da Visibilidade Trans, mulheres e homens trans e travestis se reuniram no gramado do Congresso Nacional para realizar um ato simbólico em defesa das vidas da população LGBT, em 2018 Foto Mídia Ninja
Nikaya Vidor, da Secretaria LGBTI do PSTU

O 29 de janeiro é o dia que marca a visibilidade trans, entretanto, vale a pena questionar: Qual visibilidade é esta?

Aqui procuramos evidenciar o cenário social, econômico e político em que a população trans brasileira está submetida e, ao analisarmos tal cenário, iremos esboçar qual é a relação deste cenário com a forma de organização social que vivemos, a sociedade capitalista. E posteriormente apresentamos um programa político emergencial dentro do viés socialista para a população trans brasileira, que é lumpemproletariada e proletariada.

Igualdade e inclusão? Os direitos mais básicos são negados às pessoas trans

A população trans ainda tem dificuldades imensas para ter moradia, emprego e, consequentemente, a sua expectativa de vida é muito baixa. No Brasil, a expectativa de vida é de apenas 35 anos. Além disso, enfrenta os desafios da violência social que é ser uma pessoa trans, isto é, lutar para existir nesta forma de sociedade.

Em pleno 2022, o Brasil, infelizmente, continua sendo o país que mais mata pessoas trans do mundo, como indicaram os números de assassinatos em 2021. Mais de um terço do total das mortes de pessoas trans no planeta, cujas estatística conseguem detectar, ocorre dentro do Brasil! Ao mesmo tempo, é o país que mais consome pornografia trans, o que demonstra uma assombrosa contradição entre a aversão e a atração.

De acordo com a ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), 90 % das mulheres trans estão na prostituição, em função de não conseguirem vender a sua força de trabalho e adquirir um emprego formal na sociedade capitalista. Além do mais, a maioria não tem famílias para acolhê-las, pois são expulsas de casa logo cedo, o que acarreta não só problemas de insegurança financeira, como também problemas de moradia e violência.

Sem a aceitação e o apoio familiar, sem moradia e emprego, se veem nas garras da prostituição e passam a morar com as suas cafetinas, que cobram aluguéis altíssimos e vivem da exploração do trabalho das trans. Além disso, ficam submetidas a disputa dos pontos de prostituição com outras mulheres trans, sendo as mais antigas as que detém vantagem. Tais conflitos envolvem violência e brigas intensas. Sem falar que, muitas vezes, para conseguirem se manter prostituindo, precisam pagar propina para policiais corruptos para não serem presas ou estupradas.

Mas a violência não para por aí. Ademais, ainda tem os conflitos com os clientes, que muitas vezes ao consumirem os seus programas, as matam depois, por vergonha e temor de serem descobertos. De acordo com a ANTRA, 51% das mulheres trans que morrem na prostituição, morrem nas mãos dos clientes homens. Vale ressaltar que 78% das mortes da população trans feminina são de mulheres trans negras.

A pesquisa ainda mostra que os homens trans também não conseguem emprego formal, 85% dos homens afirmam que o mercado de trabalho só lhes garante emprego se tiverem uma aparência extremamente masculina, isto é, se estiverem dentro dos padrões de cisgeneridade.

E mesmo entre as pessoas trans que conseguem escapar da prostituição e se inserir no mercado de trabalho, a situação não é das melhores. Das 10% das mulheres trans que possuem emprego, dentro do que as estatísticas da ANTRA conseguem detectar, apenas 4% tem emprego formal, as outras 6% estariam em empregos informais extremamente precários.

À violência e ao desemprego se soma a falta de acesso adequado nos serviços públicos e privados, principalmente, à saúde e educação, onde, muitas vezes são assediados, ridicularizados e inclusive caluniados por estes serviços.

A própria condição educacional é um fator de violência. Muitas pessoas trans não conseguem finalizar o Ensino Médio, dado o profundo preconceito que vivem na escola de toda a comunidade escolar.

Capitalismo: a transfobia a serviço da superexploração

Muitos se perguntariam: Mas, o que tem a ver a população trans e suas dificuldades com o capitalismo? Tudo! O capitalismo é uma forma de organização social que prioriza o luxo e a riqueza de uma classe por meio da exploração do trabalho de outra classe; e as relações estabelecidas entre os grupos sociais e pessoas está a serviço de garantir o lucro da classe dominante, isto é, dos ricos, da burguesia.

Para lucrar, a burguesia não tem critérios: promove a competição entre os trabalhadores, a destruição do meio ambiente, fomenta guerras e genocídios no planeta. Vale tudo para garantir a manutenção de suas taxas de lucro.

O desemprego generalizado é consequência desse modo de produção. Os avanços científicos e tecnológicos, o aumento da produtividade, não estão a serviço da melhora das condições de vida de toda a população, para a redução da jornada de trabalho e o pleno emprego, saúde e educação e moradia para todos, mas para que um punhado de ricos possam acumular capital. Esse estado de coisas contudo, gera contradições enormes, para esconder as verdadeiras causas da miséria social que esse sistema produz, a burguesia lança mão de ideologias que justificam as desigualdades no interior do capitalismo.

Estes preconceitos são bastante funcionais para a burguesia pois ajudam a dividir a classe trabalhadora, conformando uma camada de “cidadãos de segunda categoria”, sem direitos ou com direitos democráticos limitados, como as mulheres, os negros, imigrantes, as LGBTIs, os povos originários, setores muitos dos quais marginalizados, invisibilizados, submetidos à opressão e à violência e, quando pertencentes à classe trabalhadora, à superexploração burguesa.

A burguesia enquanto classe é responsável por, durante os últimos séculos, que a população trans esteja à margem da sociedade, na prostituição e numa situação de imensa violência. Pois enquanto classe se beneficia da desigualdade social que o sistema capitalista gera.

A transfobia é mantida e reproduzida pela burguesia. Por um lado, a burguesia se aproveita desses preconceitos para melhor explorar, utilizando a população trans para produção de mercadorias que geram seus lucros; por outro lado, para manter a superexploração de um setor da classe, a burguesia precisa também reproduzir essas ideias falsas (ideologias) na mente das pessoas, para que justifiquem a superexploração.

Esse mecanismo fica evidente no caso da prostituição trans, que é “aceita” no mercado do sexo pois é fruto de lucro para um setor que. além de usar o corpo destas mulheres, faz com que muitas delas morram antes dos 35 anos. A pornografia trans sustenta a ideia falsa de que mulheres trans servem apenas para o sexo no sigilo, como meros objetos de prazer sexual para os homens.

Toda esta forma de opressão gestada na história é causa e consequência do desemprego, da penúria, da violência e da coisificação destas mulheres. E o Estado é agente da perseguição e indiferença com essa situação.

Afinal, vale ressaltar, o suposto Estado democrático de direito é o Estado capitalista que serve, em última instância, sempre aos interesses da burguesia. Este Estado durante muitos anos por meio da polícia, da saúde e da educação, perseguiu de maneira escancarada ou maquiada a população trans.

Hoje, seja com governos de ultradireita à frente – como é o caso de Bolsonaro, que não esconde sua transfobia; seja com governos ditos “progressivos”, que aparentam inclusivos e humanos às pessoas trans, ainda persegue, mas de maneira informal, os setores oprimidos.

Os setores reformistas, que pregam as conquistas de direitos sem denunciar o capitalismo ou que, em palavras denunciam, mas na sua prática cotidiana defendem a unidade com a burguesia, ficam nos limites da luta por representatividade e pela ocupação de espaços de poder e decisão. Assim, não contribuem para a libertação dos oprimidos pois não questionam e não tem como centro a destruição do sistema que é a base material da opressão. O sujeito social da libertação de todos os oprimidos e explorados é a classe trabalhadora, tendo como vanguarda os oprimidos trabalhadores.

Mas toda esta opressão que a população trans vive decorre desta forma de sociedade em que vivemos, cujo lucro está acima da vida, e se for necessário discriminar e matar em nome do lucro, para a burguesia não há impedimentos morais!

Evidentemente, a opressão gera descontentamento e lutas. Temos assistido a um enorme ascenso dos setores oprimidos por direitos, o que tem obrigado a burguesia fazer concessões sob o risco dessas lutas saírem do controle. Por isso, ao mesmo tempo que a burguesia sustenta a exploração e a morte da população trans; é obrigada a criar políticas públicas e empresarias de inclusão (o que certamente é muito importante), mas não com o intuito de acabar com a opressão e a desigualdade, mas para controlar e desviar as lutas, canalizando-as para o interior do sistema. Inclusive para lucrar, criando um mercado pink money, voltado para um setor seleto, mas que, pouco ou quase nada, alteram a condição geral da população trans na sociedade capitalista.

Não queremos dizer com isso que estamos contra as políticas inclusivas, a luta por direitos formais e democráticos, contra a violência e pela visibilidade e representatividade trans, ao contrário, são essenciais, inclusive, como modo de desmascarar a verdadeira causa da opressão que é este sistema de opressão e exploração.

Não é possível acabar com a transfobia e a opressão no capitalismo

Como dito anteriormente, se discriminar e matar é lucrativo, por que a burguesia irá alterar tal cenário social? Portanto, não existe nenhuma possibilidade de o capitalismo destruir a transfobia. Ela é funcional de forma econômica, pois intensifica a extração de lucro; funcional de forma ideológica, porque aliena a própria classe trabalhadora; e funcional para dominação política, pois divide a classe trabalhadora a partir da alienação, fazendo trabalhadores cisgêneros não enxergarem trabalhadores trans como aliados e até, muitas vezes, enxergarem a população trans como seus inimigos.

É importante ressaltar que a raiz da marginalidade que a população trans é submetida no capitalismo, e nos coloca em condição de lumpemproletariados e proletariados, é resultado do capitalismo.

De fato, a solução completa e definitiva dos nossos problemas só será possível resolver em uma sociedade socialista. Entretanto, a luta pela revolução socialista, somente irá se concretizar se agirmos para tal, e agir para tal significa materializar um programa político por via de ações políticas e econômicas que movam a classe trabalhadora contra a burguesia.

Para isso é necessário levantar propostas concretas para ter direitos iguais, liberdade e condições sociais para a classe trabalhadora. Precisamos embutir dentro da luta cotidiana a projeção do que seria uma sociedade socialista, ou seja, dentro de cada piquete, greve e ocupação, educar a classe a combater as opressões, unindo a nossa classe e a integrando numa luta política contra a burguesia e pelo poder, através de uma revolução socialista.

Esta projeção do que seriam as condições sociais da sociedade socialista já podem ser levantadas como reivindicações na luta cotidiana e presente da classe trabalhadora, mas para isso é necessário criar o senso crítico dentro da classe e quebrar quaisquer ideologias (falsas consciências) de crença no patrão e no Estado.

Por isso, precisamos apresentar o programa político não só pensando nas necessidades da nossa classe em geral, mas das suas especificidades. A classe trabalhadora é diversa e sofre a exploração de forma específica quando são da trans trabalhadora.

A luta cotidiana da classe precisa construir este programa, enfrentar a burguesia em cada local de trabalho, em cada enfrentamento contra o governo e contra o Estado para conseguir materializar este programa e elevar estas reivindicações a suas necessidades históricas, à expropriação da propriedade burguesa, a conquista do poder político e ao fim da opressão e da exploração.

Um programa para as necessidades da população trans:

  • Emprego para toda população trans e ampliação dos serviços sociais e moradia.

Para isso, defendemos a redução da jornada de trabalho para a abertura de mais postos de trabalho, sem redução salarial; pelo contrário, garantir aumento salarial real, que ultrapasse a inflação;

  • Com estas vagas de emprego criadas, estabelecer uma cota de emprego para a população trans em geral, escalonando as cotas para negras e negros;
  • Implantar um amplo plano de obras públicas, gestionado pela própria classe trabalhadora, que amplie os serviços sociais e construa moradias para todos;
  • Expropriação dos prédios existente e ocupação deles pela classe trabalhadora sem teto;
  • Saúde e educação para todos;
  • Construção de conselhos operários e populares nos postos de saúde, nos bairros e nas escolas, que tenham como função uma imensa campanha política de unidade e integração de todos os moradores e trabalhadores, combatendo toda forma de opressão e discriminação, prezando pela unidade integral da classe trabalhadora;
  • Respeito ao nome social em todos os serviços;
  • Atendimento de saúde universal e transversal que pense a totalidade das necessidades das pessoas trans e processos da transição de gênero;
  • Educação sexual nas escolas que preze pelo respeito da diversidade da classe trabalhadora e diversidade humana;
  • Combater toda forma de assédio, calúnia e perseguição que qualquer pessoa negra, negro, LGBTI, indígena, quilombola e mulher sofra;
  • Pelo fim de qualquer patologização que a população trans viva por meios institucionais ou culturais. Estudo da história da transexualidade na humanidade para quebrar com ideia de que pessoas trans são doentes.
  • Fora Bolsonaro, Mourão, Damares e toda a sua corja!
  • Por direitos plenos, liberdade sexual e identidade de gênero! Contra todos os governos, sejam da direita ou ditos progressistas, que mantêm este sistema de opressão e exploração!
  • Basta de transfobia e superexploração! O capitalismo mata as trans da classe trabalhadora! Por uma sociedade socialista, construída pela classe trabalhadora, em toda sua diversidade sexual, de gênero, raça e cultura!