Secretaria Nacional de Mulheres do PSTU

Firminia Rodrigues, da Secretaria Nacional de Mulheres

No último dia 7 de agosto completaram-se 15 anos da Lei Maria da Penha. Lamentavelmente, não temos muito o que comemorar. A data é marcada pelo aumento da violência contra a mulher, principalmente no contexto da pandemia. Nos últimos 12 meses, uma em cada quatro mulheres sofreu algum tipo de violência, oito mulheres foram agredidas por minuto, o que em números mais absolutos significa 17 milhões de mulheres e com recorte de idade e raça. As jovens, entre 16 e 24 anos, representaram 35,2% das denúncias e 52,9% das vítimas foram mulheres negras. Ainda assim 32,8% das mulheres não formalizaram denúncia, por motivos diversos, aumentando a subnotificação.

Houve aumento dos casos de violência dentro de casa, quando comparado aos que acontecem na rua, bem como de situações de violência envolvendo namorados, maridos e ex-companheiros. Somente no primeiro semestre de 2021, foram emitidos aproximadamente 200 mil medidas protetivas de urgência no Brasil, uma a cada dois minutos. As mulheres lésbicas e trans também atravessam um aumento de violência na pandemia, seja pela morte com requintes de crueldade de trans ou os estupros corretivos. Violência ainda mais subnotificada nas denúncias e nas notificações.

Em Minas Gerais, os números da violência às mulheres também são estarrecedores. Em Belo Horizonte, a violência doméstica aumentou 7% entre 2018 e 2020. Em janeiro de 2020, foram registrados 1659 casos de violência doméstica, em janeiro de 2021 esse número foi de 2491. Nos últimos 15 anos foram 1.142.478 processos da Lei Maria da Penha no Estado, segundo o Sistema de Informações Estratégicas do Judiciário de Minas Gerais (SIJUD). Sendo que violência doméstica foi o crime que mais cresceu no estado em 2021. Para se ter uma ideia, os casos iniciados de atendimento das patrulhas de prevenção à violência doméstica (PPVD) saltaram de 4.736 casos, entre janeiro e maio de 2020 para 6.307 no mesmo período de 2021. Já os feminicídios consumados cresceram 11%. Além disso, foram emitidas 17.548 medidas protetivas no primeiro semestre desse ano, crescimento de 13,9% quando comparado ao ano passado, isso sem contar as muitas medidas protetivas que foram solicitadas e negadas pelos/as juízes/as.

Diariamente vemos notícias de tentativa ou consumação de feminicídios, casos de estupro, violências de todos os tipos, estampadas em sites, na TV e nas redes sociais. Como o caso de Lorenza de Pinho, que ganhou repercussão na imprensa pelo fato do marido, o promotor de justiça André Luis Garcia Pinho, ser o principal suspeito de sua morte ou mais recentemente o da jornalista Lyvia Prais, que acusou seu ex-companheiro Miguel Ângelo Andrade, Presidente do PT Contagem, de estupro, violência doméstica e violência psicológica, são cada vez mais comuns. É lamentável, contudo, que o dirigente de um partido que se reivindica da classe trabalhadora estejam envolvidos em denúncias de violência contra a mulher. Nos solidarizamos às vítimas e que as devidas apurações sejam feitas para que os agressores possam ser responsabilizados, mesmo que sejam militantes ou agentes da justiça, nenhuma atitude de violência contra a mulheres deve ser tolerada.

Falta investimento no combate à violência às mulheres

Existem várias possibilidades para o Estado amparar as mulheres vítimas de violência: delegacias de mulheres, aplicativos de denúncia, Casa da Mulher Brasileira, casas de acolhimento, contudo, não há um investimento real para que o combate à violência contra a mulher se concretize. O Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humanos não usa seu orçamento, que já é aquém da necessidade, e enquanto o discurso de ódio, machista, racista e LGBTfobico do governo Bolsonaro avança, ações para evitar a morte de milhares de mulheres, negros/as e LGBTIs nesse país simplesmente não existem.

Nos estados e municípios a situação é parecida. Em Minas Gerais, apesar do Governo Zema se vangloriar de iniciativas como o APP Mulher, o número de delegacias de mulheres, principalmente as abertas 24h, é ridículo. Também faltam casas de acolhimento e varas especializadas e outros equipamentos para o atendimento das vítimas. Em Belo Horizonte, o prefeito Alexandre Kalil teve a coragem de destruir uma maternidade pública, praticamente pronta, com a justificativa de se construir um dispositivo amplo para as mulheres, mas que na prática só destruiu a Maternidade Leonina Leonor e não encaminhou nada com relação ao dito projeto. Além disso, há um plano de construção de uma Casa da Mulher Brasileira em Belo Horizonte, que desde 2015, não sai do papel.

A falta de vontade política por parte dos governos de plantão não é um mero acaso. Ocorre que aos capitalistas burgueses e seus governos não convém combater o machismo e todas as suas expressões, incluindo a violência, uma vez que para esse sistema, manter as mulheres, os negros, os imigrantes e outros setores da classe trabalhadora em condições de inferioridade, é funcional para a manutenção do sistema. A superexploração da mulher trabalhadora, por exemplo, por meio do pagamento de salários mais baixos, da responsabilização pelo trabalho doméstico não remunerado, e da manutenção de um exército especial de reserva, que retira e introduz no mercado de trabalho quando necessita; ajuda a aumentar os lucros dos capitalistas e economizar gastos sociais. É verdade que a opressão afeta também as mulheres burguesas, mas para a mulher trabalhadora, duplamente oprimida e explorada, a situação é muito pior.

Os limites da legislação no enfrentamento da violência contra as mulheres

No mês julho, foi aprovada a Lei 14.881/2021, que inclui no Código Penal, a violência psicológica como crime contra a mulher. Muitas vezes esse tipo de violência é difícil de ser identificado e quando denunciado, em geral não é tratado como uma forma de violência brutal contra as vítimas. Por isso, é uma conquista para as mulheres terem asseguradas uma legislação nesse sentido, mas a questão da violência é muito mais complexa, e requer bem mais que leis.

Para atacar esse problema de forma consequente é preciso um conjunto de ações que envolvam, além de leis e equipamentos para se efetivar a legislação (delegacias  e varas especializadas, casa abrigo, profissionais capacitados para atender as vítimas, etc), também outras medidas, como campanhas educativas nas mídias, nas escolas e locais de trabalho contra a violência machista e pela igualdade das mulheres –muito diferente do que propõe a Ministra Damares Alves, defensora dos estereótipos de gênero que reforçam o papel tradicional da mulher como mãe e submissa ao marido–; é necessário emprego e renda para que as mulheres não dependam financeiramente de seus agressores; precisa garantir creches e escolas em tempo integral, para que as mães trabalhadoras tenham onde deixar seus filhos em segurança para poder trabalhar; moradia e garantia de todos os direitos para manutenção de uma vida digna. Qualquer medida contra a violência que não abarque esses aspectos será limitada.

Infelizmente só o que temos visto são a aprovação de leis que não saem do papel por falta de investimento, e ataques cada vez maiores aos nossos direitos sociais e trabalhistas. Junto com isso, o fortalecimento da ideologia machista que justifica a opressão às mulheres. Ou seja, o oposto do que de fato teria que ser aplicado se se quisesse acabar de verdade com a violência de gênero.

A importância das denúncias

O processo de denúncia das mulheres vítimas de violência nem sempre é rápido e fácil, principalmente porque muitas não se vêem na situação de violentadas e outras vezes demoram muito tempo para ter coragem de denunciar. A vergonha, a dependência, o medo são fatores que podem estar relacionados a um recuo das mulheres no momento da denúncia tanto pública quanto para a justiça. Por isso é fundamental garantir equipamentos que permitam que as denúncias formais aconteçam, como as delegacias especializadas, locais de acolhimento às mulheres vítimas de violência e o aporte jurídico baseado na Lei Maria da Penha.

Com relação às delegacias especializadas em crimes contra a mulher, os dados no Brasil mostram que apenas 7% dos municípios as possuem. Dos 5,5 mil municípios brasileiros, 427 tem essas delegacias especializadas. Em 90,3% dos municípios brasileiros não há nenhum tipo de serviço especializado em atendimento à vítimas de crime sexual. Minas Gerais possui 71 delegacias especializadas em atendimento à mulher, quatro em Belo Horizonte e sessenta e sete no interior, um número muito pequeno perto dos 823 municípios que compõem o estado.

Para combater a violência é preciso derrubar o capitalismo

A violência contra as mulheres é uma consequência da ideologia machista, que é reproduzida pelo sistema porque ajuda na sua manutenção. É verdade que afeta todas as mulheres, mas de forma desigual. As mulheres burguesas, apesar da dependência emocional e psicológica que existe e não negamos, não tem que se sujeitar a relacionamentos abusivos em virtude de não ter emprego, de ganhar pouco, de não ter onde deixar os filhos para trabalhar. Temos uma questão prática do capitalismo, que para manter seus lucros não se importam em manter um setor de sua própria classe, as mulheres burguesas, sujeitas à conviver com a violência.

Um outro aspecto é que as opressões mantêm a classe dividida, por isso a luta contra o machismo precisa ser encampada pelo conjunto da classe trabalhadora e suas organizações: sindicatos, movimentos sociais, organizações de bairro e etc. Se é verdade que todas as mulheres são oprimidas, são as trabalhadoras e pobres as que mais sofrem com a falta de proteção do Estado e a falta de efetividade da lei Maria da Penha por não ter financiamento.  Se a classe trabalhadora, de conjunto, não tomar para si a bandeira da luta contra o machismo e a violência; se suas organizações não forem vanguarda na defesa das mulheres e na educação da classe e dos homens trabalhadores no ódio à opressão, estarão atuando para manter a classe dividida e fortalecendo o sistema que nos oprime e explora.

As mulheres lutaram e lutam todos os dias por melhoras na sua condição de vida e a organização das mulheres trabalhadoras para o combate à violência, à opressão e à exploração é extremamente necessária. Mas essa não é uma tarefa só das mulheres e sim do conjunto da classe trabalhadora. A luta contra a opressão, o machismo e a violência deve ser parte das demandas e do programa da classe trabalhadora na luta contra o capitalismo. Por outro lado, junto com a exigência de demandas imediatas as mulheres trabalhadoras precisam lutar para derrotar o capitalismo, que de fato é a base material de toda a opressão nesse sistema.

Do contrário, não estarão sendo consequentes com o combate à violência de gênero. Todo programa e organização que não combine a luta contra a opressão à luta contra para derrotar o sistema capitalista; que defenda que a luta é de gênero e não de classe como fazem as feministas radicais, as burguesas e reformistas; ou que pregue que a luta é de classes mas defenda se organizar junto com as mulheres burguesas em movimentos policlassistas; ou ainda que limite as lutas das mulheres à estratégias eleitorais ou por representatividade; estará mentindo para as mulheres trabalhadoras de que é possível acabar com o machismo no interior do capitalismo, quando na verdade não é, pois o machismo é funcional ao próprio sistema e à burguesia.

A luta contra o machismo e a violência só pode ser vitoriosa se for combinada com a luta para acabar com o sistema que é a fonte de toda desigualdade, opressão e exploração às mulheres trabalhadoras. Junto ao conjunto dos trabalhadores, nossa tarefa é derrubar esse sistema capitalista e construir o socialismo, onde possamos ser verdadeiramente livres. A luta contra a opressão e o machismo se insere nesse contexto, pois fundamental para unir a classe numa perspectiva socialista e revolucionária.