Dr. Ary Blinder, médico do SUS em São Paulo (SP)

Mais um desafio de saúde pública se coloca no mundo. Ainda sem a previsão do término da pandemia de Covid, a OMS acaba de declarar a varíola dos macacos (monkeypox) como emergência internacional de saúde, em aviso emitido em 23/7/22.

Antes de avançar nas reflexões sobre esta doença, é fundamental salientar algumas informações, a começar pela questão do nome. Assim como a gripe espanhola não se iniciou na Espanha ou a Covid não foi culpa da China apesar de ter sido detectada primeiro em Wuhan, a varíola dos macacos não é transmitida especialmente por estes primatas. Na África, onde a transmissão é zoonótica (de animais para humanos), seu reservatório natural são os pequenos roedores. Há uma grande preocupação em relação a trocar o nome da doença, pois já houve casos como na febre amarela onde foram cruelmente mortos vários macacos, na crença errônea de que eles eram os responsáveis pela transmissão, sendo que na realidade eles eram sinalizadores de locais aonde a febre amarela estava se espalhando mais. Enquanto não é trocado o nome da doença, os especialistas preferem usar o termo em inglês Monkeypox. Então, neste texto, será usada esta denominação.

A Monkeypox é causada por um vírus com características diferentes do coronavírus. Por exemplo, tem um tamanho bem maior. É um DNA vírus, menos sujeito a mutações do que o coronavírus que é de RNA. Na África há duas variantes, uma na bacia do Congo (mais mortal) e a outra na África ocidental. O período de incubação é de 5 a 21 dias e as lesões de pele podem ficar de duas a quatro semanas. Outros sintomas importantes são febre, crescimento de gânglios e fraqueza. De poucos meses para cá começou a surgir em vários países fora da África e a forma de contágio passou de zoonótica para interpessoal. Pode ser transmitida pelo contato da lesão de pele com a pele de outra pessoa, gotículas no ar ou por contato com objetos de pessoa infectada (principalmente tecidos).

Nos países aonde o contágio interpessoal é o predominante, até agora a maioria dos casos se deu entre homens que fazem sexo com homens. A mortalidade tem sido relativamente baixa, 9 óbitos até o dia 1 de agosto, sendo 4 fora da África (dois óbitos na Espanha, 1 no Brasil e 1 na Índia). Foram notificados 24679 casos no mundo em 79 países. Há algumas preocupações em relação a mortalidade, quando a doença se espalhar para outros segmentos populacionais como crianças, idosos e portadores de imunodeficiências. Há indicações de que quem tomou a vacina contra a varíola humana tem algum grau de proteção contra a monkeypox, sendo que alguns estudos falam em 85% de proteção. Porém esta vacina deixou de ser obrigatória no Brasil em 1973, o que torna a população mais jovem teoricamente mais suscetível.

A decretação de emergência sanitária mundial não foi consensual no comitê da OMS, porque os dados são muito recentes e muitos elementos são desconhecidos, inclusive o quanto ela pode continuar se espalhando. Pensamos que foi uma decisão correta, porque embora a mortalidade seja bem mais baixa do que a Covid, a pandemia nos evidenciou que o trânsito de pessoas e mercadorias extremamente intenso e descontrolado na atual etapa do capitalismo permite o espalhamento muito rápido destas doenças altamente contagiosas e o surgimento de variantes inesperadas que mudam a periculosidade das mesmas. No entanto, o motivo central do alerta de emergência internacional é o risco importante de que o crescimento exponencial dos casos provoque um estresse e colapso dos serviços de saúde em vários países, como presenciamos há pouco na Covid: falta de leitos, falta de insumos (medicamentos, oxigênio, equipamentos de proteção de trabalhadores da saúde, equipes de saúde desfalcadas porque seus membros têm uma probabilidade alta de se contaminar e adoecer).

O fato de estar atingindo mais a população LGBT masculina traz alguns riscos. O primeiro é o de estigmatizar os doentes, como ocorreu na epidemia de HIV. Esta estigmatização é um fator de muito sofrimento para doentes e familiares e foi um grave erro cometido no caso do HIV nos anos 80. O estigma também provoca a subnotificação, pois muitos pacientes ficam com vergonha de procurar os serviços de saúde. O segundo risco é de que a população não LGBT ignore os riscos da Monkeypox e não tome as medidas de precaução necessárias. Como a doença tem um período de incubação relativamente longo, pode se espalhar em uma família ou comunidade antes que seja percebida a tempo. Para agravar este risco, a Monkeypox pode ser assintomática, ou seja, o indivíduo pode ser portador sem apresentar os sintomas e espalhar para várias pessoas. A estigmatização também induz os médicos e equipes de saúde a diagnosticarem mais a doença nos pacientes LGBT e não pensarem nesta possibilidade diagnóstica no restante da população. Um outro erro é o de tratar a Monkeypox como uma doença sexualmente transmissível típica. Embora o vírus já tenha sido detectado no sêmen humano, o contágio principal é o de contato de pele, que pode se dar em aproximações sem conteúdo sexual como abraços e beijos entre familiares e amigos ou colegas de trabalho e estudo. Há também a possibilidade de contágio do humano para seu animal de estimação.

Devido ao seu mecanismo de transmissão, é provável que atinja vários outros grupos populacionais e siga com seu crescimento exponencial. O que os governos e serviços de saúde devem fazer frente ao risco que se apresenta? Uma primeira medida é informar massivamente à população sobre os riscos e mecanismos de contágio. Devem ser feitas campanhas governamentais envolvendo a mídia, escolas, serviços de saúde, sindicatos e todo tipo de organizações de caráter social para que o conjunto da população seja atingida com informações científicas e simples de entender. Evitar e punir todo tipo de fakenews, que deve ser encarado como sabotagem social. Isolar os pacientes que forem diagnosticados até que fiquem não infectantes. Aumentar a oferta de testes pelo país. Oferecer educação e treinamento para o conjunto das equipes de saúde, públicas e privadas. Utilizar os recursos do SUS no rastreamento de casos e comunicantes (familiares, amigos, colegas de trabalho e estudo ou de frequentar o mesmo ambiente social como igrejas e academias de ginástica). Importar imediatamente os medicamentos viricidas contra o monkeypox. Agilizar a compra de vacinas e acelerar a possível produção nacional das vacinas.

Sobre a questão das vacinas, a maioria é produzida por uma empresa dinamarquesa e em uma quantidade muito pequena frente a necessidade mundial (trinta milhões de doses anuais). Os governos, a OMS e comunidade científica vão ter de ser ágeis para reverter esta situação. Os especialistas ainda discutem se a vacinação deve ser feita em toda a população ou só nos grupos mais vulneráveis.Possivelmente os países mais ricos vão comprar toda a produção atual e ocorra um novo apartheid vacinal. Os países pobres e os intermediários poderão ficar sem a vacina este ano. Está colocada novamente a discussão da quebra de patentes ou liberação pela empresa produtora para que outros países a produzam.

Por fim o ministério da saúde já deu um exemplo do que NÃO pode ser feito, que é simplesmente declarar que o sistema de saúde está preparado para a Monkeypox. Fazer esta afirmação é mais uma faceta do negacionismo crônico do governo Bolsonaro e da falência técnica e operacional do atual ministério da saúde. A realidade é justamente a oposta, é preciso que se crie um clima de motivação para o combate à doença que envolve muito treinamento das equipes de saúde, fornecimento de testes em quantidade aos serviços de saúde, preparação para a possibilidade de estresse ou colapso de serviços de saúde, compra de medicamentos específicos e equipamentos de proteção individual para os trabalhadores de saúde, compra de vacinas e agilidade para procurar produzir as vacinas aqui mesmo. Aqui no Brasil vai ser necessária muita mobilização popular para conseguir que estas medidas sejam efetivadas pelo governo negacionista e genocida.