Nos últimos dias surgiu uma intensa discussão no Facebook sobre o tema do combate às opressões e a relação que esse debate guarda com a discussão do classismo ou da combinação do combate contra a opressão com a luta contra exploração para superação de toda forma de opressão. Achamos necessário nos retratar sobre declarações que foram dadas por uma militante de nossa organização que abrem margens para interpretações distintas do programa que defendemos e reproduzimos abaixo a auto-crítica pessoal de nossa companheira pela declaração.
“Lamento por ter colocado minha posição política de forma tão insensível, assertiva e equivocada por abrir margem para uma interpretação de que estaríamos a favor de lançar mão de racismo na luta contra a exploração. Além disso, tive pouco reflexo de minha condição de privilegiada na sociedade e do impacto que minhas palavras teriam para tantas mulheres negras, que, na realidade, são majoritariamente Cláudias, e não Marinas ou Condolezzas. Debates como esse, que não são de hoje e são muito polêmicos, exigem cuidado e reflexo, e me retrato aqui publicamente por ter causado esse mal-estar entre os que o acompanharam, especialmente as mulheres negras.
Espero que tudo isso sirva para que todos nós, que, cansados de uma sociedade como essa, queremos transformá-la, tenhamos cada vez mais consciência sobre a questão racial, ainda mais num país como o Brasil, erguido com o sangue e suor dos negros e negras escravizados, e sustentado por um proletariado majoritariamente negro e duramente explorado e oprimido. Um país que cultiva o mito da democracia racial, enquanto discrimina a maioria de sua população. E também que aprofundemos as discussões sobre como superar tanta opressão reafirmando uma estratégia revolucionária e socialista como única forma de libertar a humanidade de toda forma de opressão e exploração”.
O debate sobre a necessidade do classismo ou da combinação e vinculação da luta contra a opressão à luta contra a exploração não é novo, mas vêm gerando intensos debates no seio do movimento negro, feminista e LGBT e que se intensificaram em um período que tomamos as ruas. Viemos de um ano de mobilizações intensas dos setores oprimidos em defesa de seus direitos e contra os desmandos dos governos, seja pelo direito à sobrevivência na luta contra o genocídio do povo pobre e negro relembrando os massacres a Cláudia, Amarildo, DG, recentemente os casos de Mike e Eric nos EUA, e tantos outros negros da periferia em todo o mundo, que estão sob o julgo de um verdadeiro genocídio; ou a luta contra o feminicídio que atinge por meio da violência machista e doméstica milhares de mulheres, e prioritariamente mulheres negras, cerca de 60% de todas as vítimas de violência domésticas; além da luta contra Feliciano e pela criminalização da homofobia e toda forma de LGBTfobia.
Na polêmica em questão, uma companheira utilizou-se de formas equivocadas para sustentar uma concepção classista de luta contra opressão, que acreditamos ser a melhor estratégia no combate às opressões e a exploração. A companheira cometeu o erro de utilizar-se de um exagero polêmico sem levar em consideração a agressividade que a imagem representaria para as (os) negras e negros que leram seu post e de uma imagem histórica hipotética pouco provável que não contribui para o debate nesse momento. Por isso, ainda que tenha tido valor simbólico, a imagem utilizada, refletiu insensibilidade e superficialidade com os abusos cotidianos e históricos sofridos por nós, negras (os) e trans* em nosso país e no mundo e não deveria ter sido colocada. Queremos nos retratar com todos que se sentiram ofendidos com essa declaração, em especial com as negras, negros e trans*.
A expressão colocada também abre margem para uma leitura formal da relação de classe frente à discussão da opressão, uma vez que desconsidera, na sua argumentação, que tanto na classe trabalhadora como na burguesia as opressões se fazem presentes, ainda que sentidas de formas distintas pelos diferentes vieses de classe que as acompanham, elas seguem existindo.
Nós não defendemos de maneira nenhuma o uso da opressão e do racismo para “fins revolucionários” ou para combater a exploração, porque não há nada de revolucionário nisso, porque não é revolucionário “socialismo com opressão”. A opressão serve exatamente para dividir a classe trabalhadora e fortalecer um sistema político desigual e injusto, governado pela burguesia, que é majoritariamente branca, heterossexual e masculina, que se apropria das diferenças, transforma-as em desigualdades para melhor seguir oprimindo e explorando a classe trabalhadora e a juventude. Não é possível uma sociedade livre se utilizamos desses meios.
Somos oposição ao governo Dilma, não por ser uma mulher, mas por governar, em nossa opinião, contra as mulheres e os homens trabalhadores. Nós somos oposicão ao governo de Obama, não por ele ser negro, mas por toda a sua política imperialista, que condena centenas de milhares de negros (as) e também brancos da classe trabalhadora a miséria em todo mundo e se cala frente ao evidente racismo policial no EUA.
A política estalinista durante muitos anos sustentou que o combate às opressões dividia a classe trabalhadora e pregou então que apenas depois que os trabalhadores estivessem no poder tal questão se colocaria e, mais, automaticamente se resolveria. O PSTU discorda dessa posição porque a luta contra a exploração deve se combinar e ser indissociável da luta contra as opressões, inclusive para atingir o objetivo de unir a classe trabalhadora é preciso combater as opressões e preconceitos que a dividem. De maneira que tal luta se dará antes, durante e depois da revolução socialista. Porque esta luta é fundamental para que os oprimidos possam lutar ao lado dos explorados por uma sociedade sem opressão e sem exploração. Mas afirmamos também com todas as letras que, se não está a priori garantido que basta o proletariado tomar o poder para que as opressões terminem, mais verdade ainda é que só é possível o fim de todo o racismo sob o socialismo, ou seja, sob esse sistema capitalista não é possível terminar com o racismo, o machismo e a homofobia. Ambas lutas são partes indissociáveis de um mesmo dilema estratégico para vitória da revolução de todos os oprimidos e explorados no mundo e pelo triunfo do socialismo. Por isso o combate ao racismo é uma questão de raça e classe.
Nós defendemos com Malcolm-X que não há capitalismo sem racismo, da mesma maneira que afirmamos que o socialismo não poderá ter racismo, machismo ou qualquer outra opressão, ou não será socialismo, será stalinismo.
A intervenção equivocada de nossa companheira, por abstrata e confusa, abriu margem para uma interpretação a cerca de uma possível tática racista de luta contra opressão e a exploração. Queremos explicitar que não compactuamos com essa compreensão/estratégia ou qualquer outra que utilize machismo, LGBTfobia, ou qualquer opressão. Nossa concepção de combate às opressões e de socialismo rejeitam “táticas racistas” no combate à opressão e à exploração. Não combateremos um burguês negro por ser negro, mas por ser burguês e enquanto burguês, ao mesmo tempo que estaremos contra qualquer opressão racista mesmo ao negro burguês. Isso vale para todos os demais setores oprimidos.
Queremos dizer que o reconhecimento dos erros é parte da nossa tradição, não somos os donos da verdade. Nossa organização é parte do mundo em que vivemos e não somos 100% imunes ao meio em que vivemos, podemos, portanto, muitas vezes expressar seus problemas, contudo não julgamos uma organização pelos problemas que apresenta, mas pelo seu modo de corrigi-los. E, portanto, viemos por meio dessa nota assumir nossos erros e reafirmar a discussão política e programática, na qual acreditamos, sobre as melhores estratégias na luta contra toda forma de opressão.
Reconhecemos publicamente os erros e imprecisões da companheira, porque achamos que só é possível avançar no debate e nas polêmicas utilizando métodos respeitosos, fraternos, e educativos ao conjunto dos lutadores e que isso também é parte da sua educação como militante revolucionária que é para avançar cada vez mais no caminho da luta social que dedica integralmente sua vida. No entanto, reconhecendo isso não recuamos em nossa concepção classista de emancipação do conjunto da humanidade.
Nesse sentido, reafirmamos nossa concepção de que as opressões são falsas ideologias que beneficiam o sistema capitalista e que determinam inúmeras diferenças sociais e de classe, para que a burguesia siga avançando em seu projeto de dominação econômica, mas também política da classe trabalhadora. Para extingui-las é preciso medidas que assegurem a auto-organização, o programa e as pautas dos oprimidos em cada dimensão da luta geral da classe trabalhadora e da juventude periférica, que é bombardeada pela mídia para perder sua identidade racial e de classe, de gênero e muitas vezes relegada a exclusão impostos pela sociedade capitalista.
Nessa luta achamos imprescindível a unidade de todos os lutadores e oprimidos e reafirmamos a posição em não termos dúvidas que para avançar nesses passos a independência política, econômica, ideológica e organizativa da burguesia é uma condição indispensável para a luta contra às opressões. Ainda que sofram opressão, Obama, Cristina, Condolezza, Dilma, Zuma, governam contra a classe trabalhadora, para elite branca, hetero, masculina e burguesa de seus países e no mundo. Não são nossos irmãos.
Nossos interesses são distintos e irreconciliáveis, inclusive em termos das necessidades e tarefas para superação da opressão. Certamente, as tarefas de Cláudia, Amarildos, Erics, Mikes para superar sua opressão e exploração é radicalmente oposta pelo vértice desses senhores e senhoras que podem comprar seus direitos e ainda usufruir explorando seus irmãos. O classismo e o internacionalismo são princípios, assim como o da luta contra as opressões do qual não abrimos mão, exatamente porque permitem localizarmos no plano estratégico da destruição da sociedade de classes e da opressão os interesses, o programa e a pauta/viés legítimos para o fim da opressão e exploração. Por isso, também acreditamos que esse debate não se encerra aqui e que seguimos essas discussões.