Cláudio Donizete, do ABC Paulista

Cláudio Donizete, da Secretaria Nacional de Negras e Negros do PSTU

No dia 13 de maio completam-se 135 anos da abolição da escravidão. Mas infelizmente não há nada a se comemorar.

Em primeiro lugar porque, desde o início, essa data é envolta numa fábula que atribui o fim da escravidão a um ato benevolente da princesa Isabel, uma monarca branca que passou a ser retratada como uma espécie de santa redentora. Em segundo lugar, porque a abolição não foi acompanhada por nenhuma política de reparações aos negros e negras por séculos de escravidão no Brasil.

Tratados como coisas, gerações de negros e negras sofreram todo tipo de violência, trabalhando de sol a sol como propriedades de senhores brancos, sem direito à liberdade, sem direito ao fruto de seu trabalho e sem direito a criar seus próprios filhos, já que a escravidão também se estendia a eles.

Apesar de tudo isso, a Lei Áurea assinada pela princesa Isabel não estabelecia nenhuma medida para garantir condições dignas de existência para os negros e negras e seus descendentes. Possuindo apenas dois artigos, a lei não estabelecia nenhuma medida reparatória e indenizatória aos negros: “Art. 1º É declarada extincta, desde a data desta Lei, a escravidão no Brazil; Art. 2º Revogam-se as disposições em contrario.”

E como parte do desejo do governo,  agora republicano, de negar políticas de reparações pela escravidão, Rui Barbosa mandou queimar toda a documentação de compra e venda de escravizados.

Sem acesso a terra, moradia e emprego

Como se não bastasse uma abolição sem reparações, o governo e a classe dominante criaram uma série de medidas que dificultavam e, até mesmo, impediam o acesso de negros e negras à terra, seja para plantar, seja apenas para morar.

E se valendo dos discursos racistas de que a população brasileira deveria se embranquecer para “progredir”, a classe dominante fortaleceu a entrada de imigrantes europeus para substituir os negros e negras no mercado de trabalho assalariado no país. O racismo caía como uma luva para a lucrativa rede de negócios de imigração de trabalhadores europeus, que envolvia navios, hospedagens, agências, bancos etc., criada pela classe dominante brasileira e europeia.

Sem acesso à terra, preteridos em relação ao trabalhador europeu e estigmatizados pelo racismo, os negros e negras ocuparam as margens do nascente mercado de trabalho brasileiro, morando, também, nas margens das cidades. Os efeitos de quatro séculos de escravidão e de uma abolição sem reparações são sentidos ainda hoje.

Governo Lula

Vantagens aos capitalistas e quase nada à luta contra o racismo

Após 135, avançam o racismo e o genocídio de negros e negras nas periferias, tanto pela política genocida da extrema direita do governo Bolsonaro quanto agora com o governo Lula, que anuncia mudanças estruturais em órgãos de Estado, mas não enfrenta o grande capital e toda forma de exclusão social e precarização da vida da maioria da população, negra e feminina.

Um dado central, e que se tenta esconder com a maior presença de negros e negras no governo e órgãos do Estado, é a falta de orçamento mínimo para implementar até mesmo as poucas políticas públicas anunciadas pelo próprio governo.

O Ministério da Igualdade Racial (MIR) tem orçamento de R$ 91 milhões para 2023, o menor entre as pastas do governo federal.

Para se ideia da disparidade do orçamento, segundo o Orçamento Geral da União, a desoneração da folha de pagamento de vários setores econômicos privados, tiveram isenções ou incentivos fiscais na ordem total de R$19,4 bilhões (4,3% do PIB), ou seja, 213 vezes mais recursos que o Ministério da Igualdade Racial. Essa disparidade diz muito sobre as prioridades e o distanciamento do efetivo combate ao racismo no Brasil, como política do Estado e governos de plantão.

Basta de racismo e capitalismo!

A luta é de raça e classe contra o sistema, os patrões e os governos

É imprescindível retomar os debates e resoluções de problemas que dizem respeito à estrutura capitalista do Estado, através da ação ativa e independente do movimento, organizações de classe e políticas. Somente assim será possível enfrentar de maneira séria e efetiva o aumento da violência racial, como a enxurrada de denúncias de trabalho análogo à escravidão, violação dos direitos humanos e a criminalização de negros e negras nos grandes grupos varejistas, como Carrefour, Assai, Mateus e outros que são denunciados diariamente.

O capitalismo se enriqueceu às custas da escravidão negra e, para justificá-la, criou o racismo nas suas mais variadas formas. A escravidão negra foi abolida, mas o racismo segue a todo vapor. Através dele, a burguesia consegue pagar menores salários para negros em virtude da nossa cor e da nossa raça; e destilando o racismo dentro da classe trabalhadora e do povo pobre, ela nos divide em campos hostis, impedindo-nos de lutar de forma unificada contra ela.

Organizar os negros e pobres da classe trabalhadora para tirar Bolsonaro do poder foi uma tarefa muito importante, mas não podemos parar e ter ilusões no governo Lula, que secundariza sua política social e racial, para garantir as prioridades dos grupos econômicos que o apoiam. E para “cortar o mal pela raiz” é preciso construir uma alternativa socialista que conduza os negros da nossa classe e os pobres à tomada do poder e à construção de uma sociedade socialista, único caminho para abolir o racismo e toda forma de opressão.