Publicado originalmente no site da LIT-QI
Secretaria Internacional da Mulher (LIT-QI)
Neste dia de luta exigimos o acesso à interrupção da gravidez nos centros médicos, de forma legal, segura e gratuita, a fim de proteger as nossas vidas. Exigimos o fim de todas as leis que prendem e processam mulheres por aborto.
Já faz um ano e meio desde a crise de saúde gerada pela pandemia de Covid-19 e, embora a expressão nas ruas vá ser desigual, a necessidade desse direito não só continua em vigor, mas se tornou mais necessária devido às mudanças drásticas nesta nova situação.
Grandes vitórias impulsionam a luta com mais força
No último ano, o mundo está testemunhando grandes triunfos no direito ao aborto. Depois de grandes dias e grandes mobilizações, a Argentina conseguiu a legalização do aborto em todo o seu território nacional. Da mesma forma, aconteceu no México há algumas semanas, o que faz com que os povos latino-americanos deem um salto neste direito.
Embora essas legislações tenham como limitação a objeção de consciência e sistemas de saúde não adequados em orçamento e formação profissional, são, no entanto, grandes avanços produto da luta e que impulsionam o resto do mundo na luta por esse direito.
Esses avanços foram precedidos por Porto Rico e Colômbia onde é permitido interromper a gravidez não só por motivos físicos, mas também por saúde mental e em face de um estupro ou Costa Rica que conseguiu, em 2019, a Norma Técnica que regulamenta o aborto terapêutico somente quando está em risco a vida da mãe ou por malformações incompatíveis com a vida.
No Chile, depois de muita luta, em 2017 foi possível reverter um pouco a legislação que criminalizava o aborto desde 1990, quando o governo Pinochet estava terminando e no Equador, em 2019, o Parlamento se recusou a ampliar os pressupostos do aborto legal, mas em abril deste ano, uma decisão da Suprema Corte descriminalizou o aborto em todos os casos de estupro.
Em outros países, como Paraguai, Venezuela, Antígua e Barbuda, Guatemala e Dominica, é criminalizado e só é permitido quando há risco de morte para a mulher.
Em seis países da região (El Salvador, Haiti, Honduras, República Dominicana, Suriname e Nicarágua) o aborto não é permitido em nenhuma circunstância.
No Estado espanhol, como em outros países europeus, o aborto é legal dentro de determinados prazos. No entanto, ainda está dentro de uma série de restrições do Código Penal e sem ser garantido no sistema público de saúde.
Defender o que foi conquistado
Os Estados Unidos vêm sofrendo há anos uma cruzada antiaborto, que no governo de Donald Trump aumentou. Mas foi apenas recentemente, no governo Biden, que o direito de interromper a gravidez sofreu um grande revés. No estado do Texas, o maior do país, foi aprovada uma lei que proíbe o aborto a partir da 6ª semana, o que inviabiliza a prática, uma vez que muitas mulheres não têm a informação de estar grávida nesse período. E o estado da Flórida está apresentando uma lei da mesma forma que a do Texas.
O Brasil também entra no grupo de países que devem lutar e resistir às medidas contra a vida das mulheres desde que o governo Bolsonaro sancionou um decreto que endurece as medidas de acesso ao já limitado direito ao aborto.
A Polônia é outro exemplo de ataque aos direitos reprodutivos, desde janeiro de 2021, infelizmente, as mulheres já não têm direito ao aborto legal, nem mesmo em casos graves de malformação do feto ou se houver perigo para a saúde e a vida da mulher. Mas as mulheres polonesas não se resignaram e foram às ruas com grandes mobilizações.
A interferência da religião, em particular das igrejas, na educação sexual, bem como a oposição à administração de anticoncepcionais em mulheres e sua militância antiaborto não podem continuar a ser tolerados. A separação da Igreja do Estado, assim como o laicismo da educação são exigências fundamentais para nós.
Educação sexual laica e anticoncepcionais modernos
O fato de os países onde está penalizado apresentarem taxas de aborto mais elevadas se explica pelo acesso limitado à educação sexual e aos anticoncepcionais modernos. É também um dado que mostra que a proibição do aborto não o impede, mas causa mortes, e que aqueles que se autodenominam “pró-vida” na realidade não estão preocupados com a mesma.
A luta hoje é pelo acesso ao aborto legal, seguro e gratuito; mas, além disso, à educação sexual científica e laica em escolas e centros de saúde, aos anticoncepcionais gratuitos, aos programas de planejamento familiar e outras medidas destinadas a evitar gravidezes indesejadas.
O direito ao aborto em tempos de pandemia
A situação desesperadora da pandemia no mundo e o colapso de todos os sistemas de saúde tornam ainda mais difícil o acesso ao aborto onde ele é legal. Às já anteriores restrições ou subfinanciamento dos governos sobre o tema soma-se agora a impossibilidade de responder à saúde da população mundial.
Em um relatório especial, o Grupo Médico pelo Direito de Decidir da Colômbia estima que os números pioraram nesta pandemia: “Embora seja muito cedo para ter estatísticas oficiais, no contexto desta pandemia, quase cinquenta milhões de mulheres em 114 países de baixa e média renda não terão acesso a anticoncepcionais modernos, resultando em sete milhões de gravidezes indesejadas em todo o mundo como resultado de confinamento prolongado, interrupção ou desmantelamento de serviços, além do aumento de todos os tipos de violência de gênero, incluindo a sexual (25). Por outro lado, um modelo de cálculo para 132 países de baixa e média renda estimou que, se uma em cada dez mulheres se encontrar forçada a interromper a contracepção como consequência das restrições à pandemia, poderia haver um excesso de 15 milhões de gravidezes indesejadas e mais de três milhões de abortos inseguros, que podem causar mil mortes maternas”.
As necessidades de interromper uma gravidez indesejada não pararam com o coronavírus, pelo contrário, estão aumentando. Essa decisão pessoal e íntima que só corresponde à mulher é muitas vezes mediada por condições sociais e econômicas
Porém, os governos mostram sua verdadeira face e nem mesmo garantem os direitos que já foram conquistados. O direito de interromper a gravidez não foi colocado nas práticas de saúde de emergência na pandemia e foi adiado mesmo em países onde é totalmente legal.
O aborto legal é um direito tão necessário para salvar a vida de mulheres, meninas e pessoas grávidas, mesmo em tempos de pandemia esse direito deve ser conquistado. Não há desculpas para continuar nos deixando morrer ou nos prender.
A luta é o único caminho
Na Argentina, as mulheres deram um exemplo de como enfrentar essa luta. No entanto, as organizações feministas que lideraram aquela grande “maré verde” continuam depositando suas esperanças e expectativas no governo de Fernández, que apesar de ter aceitado a legalização e se autodenominado “feminista”, nomeia o governador Manzur como chefe do gabinete, que é abertamente antiaborto e que na sua província impede a aplicação da lei.
No capitalismo é possível conquistar direitos para nós com muita luta e organização, porém, a desigualdade intrínseca da exploração faz com que as trabalhadoras pobres e mais oprimidas (imigrantes, refugiadas, mulheres negras, lgbti, etc.) não tenham possibilidade de aplicá-los na vida real.
Basicamente, este sistema nos impõe quando, onde e como devemos trazer bebês ao mundo, mas depois nos nega os recursos para isso porque não quer arcar com os custos de reprodução da força de trabalho que explora até a morte. .
No capitalismo, não é garantido o direito das mulheres ao exercício de uma maternidade digna, e isso em muitos casos é o que as obriga a recorrer ao aborto, mesmo contra as suas próprias convicções ideológicas e religiosas. Assim como a ilegalidade do aborto impõe maternidade para aquelas mulheres que não desejam ser mães.
Por outro lado, nega-se o direito à educação sexual gratuita e aos anticoncepcionais, além de negar ou restringir a possibilidade de um aborto seguro; quer por penalizações na legislação, quer por obstáculos e cortes nos sistemas de saúde promovidos pelos governos ao serviço da burguesia.
A luta pela descriminalização e legalização do aborto é uma luta de toda a classe trabalhadora, homens e mulheres. Neste 28 de setembro temos que lembrar todas as mulheres que sofreram e morreram por causa do aborto clandestino, mas também organizar a luta para que o direito ao aborto seja garantido por lei.
Para que nenhuma mulher seja perseguida, punida ou arrisque sua vida por fazer um aborto. Lutaremos contra as políticas de setores conservadores que querem se impor aos corpos das mulheres e das grávidas. E contra a hipocrisia do Estado burguês capitalista que nega o direito ao aborto, embora seja incapaz de garantir às trabalhadoras a possibilidade de exercer a maternidade de forma digna.
Continuaremos nas ruas, sem confiar nos parlamentos, nos governos ou nos tribunais de justiça burgueses; porque só com a nossa mobilização e luta vamos arrancaremos esse direito.
Neste 28 de setembro, vamos lutar ao redor do mundo ao grito de: Educação sexual para decidir, anticoncepcionais para evitar o aborto e aborto legal, seguro e gratuito para não morrer!