Henrique C., comerciante de Santa Catarina  

Como já vimos num texto anterior, há um enorme abismo que separa os micro e pequenos empresários do grande empresariado. Em outras palavras, existe um grande abismo entre a pequena burguesia e a grande burguesia.

Enquanto nos pequenos negócios os proprietários chegam a trabalhar mais que 44 horas semanais, os banqueiros, os acionistas das grandes empresas imperialistas, os gestores dos fundos de investimentos e os latifundiários são parasitas que vivem do trabalho alheio e sugando os recursos do Estado capitalista.

Quando os governos aplicam reformas contra a classe trabalhadora, como a previdenciária e trabalhista, ou quando editam leis para aumentar a exploração, como a ampliação das terceirizações ou a PEC do teto de gastos, o fazem para dar fôlego no orçamento, sobrando mais recursos para serem repassados à grande burguesia, seja pela via da dívida pública, seja isentando impostos ou injetando subsídios às grandes empresas. Isto explica que apenas 100 grandes empresas são responsáveis por mais de 40% do PIB.

Com certeza, a classe trabalhadora é a classe social que mais sofre e sente o peso da exploração e que mais sofre as consequências dessas medidas neoliberais. No entanto, os micro e pequenos negócios/empresários também são bastante afetados por essas medidas

Os efeitos da destruição dos serviços públicos para a classe média e os pequenos empresários

O projeto neoliberal tocado por FHC (PSDB), Lula (PT), Dilma (PT), Temer (MDB) e agora aprofundado por Bolsonaro/Guedes vem sucateando toda os serviços públicos, como a Saúde e a Educação. Os sucessivos cortes de recursos nessas pastas, seguidos em todas as esferas (municipal, estadual e federal), abriu espaço para grandes conglomerados da saúde e educação. É do Brasil a maior empresa educacional privada do mundo, a Kroton Anhanguera. Na pandemia, alguns absurdos ficam mais evidentes ou mais difíceis de esconder, como os leitos do SUS entrando em colapso, quando na rede privada ainda há vagas.

Como os serviços públicos são conscientemente sucateados para serem privatizados, a classe média e os micro e pequenos empresários são obrigados a se dirigirem a setores privados essenciais e ficam à mercê do preço de mercado. Quando a economia capitalista aparenta expansão, esse movimento parece ser um mal necessário aceito, mas quando a crise chega, e ela sempre chega, a classe média é obrigada a migrar para o sistema público e se deparar com a realidade que a maioria da classe trabalhadora enfrenta todos os dias, deixando o sistema público ainda mais saturado.

O crédito para o pequeno negócio é outra expressão do abismo no mundo empresarial. Para banqueiros e grandes empresas, sejam nacionais ou estrangeiras, são bilhões dados com juros negativos, subsídios públicos, isenções, prazos a perder de vista, poucas garantias exigidas e eternas renegociações. Isso quando o próprio Estado burguês não assume essas bilionárias dívidas das grandes empresas, os chamados “títulos podres”. Mas Paulo Guedes, ministro da economia, não vê mal algum nisso, já que, como ele diz, é com as grandes que vão ganhar dinheiro, não com as pequeninhas. Enquanto isso, o número de pedidos de falência só aumenta, a maioria de pequenos negócios e com eles milhares de empregos [2].

A segurança pública é um tema recorrente entre a classe média. A política racista de criminalização das drogas, que também criminaliza a pobreza, tocada pelos governos desde sempre, acentua a violência urbana [3]. O aprofundamento da crise econômica e social empurra, a cada dia, mais trabalhadores e mais jovens ao desespero e à criminalidade. Aqui não é menor as consequências neoliberais, que usam de força militar para reprimir greves e manifestações, em apoio aos corruptos e a grande burguesia, enquanto mantêm uma estrutura de segurança que não serve para a classe média, muito menos para os trabalhadores e aos mais pobres

Além disso, a nossa polícia é também a que mais morre no mundo. Configurando-se não como uma guerra sem sentido, mas com o sentido de manter a ordem para os debaixo para o progresso e a desordem dos de cima.

A ideologia do empreendedorismo

Nas últimas décadas, a ideologia capitalista que se estrutura com o fim da União Soviética (URSS), colocando a perspectiva da revolução socialista como derrotada, o capitalismo como fim da história, a pós-modernidade como a filosofia do momento e a hegemonia estadunidense no mundo, foi moldando e mesclando a atual ideia de empreendedorismo com doutrinas religiosas da prosperidade, tendo os EUA como exemplo a ser seguido. Isso se materializa nos governos PT com a ajuda que deram para a ascensão das igrejas neopentecostais e a criação do Micro Empreendedor Individual (MEI), como saída para o crescente desemprego estrutural pós-2008, incentivando o empreendedorismo.

A economia capitalista de nosso tempo é marcada pelo controle da riqueza mundial nas mãos de um punhado de burgueses. Mas não só isso, a economia capitalista nesta fase imperialista tem as seguintes características: 1) o capitalismo financeiro domina as grandes empresas e indústrias; 2) os monopólios e oligopólios substituem a livre concorrência; 3) um punhado de nações imperialistas controla, explora e oprime centenas de países no mundo.

E é justamente neste cenário que surge o empreendorismo, como uma ideologia produzida pela burguesia para criar ilusões na classe média e na pequena burguesia dilapidada pela espoliação dos bancos e arruinada pela concorrência direta e indireta com os grandes monopólios e oligopólios.

Essas ideologias levadas a fundo criam os “coachs” (espécies de gurus de auto-ajuda financeira) que prometem de tudo um pouco: do enriquecimento rápido e fácil até a cura da depressão, constituindo-se num empreendedorismo de palco que fatura milhões com ideias fáceis e rasas. O mundo do “empreendedorismo de palco” desconsidera o atual momento do capitalismo e faz crer que as pessoas são únicas culpadas pelo não sucesso de suas empreitadas. Enquanto o mundo real do capitalismo continua a levar milhares à falência e ao acúmulo de dívidas.

No dia primeiro de julho deste ano essa ideologia sofreu um forte revés com a greve dos entregadores de aplicativos. Amarrados às grandes empresas que se aproveitam dessa ideologia do “empreendedorismo”, milhões de trabalhadores se submetem a jornadas de trabalho extenuantes, sem contrato de trabalho e ainda têm que tirar do próprio bolso os equipamentos que essas empresas exigem que eles comprem, correndo risco de vida a todo momento e ganhando cada vez menos.

Qual programa para os micro e pequenos empresários e para a classe média?

Defendemos uma série de medidas para as micro e pequenas empresas, os autônomos, os profissionais liberais e a classe média. Medidas que vão de encontro com a política econômica dos capitalistas de salvarem bancos e multinacionais sugando todo o orçamento público. Sabemos que dinheiro pra isso existe, basta ver os sucessivos repasses aos banqueiros, grandes industriais e a vista grossa diante grandes desmatamentos para beneficiar o agronegócio.

A política econômica dos governos é o que garante bilhões e bilhões de lucros no Brasil todo ano, com o capital estrangeiro transferindo tudo para seus países de origem, sem contrapartida.

O governo precisa parar de usar as reservas internacionais para ajudar na especulação dos parasitas do mercado financeiro, parar de pagar imediatamente a falsa dívida pública, taxar grandes fortunas, parar de subsidiar grandes empresas, cobrar dos grandes devedores do governo, utilizar os lucros estratosféricos dos banqueiros, estatizar toda rede de saúde e educação e colocá-las sob operação e controle dos próprios trabalhadores desses setores e da sociedade que usufruirá.

Com isso podemos ter recursos não só para enfrentar a crise econômica e a pandemia para os micro e pequenos negócios, mas para o conjunto da classe trabalhadora, garantindo emprego e renda.

Esse processo significa luta de classes. A burguesia jamais aceitaria tais medidas, tampouco o governo Bolsonaro e Mourão estão dispostos a isso. Como já colocamos no texto anterior, já citado aqui, essas são bandeiras da classe trabalhadora, dos operários, dos mais pobres, da juventude. Mas são as únicas bandeiras que podem ser abraçadas pelos pequenos negócios, numa luta de sobrevivência que os coloca ao lado das lutas da classe trabalhadora.

Nosso programa para as micro e pequenas empresas, os profissionais liberais e os autônomos defende que o governo assuma os salários de empresas com até 20 funcionários, isente impostos e aluguel, ofereça empréstimos com carência, sem juros, maior prazo e menos burocracia e que ainda ofereça salário ao proprietário, para que ele faça uma quarentena real, com renda e segurança para ele, sua família e seus funcionários.

Como tudo depende da luta de classes, com o aumento da convulsão social o Estado capitalista, por mais que não queira, tem condições de assumir essas pautas, penalizando a quem eles obedecem por um tempo, mas não sejamos ingênuos. A burguesia dá uma mão para não perder o braço e o que ela cede hoje com a mão esquerda, tira o dobro com a direita mais a diante.

Por isso, capitalismo é sempre uma ilusão que cedo ou tarde, por sua própria natureza, nos conduzira para o mesmo beco, cada vez mais bárbaro: imigrações, doenças, descontrole da natureza, violência, guerras, fome, desigualdade social, corrupção, etc.

A saída é o socialismo ou a barbárie.

O futuro da classe média

As classes sociais no capitalismo se definem pelo lugar que ocupam na produção social, sendo a burguesia e o proletariado as colunas vertebrais de todo o sistema. As classes sociais não são homogêneas e ainda se dividem em subclasses. Ainda, podemos nascer numa classe e ao longo da vida migrar para uma e outra. É claro, que dado as atuais condições e o processo histórico essa migração é cada vez mais rara. Isso não tem a ver com o quanto ganhamos, com nossa dedicação, talento, mas com o lugar que se ocupa na produção social.

A classe média não possui um programa para governar o Estado capitalista. Isso se deve ao seu lugar no processo de produção, distribuição e circulação das mercadorias no mundo capitalista.  Ela vive numa corda bamba em constante risco. Ela quer se expandir, deixar de ter um pequeno negócio, para ter um grande, é óbvio. Mas a realidade é maior que seus desejos. Em média, 80% das micro e pequenas empresas não passam dos 2 anos de vida e mais de 60% das que sobram não chegam ao quinto ano. E como já apontado, sob o capitalismo, por sua própria lógica, essa será a regra.

No Brasil, a burguesia incapaz de enfrentar o capital externo, se aliou a ele e virou mera sócia menor do imperialismo, se especializando no setor financeiro e de serviços, parasitando o Estado e fazendo o país passar por um processo de recolonização, onde nosso papel na divisão internacional do trabalho é de meros exportadores de produtos agrícolas, enquanto vivemos um brutal processo de desindustrialização.

Nessa reconfiguração, o desemprego estrutural se aprofunda, a desigualdade social aumenta ainda mais, a renda diminui a cada dia e a democracia liberal, mesmo liberal, vive em constante ameaça para que o 1% toque a mão de ferro as políticas econômicas para se auto beneficiarem. O resultado para as empresas pequenas, os autônomos e profissionais liberais é direto: cada vez mais queda de receitas.

Por isso, fazemos um chamado para que se juntem as lutas do proletariado para derrubar a burguesia do poder, construir a revolução socialista e substituir as instituições burguesas pelos conselhos populares, onde o governo será gerido de baixo para cima, segundo as necessidades do povo e não de uma elite racista e capacha do imperialismo.

Pequenas empresas e socialismo

Esse chamado parte da compreensão da natureza do modo de produção burguesa, que organiza a produção, distribuição e circulação de mercadorias a nível mundial, explorando e oprimido os trabalhadores de todo o mundo, sem distinguir nações. O capital está cada vez mais concentrado nas mãos de poucos, que ditam as regras em todo o mundo, enquanto conduz a humanidade e o próprio planeta para a barbárie.

Não queremos enganar ninguém. O socialismo não é para as empresas privadas. Socialismo é um caminho, uma transição para outra forma de sociedade: o comunismo. As ideias cooperativistas existentes hoje nada têm a ver com isso. Como disse Marx, nosso programa pode ser resumindo em uma frase: “abolição da propriedade privada dos meios de produção” [4]. Os meios de produção não são a propriedade particular ou os bens conquistados individualmente. Não estamos falando da padaria da rua, da lojinha de roupas, da casa da praia, do carro ou de uma pequena herança. Falamos das grandes fábricas, das terras do latifúndio, do monopólio da tecnologia, dos bancos e especuladores.

O Estado operário, fruto da revolução socialista, que substituirá o atual Estado capitalista, possuirá medidas para, num primeiro momento, salvar os pequenos negócios, como perdão de dívidas, crédito barato como nunca antes, apoio para melhorar a produção, subsídios, oferecimento de insumos de maior qualidade, serviços públicos como água e energia com preços baixos, apoio e direitos aos trabalhadores. Mas na luta contra os grandes capitalistas, as medidas respaldarão a todos. Valeria a pena arriscar? Opinamos que sim.

Assim como os operários se organizarão em conselhos populares (Comitês de autogestão) para gerir a indústria, os camponeses nos seus comitês para organizar a produção agrícola ou os trabalhadores dos bairros em comitês para administrar diretamente o lugar onde moram, assim poderão fazer os que hoje são pequenos empresários, auxiliando com a administração socialista com sua experiência de gestão do pequeno negócio, contribuindo com a riqueza social, sua criação e distribuição, feita de forma planejada pela sociedade e não de forma anárquica, como é hoje, no mercado capitalista mundial.

Exerceríamos assim uma democracia real, como nunca antes, ajudando diretamente a governar e administrar o novo Estado. Nos ocupando não só de maneira mesquinha com o lugar onde trabalhamos, mas com toda a sociedade.

A experiência histórica mostra os saltos gigantescos dados nas áreas sociais quando a economia passa de mercado para uma economia planificada, organizada segundo um plano que levará em conta as necessidades reais de toda população. A classe média usufruiria, junto com o conjunto da classe trabalhadora, de forma gratuita e com qualidade, de um grande acesso aos serviços de saúde, educação e segurança, por exemplo.

Qual sentido faria continuar em jornadas extenuantes de trabalho, em busca de uma riqueza que já não seria mais permitida, em uma sociedade que se estruturaria contra a desigualdade social, onde, por exemplo, a saúde da família estaria garantida, onde os filhos terão uma boa educação e ter uma boa morada e acesso a alimentação limpa e de alta qualidade seria regra, comum a todos?

O fim da exploração e da opressão capitalista significa o fim das classes sociais e sem classes sociais, não há sentido a existência de um Estado que serve para opressão e exploração de uma classe por outra, como perde o sentido da opressão entre Estados, como perde o sentido ter qualquer tipo de propriedade privada que, mesmo em menor tamanho, oprima e explore outros seres humanos.

O fim da pequena propriedade se dá com o avanço social da sociedade, não por imposição. Mas esse avanço acontece pela abolição da propriedade privada da burguesia, dos grandes meios de produção. Numa violenta luta de classes entre burguesia e proletariado. Onde as demais classes, como a classe média e os pequenos burgueses, devem se posicionar ao lado dos trabalhadores.

O fim da exploração e opressão capitalista, o fim das classes sociais, significa o começo de uma nova sociedade, calçadas sob novas formas de produção e distribuição, onde a roda da história gira de forma progressiva, em favor não só da humanidade, mas de todo o planeta.

Notas

[1] – https://www.pstu.org.br/o-pequeno-burgues-e-o-pequeno-comerciante-devem-estar-ao-lado-dos-trabalhadores-ou-dos-grandes-empresarios/

[2] – As pequenas foram responsáveis por 93,4% dos pedidos de falências e 94,2% dos pedidos de recuperação judicial, considerando o acumulado em 12 meses, veja mais: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/06/04/pedidos-de-falencia-sobem-30percent-em-maio-de-recuperacao-judicial-69percent-diz-boa-vista.ghtml

[3] – Foi durante o governo Lula que houve alteração na lei de drogas, que fez a população carcerária triplicar e também a ocupação militar do Haiti, prestando serviço ao imperialismo estadunidense e treinado o exército para atuar nas periferias brasileiras. Foi durante as gestões do PT que o número de mortes entre negros, principalmente jovens, deu um salto.

[4] – MARX, Karl; ENGELS, F. O Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Lafonte, 2018.