Em entrevista ao Site do PSTU, Cacau Pereira, da Coordenação Nacional da CSP-Conlutas, fala sobre a necessidade de unir as lutas em 2015, e porque considera que a campanha de reforma política defendida por várias entidades não cumpre hoje um papel progressivo

Site do PSTU: A CSP-Conlutas realizou uma coordenação nacional logo depois das eleições, como vocês avaliam o novo governo e quais devem ser as tarefas centrais dos trabalhadores e movimentos sociais no próximo período?
Cacau: As eleições expressaram, ainda que de maneira bastante distorcida, o desejo de mudança da maioria da população. Num primeiro momento, isso se deu com a candidatura da Marina, o que obrigou Dilma a fazer um discurso à esquerda, incorporando o tema da mudança. E também ocorreu no segundo turno. Aécio teve o voto de oposição mais conservador, mas acabou obtendo uma votação expressiva em setores populares, entre os trabalhadores, inclusive no setor operário.

O fato mais relevante é que uma parte significativa dos trabalhadores deixou de votar no PT, pela primeira vez, desde 1989. Isso ocorreu em muitos centros operários, nas grandes cidades e periferias, marcando o início de uma ruptura, ou expressando essa ruptura no terreno eleitoral, de parte da classe trabalhadora brasileira, desiludida com os governos petistas.

O anúncio da composição do novo ministério, com pesos pesados do empresariado, do capital financeiro, do agronegócio, expressa, mais uma vez, a opção de classe do governo Dilma. O discurso da campanha já ficou para trás e agora que é hora de governar de verdade virão as medidas amargas: cortes no orçamento, aumento dos juros, reajuste das tarifas públicas, elevação do Superávit Primário etc.

A principal tarefa da CSP-Conlutas é se colocar à frente das lutas que estão ocorrendo e que devem se acirrar, dada a situação econômica do país. E não só as lutas econômicas, salariais, mas todas as mobilizações que vierem a ocorrer. Veja, por exemplo, o tema das mobilizações nas periferias pela falta de água ou por causa do transporte deficiente.

A central está fazendo um chamado à unidade de ação, com disposição de construir acordos com todos os setores que estiverem dispostos a lutar contra as investidas patronais e dos governos, sejam do PT e aliados ou oposição de direita

Várias entidades e movimentos que apoiam o governo como a CUT, UNE, e também setores aparentemente mais críticos, como o MTST, estão defendendo que os trabalhadores se mobilizem por uma Reforma Política. O que a CSP-Conlutas defende e como vê esta questão?
Essas propostas de constituinte exclusiva, plebiscito ou referendo em torno da reforma política surgiram pela boca da presidente Dilma, durante as manifestações de junho de 2013, como resposta à insatisfação popular, tentando jogar o desgaste da crise para o Congresso e blindar o Governo Federal. Depois, teve um plebiscito organizado pela CUT, MST, UNE e CTB, bastante esvaziado de conteúdo, e agora as direções desses movimentos estão realizando uma campanha com o mesmo foco: tirar a atenção das reais medidas que o governo vem tomando, de duros ataques aos trabalhadores e desviá-la para dentro do parlamento. É lógico que essa iniciativa se apóia no sentimento de repúdio da população à corrupção generalizada. O Brasil tem um sistema eleitoral antidemocrático e dos mais corrompidos do mundo. Veja aí que agora o Maluf se safou da “ficha limpa” e vai assumir um novo mandato de deputado federal. A maioria dos partidos é financiada pelas grandes empresas, legalmente ou por fora, com dinheiro da corrupção.

Partidos como o PT e o PCdoB sofrem das mesmas pressões e fazem qualquer coisa para eleger um deputado. Essa pressão afeta inclusive partidos da esquerda socialista.

Essa campanha é uma cortina de fumaça, essa articulação política está absolutamente combinada com o governo, mas há setores honestos da esquerda embarcando nessa onda.

A composição atual do Congresso não permite, em nenhuma hipótese, a realização de uma reforma que seja progressiva e que amplie as liberdades de expressão do nosso povo, seja esse congresso assumindo o papel constituinte ou destacando um grupo de cem parlamentares para fazer a reforma, como defende a CUT.

Nós, da CSP Conlutas, consideramos importante promover mudanças no sistema político. Aprovamos uma resolução que defende, dentre outras medidas, a redução dos salários dos políticos, que acabaram de subir para mais de R$ 33 mil, a prisão e o confisco dos bens dos corruptos e corruptores; a proibição de financiamento das campanhas por empresas; a revogabilidade dos mandatos; o fim do Senado; o estabelecimento de uma verdadeira proporcionalidade nos votos dos eleitores; a igualdade no acesso à televisão e aos recursos públicos para divulgação dos programas dos partidos etc.

Mas a pergunta que se impõe é: qual dessas medidas estará colocada para debate com esse Congresso? Nossa avaliação é que a campanha em curso pelos setores governistas não cumpre um papel progressivo e mais confunde do que esclarece. A mesma CUT que faz campanha pela reforma política propõe ao governo adotar medidas de redução salarial para preservar os lucros das empresas durante a crise.

Essa é a essência da política dos setores governistas e é a isso que os setores de esquerda precisam estar atentos, para não virar massa de manobra desses setores. 

A CSP-Conlutas e outras entidades estão convocando uma reunião do “Espaço Unidade de Ação” para o dia 30 de janeiro, em Brasília. O que vai discutir, sobre o que vai decidir e quem deverá participar desse espaço?
Sobre esta iniciativa estamos acertando os últimos detalhes, mas vamos realizar a reunião no dia 30 de janeiro, véspera da plenária nacional dos servidores públicos federais, em Brasília.

As entidades do “Espaço” cumpriram um papel importante em 2014, com a realização do Encontro “Na Copa vai ter luta” em março e as mobilizações que seguiram, antes, durante e depois da Copa.


Encontro “Na Copa vai ter Luta” realizado em março de 2014

O objetivo da reunião é preparar as ações de resistência da nossa classe para 2015, debater o cenário político e econômico, avançar em políticas concretas de organização e mobilização dos trabalhadores e setores aliados, organizando um campo de luta, de enfrentamento às políticas patronais e governamentais que nos ameaçam.

A reunião deve contar com a participação de representantes da CSP-Conlutas, do MLS – Movimento de Luta Socialista, da Condsef, Feraesp, Conafer, da COBAP, ANEL e do Jubileu Sul. Nós estamos também em contato com os companheiros dos vários setores da Intersindical, do MTST e outros agrupamentos para que também participem.

O MTST, o MST, o Juntos, a CSP-Conlutas, a ANEL e inúmeras outras entidades realizaram uma reunião no último dia 16 e estão chamando nova reunião para o dia 19 de janeiro, da qual vocês também vão participar. Que propostas vocês levarão a esta reunião?
Nós estivemos nessa primeira reunião, que teve no MTST o principal articulador. O leque de entidades presente era bem diversificado, o que não permitiu avançar muito em propostas concretas nesse momento. Foi marcada uma plenária, segundo os organizadores, de caráter nacional, para janeiro, da qual vamos participar.

Nós estamos a favor e lutando muito para ampliar um campo de luta, contra as medidas e reformas anti-trabalhador que estão sendo gestadas ou já estão em curso, tanto pelo Governo Federal como pelos governos tucanos. E vamos nos esforçar muito pela construção da unidade.

A reunião, no entanto, explicitou visões diferentes, que levam a propostas de mobilização e táticas frente ao governo também distintas.

A maior parte dos setores políticos e entidades presentes à reunião parte de uma avaliação, na minha opinião, unilateral e, portanto, equivocada da realidade. Tanto as entidades mais alinhadas ao governo (como a CUT, UNE, CMP e o MST) assim como o MTST, entendem que há uma ofensiva da direita, que exige um bloco unitário contra a direita conservadora.

Essa visão da realidade e essa tática defensiva leva a construir um campo em defesa de “reformas populares”, na visão dos companheiros do MTST, que seria em tese independente do Governo Federal. Dentre as reformas, entra principalmente a reforma política, que é o grande mote dos governistas para blindar o governo. Com este mote, o MTST promoveu recentemente um ato de inauguração de casas populares junto com Lula.

Já os setores abertamente governistas defendem a mesma política, alegando que é necessário disputar o governo e suas ações, empurrar o governo Dilma à esquerda, como se isso estivesse em questão.

O único jeito dessa unidade dar certo é se o Governo Federal e suas políticas desaparecerem do debate, pois do contrário, as ações dos movimentos sindicais e populares vão se enfrentar, objetivamente, com as medidas do governo.   

O outro problema é qual a plataforma de reivindicações que vamos levantar. Está correto falar em “nenhum direito a menos” como dizem os companheiros do MTST e de uma Intersindical, presente, à reunião. Só que quem saiu à frente na proposta de retirada de direitos dos trabalhadores para enfrentar a crise, por incrível que pareça, foi a CUT, com a proposta do Plano de Proteção ao Emprego.

A reunião evitou confrontar esse tema, com os representantes da CUT presentes dizendo que tudo era “armação da imprensa”, o que é algo pouco sério, pois a reunião da CUT e das demais centrais com o governo foi amplamente noticiada na própria página da CUT na Internet. Não tem como falar em “nenhum direito a menos” e não repudiar a proposta do PPE da direção da CUT.

Da mesma forma, será necessário responder a temas como o escândalo da Petrobras, com absoluta independência frente à atual direção da empresa e as anteriores.

Encarar a crise da Petrobras como uma armação da direita para avançar na privatização da empresa é fechar os olhos a uma realidade brutal, em que a corrupção avança no mesmo passo que a privatização da companhia, sob as bênçãos do atual governo e da atual administração, ligadas ao PT e PMDB.

Sobre a questão da Petrobras, o que vocês defendem em relação ao controle da empresa, em relação ao país e também em relação aos trabalhadores terceirizados das inúmeras obras, hoje ameaçados de demissão, muitos com salários atrasados e sem receber direitos?
A Petrobras precisa voltar a ser de fato estatal. A empresa vem sendo pilhada pela ação de empresas e diretores, num forte esquema de corrupção, que, ao que tudo indica, vem pelo menos desde a quebra do monopólio estatal, durante o governo FHC, do PSDB.

Nós defendemos a realização de uma Conferência Nacional pela Reestatização da Petrobras, como foi proposto inicialmente por dirigentes do Sindipetro do Rio Grande do Norte.

Os trabalhadores não são os responsáveis pela crise e não podem pagar por ela. A situação impõe a necessidade também de estatização de todas as empreiteiras e prestadoras de serviços, sem indenização aos proprietários e com garantia de emprego dos trabalhadores. É o mínimo diante de empresas que desviaram tanto dinheiro público.

Nós assumimos as bandeiras definidas unitariamente na plenária do Comitê “O petróleo tem que ser nosso”, do Rio de Janeiro e estamos fazendo uma campanha em defesa da Petrobrás 100% estatal e pela volta do monopólio.

Como unir as lutas dos trabalhadores, dos setores populares e da juventude em 2015?
O cenário econômico tende a empurrar setores da classe trabalhadora e os movimentos populares à luta. Há uma desaceleração geral da economia, pressões inflacionárias, começaram a subir os índices de desemprego, há um grande endividamento das famílias e uma crise energética, com falta de água e racionamento em muitos locais. A irresponsabilidade do governo Alckmin, do PSDB de São Paulo é algo assombroso, ao deixar a população diante de um risco de caos.

No terreno da política, o escândalo da Petrobras está produzindo estragos. Mas os maiores estragos até agora não são para os corruptos e corruptores envolvidos no esquema, mas para os trabalhadores que estão sendo demitidos e ficando sem receber suas verbas em obras da Petrobras, como ocorreu com os trabalhadores de Charqueadas no Rio Grande do Sul. Macaé, no Rio de Janeiro, também já está sendo afetada.

A possibilidade que se desenha é de que, com o agravamento da crise econômica e da instabilidade, a vida da população comece a ser afetada qualitativamente.

Há uma polarização social em nosso país. A resposta patronal, dos governos, da polícia e da Justiça tem sido muito dura. Veja o caso dos metroviários de São Paulo, que tiveram 43 demitidos na greve. Posteriormente, conseguiram reintegrar parte desses companheiros e companheiras e agora a Justiça está revertendo novamente as decisões e validando as demissões.

É sobre esse cenário que vamos atuar, buscando unificar essas mobilizações e dar a elas um sentido comum, de luta de toda a classe trabalhadora, seja pelo salário, pelo emprego, pela moradia, pela água, pelo direito ao serviço público de qualidade etc.

Os servidores públicos federais já tem uma agenda de mobilização logo no início do ano. Vamos buscar juntar todos os demais setores num plano de ação unificado e para isso temos esta reunião ainda em janeiro.

Em 2015 haverá também o Congresso da CSP-Conlutas, como você vê o papel que ele deve desempenhar na luta pela reorganização do movimento?
A CSP-Conlutas está chamada a ter um papel destacado no terreno da organização sindical e popular de nossa classe. A CUT e o PT não são mais as referências imediatas de grande parte dos novos setores de trabalhadores e da juventude que entram em luta.

Temos tido avanços na organização da Central, como a ampliação do trabalho no campo, a organização de dezenas de novos sindicatos e a decisão da Feraesp (Federação dos Trabalhadores Assalariados Rurais de São Paulo) de se filiar à central. Também tivemos a organização de novos movimentos populares e movimentos de luta contra a opressão que se filiaram à CSP-Conlutas.

Vamos trabalhar o congresso como o ponto de referência dos lutadores e expressão da ampliação da unidade. A decisão de vários setores do PSOL e independentes de se incorporar à central, como o MES, APS e Alicerce foi, nesse sentido, muito importante.

Estamos fazendo um chamado a que venham ao nosso Congresso os representantes das categorias de trabalhadores que protagonizaram as lutas e as rebeliões de base do último período, em especial os setores operários, dos transportes, da limpeza urbana e os movimentos populares da cidade e do campo.

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