Pedro Henrique Ferreira, da Secretaria LGBT do PSTU (RJ)
Pedro Ferreira, da Secretaria LGBTI do PSTU-Rio e do Rebeldia RJ

Há 31 anos, no dia 17 de maio de 1990, a Organização Mundial da Saúde retirava a homossexualidade da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, o que na prática representava deixar de reconhecer a homossexualidade como doença.

Esta medida adotada pela OMS foi resultado de um longo período de luta dos movimentos LGBTI ao redor do mundo, representando uma vitória, ainda que limitada, contra a patologização e a opressão a que lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e intersexuais estão submetidas na sociedade capitalista.

A partir de 2004 o dia 17 de maio passa a ser incorporado nos calendários de luta dos movimentos LGBTI como Dia Internacional de Combate a Homofobia sendo um dia de denúncia à violência e opressão LGBTIfóbica e, principalmente, às práticas médicas charlatãs que buscam “curar” as LGBTIs e que, infelizmente, seguem existindo.

Neste sentido é fundamental que o Dia Internacional de Combate a Homofobia seja uma data de luta contra a LGBTIfobia, pela garantia de não sermos reconhecidos como doentes ou aberrações e para denunciar a limitação das medidas democráticas contra a LGBTIfobia adotadas dentro do capitalismo.

O discurso médico e a patologização das LGBTIs

A partir do século XX ocorre um grande desenvolvimento tecnológico e científico no campo das ciências médicas e de saúde em geral. Esse desenvolvimento ocorre como parte das modificações sociais e econômicas pela qual passava a sociedade capitalista neste período e, como é de se esperar, passa a se confrontar com diversas compreensões religiosas e jurídicas que eram dominantes até então.

Entre os campos de discussão que passam a ser incorporados nas ciências médicas estão a sexualidade humana em geral e, minoritariamente, passam também a abordar a homossexualidade. Pouco a pouco a compreensão religiosa de que qualquer comportamento que não se restringisse ao padrão cis-heterossexual era pecado digno de castigo eterno e um crime que deveria ser punido passou a coexistir com a compreensão médica de que a homossexualidade, bissexualidade e transexualidade eram desvios biológicos ou doenças.

Na prática essa nova compreensão que surge no século XX abre espaço para um conjunto de práticas que buscavam a conversão da homossexualidade, a famosa e já antiga “cura gay”. Essas práticas baseiam-se muitas vezes em internações manicomiais prolongadas, castigo físico, tortura, humilhações e violência psicológica.

Em uma compreensão mais ampla é possível dizer que os discursos médicos, legais e religiosos não se aniquilaram mutuamente como muitas vezes é defendido. Pelo contrário, hoje em dia se combinam e são parte das bases ideológicas que influenciam toda violência, opressão e perseguição às LGBTIs trabalhadoras.

Embora desde 1990 a homossexualidade não seja mais reconhecida como doença diversos países ainda autorizam que as práticas discriminatórias e criminosas de “cura gay” sigam existindo. Não raramente as práticas pseudocientíficas se combinam com práticas religiosas, como ocorre no Brasil onde todo um setor que se autointitula psicologia cristã e é fortemente vinculada às igrejas evangélicas defendem há anos a incorporação das práticas de “conversão da homossexualidade” no exercício profissional dos psicólogos clínicos.

A Patologização das identidades Trans e da Intersexualidade

Apesar de gays e lésbicas deixarem de ser reconhecidos como doentes mentais em 1990, as pessoas trans não foram contempladas por esse direito mínimo. Mesmo com todas as lutas ainda hoje encampadas contra a patologização das pessoas trans, seguem existindo seis classificações do Código Internacional de Doenças às quais transgêneros podem ser enquadradas: CID 10 – F64 / Transtornos da identidade sexual (Transexualismo, Travestismo bivalente, Transtorno de identidade sexual na infância, Outros transtornos da identidade sexual e Transtorno não especificado da identidade sexual).

Esses diagnósticos baseiam-se em toda uma compreensão estereotipada das identidades de pessoas transexuais e travestis, e se por um lado são um instrumento que serve como aprofundamento da opressão, por outro são limitadores do acesso a serviços específicos de saúde voltados para a população trans. No Brasil e em outros países só podem ter acesso a terapia hormonal e procedimentos cirúrgicos e estéticos as pessoas trans que atendam a uma lista restrita de sinais e sintomas puramente baseado nesses diagnósticos pseudocientíficos, o que muitas vezes não contempla às necessidades desse setor.

Em relação a intersexualidade (ou seja, indivíduos que nascem ou desenvolvem características anatômicas, genéticas ou fisiológicas que não correspondam às definições típicas de homem e mulher), as práticas clínicas e médicas são ainda mais limitadas e sem base sólida. Frequentemente as pessoas intersexuais são submetidas a procedimentos cirúrgicos próximos ao nascimento, representando na prática uma mutilação sem que o indivíduo tenha manifestado sua identidade de gênero.

Lutar contra a patologização que persiste!

Embora a medida adotada pela OMS há mais de 30 anos tenha representado uma vitória pontual para as LGBTIs trabalhadoras, ela não extinguiu todo um conjunto de práticas e ideologias homofóbicas na medicina, na psicologia e no direito; ela tampouco se propôs a abandonar a compreensão de que a transexualidade é um transtorno mental. A LGBTIfobia que se manifesta em outros cenários continua: a violência, o desemprego, a prostituição compulsória e a falta de escolaridade, por exemplo.

A despatologização da homossexualidade, tal como todas as medidas adotadas dentro do capitalismo, é absurdamente limitada pelo próprio papel que a opressão cumpre para a exploração geral dos trabalhadores. A divisão que a opressão gera entre os trabalhadores, o rebaixamento geral das condições de vida e salário, bem como a formação de uma grande massa de trabalhadores LGBTIs que vive na miséria e no desemprego são parte integrante da sociedade capitalista.

Neste sentido existe uma diferenciação clara entre as LGBTs trabalhadoras e as LGBTs burguesas. As LGBTs que pertencem à burguesia, com o conjunto dos burgueses não LGBTIs, se favorecem da sociedade capitalista, das divisões da classe trabalhadora e da própria LGBTIfobia. Por isso que os interesses entre as LGBTIs trabalhadoras e as LGBTIs burguesas são antagônicos.

Para acabar de vez com a patologização das LGBTIs, é fundamental acabar com as bases econômicas e sociais que o capitalismo desenvolveu. Somente com a distribuição igualitária das riquezas, pleno emprego e fim da produção alienada, sem a necessidade das opressões do “homem” sobre o “homem”, a nossa humanidade será restituída.

Em outras palavras, para que a homossexualidade, transexualidade, bissexualidade e intersexualidade deixem de ser reconhecidas como doença ou manifestação de um transtorno de maneira completa, e que se reflita no cotidiano das nossas vidas: é imprescindível acabar com o capitalismo! A partir dos escombros da sociedade capitalista é fundamental construir uma sociedade socialista onde a base material da LGBTIfobia não exista, onde tenhamos a liberdade de sermos quem somos!