PSTU Niterói (RJ)
Há uma semana, uma polêmica se instalou entre ativistas da Universidade Federal Fluminense (UFF), incluindo ativistas e organizações dos movimentos sociais que fazem parte da universidade. Como parte da campanha pelo pagamento do adicional de insalubridade para todos os trabalhadores do Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP), por razão da pandemia do novo coronavírus, o Sindicato dos Trabalhadores em Educação da UFF (SINTUFF) confeccionou um outdoor com os rostos do presidente Jair Bolsonaro e do reitor da UFF, Antonio Cláudio, e os seguintes dizeres: “100 mil mortes no Brasil. (Bolsonaro) negou a realidade e disse que era uma gripezinha. 5 mortes de trabalhadoras no HUAP. Reitor, não negue a realidade. Pague a insalubridade já”. O outdoor foi exposto em uma avenida de grande circulação no centro da cidade de Niterói (RJ).
Se o objetivo do SINTUFF era dar visibilidade e causar repercussão, pode-se dizer que a tática deu certo. Rapidamente, o outdoor virou notícia nos grupos de Whatsapp de servidores e estudantes da UFF e várias postagens pipocaram nos perfis de Facebook. Entretanto, logo organizações dos movimentos sociais, como o Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFF, e da institucionalidade, como as direções de unidades acadêmicas e administrativas da universidade, passaram a se posicionar em desagravo ao Reitor Antonio Cláudio e de forma crítica à manifestação do SINTUFF.
Embora o outdoor tenha elevado o debate a outro patamar pela visibilidade que alcançou, o conteúdo da polêmica não é novo. A polêmica se desdobra em duas questões. A primeira é “quem é (politicamente) Antonio Cláudio da Nobrega, o Reitor da UFF?”. Seria ele um pilar do enfrentamento às políticas educacionais de Bolsonaro e da defesa da universidade pública ou um aplicador local das políticas nacionais de Bolsonaro e do Ministério da Educação (MEC)? A segunda é: “é ou não correto tecer críticas públicas ao gestor máximo da universidade em um momento em que a educação pública e as instituições universitárias sofrem ataques materiais e ideológicos por parte do governo e da extrema direita organizada?”. Tentaremos destrinchar essas polêmicas e colocar nossa posição a respeito.
Quem é o Reitor Antonio Claudio da Nobrega
A nota do DCE e o texto assinado pelos diretores de unidade pintam um Antonio Claudio que não existe: um contraponto às políticas educacionais de Bolsonaro e seus ministros, um baluarte da defesa da universidade pública voltada aos interesses da classe trabalhadora. Bem, para quem vive a realidade da UFF, está mais do que nítido que Antonio Cláudio não é esse reitor. Recém-eleito, o mesmo Antonio Cláudio publica uma portaria que, na prática, aumentou em 10h semanais a carga horária da maioria dos servidores técnico-administrativos em educação (TAE), extinguido as 30h semanais, praticadas há mais de 30 anos na Universidade.
Vejam o que o SINTUFF escreveu sobre essa situação :
_“O reitor repete a lógica das “fake news”, expediente usado por Bolsonaro e seus aliados. Promove desinformação e recortes da realidade para dificultar que a opinião pública venha a discernir o que é verdade, com o mesmo objetivo do governo: atacar direitos. Ao se distanciar dos fóruns unitários pela democracia, o reitor transparece sua intenção de pactuar com o governo e ser um aplicador da ofensiva de Bolsonaro contra a universidade pública, os direitos sociais e os serviços públicos. (…)
Para obter 986 votos de técnico-administrativos, o reitor adotou como mote central que defenderia “radicalmente” as 30 horas. Durante a campanha, Antonio Claudio jamais revelou que descumpriria o acordo em caso de questionamento do TCU. Se assim fizesse, certamente perderia os votos necessários para vencer a eleição por margem apertada. Os servidores que votaram em Antonio Claudio acreditaram que ele defenderia as 30 horas “de modo radical; completamente”, “de maneira profunda, significante; profundamente”. Após a eleição, a reitoria fez o inverso. Adiou continuamente a publicação do texto da comissão paritária e quebrou o acordo logo que surgiu um documento do TCU”.
A defesa da jornada de trabalho de 30h semanais levou os servidores TAE (Técnico Administrativo da Educação) da UFF a entrarem em greve. E este mesmo Reitor, que o DCE e os diretores de unidade defendem, entrou na justiça pela ilegalidade da greve, contrariando posição do Conselho Universitário. Vejamos a publicação do SINTUFF à época:
“Ao entrar na justiça, reitor desrespeitou decisão do CUV
O Conselho Universitário (CUV) aprovou resolução (31/10) para garantir o direito à livre manifestação, assegurando que cartazes da greve não seriam arrancados pela administração, e que não haveria retaliações ao movimento grevista como o corte de ponto. Ao ingressar judicialmente solicitando desconto dos dias parados, o reitor desrespeitou a resolução aprovada pelo CUV.
Antonio Claudio entra negativamente para a história da UFF como o primeiro reitor a requerer judicialmente o corte de ponto e aplicar esse método de perseguição política contra os servidores da universidade. Vai assim desta forma mostrando serviço e afinidade política ao governo repressor e autoritário de Bolsonaro.”
Ainda, quando o projeto do governo federal Future-se foi apresentado, houve uma comoção da comunidade universitária, reconhecendo a necessidade de união para conter o avanço deste projeto que destrói o que conhecemos hoje como Universidade Pública, desobrigando o Estado em relação ao seu financiamento e colocando as universidades na condição de competir no mercado para atrair investimentos privados. Perante a esse cenário, houve uma reunião das entidades representativas dos docentes, estudantes e TAE com o Reitor. Vejamos, mais uma vez, qual foi o posicionamento do mesmo:
“O reitor Antonio Claudio se reuniu com as entidades para falar sobre a crise da UFF e o Future-se. ADUFF, SINTUFF e DCE propuseram a realização de uma Assembleia de toda a comunidade universitária, a exemplo do que ocorreu na UFPB, lá convocada pela própria reitoria. As entidades cobraram posição pública do reitor contra o Future-se, apoio à Greve Nacional da Educação e paralisação no dia 13 e garantia que ninguém será punido por parar nesse dia. O SINTUFF cobrou que houvesse mesa de negociação das pautas específicas da categoria, visto que há necessidade de unidade em defesa da universidade pública.
O reitor fez uma explanação apontando a extensão da crise da UFF, a exemplo do que já havia feito no Conselho Universitário, e apresentando-a como insolúvel no atual cenário. Sobre o Future-se o reitor diz que não quer se colocar a público como contrário à medida. Antonio Claudio também se recusou a convocar a Assembleia Universitária. No máximo, o reitor se dispôs a comparecer a uma plenária unificada para expor a crise da UFF, sem contudo falar sobre o Future-se.”
Ou seja, não se trata, aqui, de um Reitor, que se põe, junto aos movimentos sociais, a defender a universidade pública da política destrutiva de Bolsonaro. Trata-se de alguém que, de bom grado, vem aplicando essa política na universidade sem maiores atritos, a não ser com os estudantes e trabalhadores que as contrapõem. Tal caracterização, com a qual temos acordo, vem sendo defendida pelo SINTUFF já faz um bom tempo (o que ficou claro nos extratos que colocamos acima). O outdoor não configurou uma mudança abrupta (ou um “cavalo de pau”, como se costuma chamar) na política da entidade.
“Mas estamos a debater a política em relação à pandemia, não outros aspectos da política educacional”, poderiam dizer seus defensores mais ferrenhos. Passemos então a analisar qual a posição do senhor Antonio Claudio perante a pandemia do novo coronavírus. A Reitoria da UFF demorou em liberar os trabalhadores dos serviços não essenciais, produzindo, primeiro, uma política de rodízio e, somente depois, com o aumento da pressão por isolamento social, liberou os servidores para o trabalho remoto. Em relação ao HUAP, atuou no sentido de, junto à direção do hospital, dificultar o acesso às informações sobre número de contaminados, dificultar o acesso aos testes e pressionar para o não afastamento dos servidores de altíssimo risco, tendo, este, só ocorrido graças a liminar judicial, que a UFF teve a pachorra de recorrer. Vejamos o que o SINTUFF relatou sobre esse tema:
“Reitoria e EBSERH chegaram a produzir material em vídeo de altíssima qualidade propagandeando o HUAP como referência no combate à pandemia, enquanto escondiam números de infectados entre os profissionais de saúde, não realizavam testes para todos e mantinham quantidade insuficiente de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). A realidade é que o HUAP tem um número imenso de contaminados para uma capacidade de atendimento muito pequena de casos de Covid-19. Os dados do CREMERJ se referem apenas aos médicos. Se a proporção de contaminados entre profissionais de enfermagem, da área assistencial e demais setores for similar, apresenta-se um quadro gravíssimo de contaminações no HUAP.
O documento do CREMERJ aponta que 63 médicos se afastaram por autodeclaração. Portanto, dezenas de profissionais que se encaixam nos grupos de risco e altíssimo risco. A política da gestão do HUAP ao longo da pandemia foi dificultar ao máximo a liberação mediante autodeclaração, conseguida pelo sindicato por força de decisão judicial. Inclusive EBSERH e reitoria recorreram para derrubar todos os pontos da liminar, o que comprova a intenção de manter ativos profissionais que correriam seríssimo risco de vida. Considerando a taxa de letalidade no país e no estado do Rio e o número assombroso de infectados registrado entre médicos, é seguro afirmar que a liminar obtida pelo SINTUFF para liberação dos grupos de risco salvou vidas de trabalhadores do HUAP.”
Além disso, se dignou a participar do Comitê Científico (ou deveríamos dizer, pseudocientífico?) que está legitimando, em Niterói, a flexibilização do isolamento social e pressionando para o retorno das aulas na rede municipal em meio à pandemia (só não houve retorno ainda, pois os profissionais de educação deflagraram greve em defesa da vida). É bom lembrar que, após a flexibilização chancelada pelo tal comitê, o número de mortos por Covid-19 mais que quadruplicou na cidade.
Assim, está claro que Antonio Claudio não é e nunca foi uma base de apoio no enfrentamento às políticas educacionais de Bolsonaro e na defesa da universidade pública e nem um aliado na luta pela proteção dos trabalhadores diante da pandemia do novo coronavírus.
Responsabilizar o Reitor é atacar a instituição?
Tal argumento é repetido tanto na nota do DCE quanto na carta dos diretores de unidade. O SINTUFF, ao responsabilizar o Reitor Antonio Claudio, estaria fazendo coro com os ataques que vem sofrendo a universidade pública ou, no mínimo, deixando de reconhecer o papel da instituição na sociedade.
Parece-nos uma argumentação baseada em mero exercício retórico, sem nenhuma base na realidade. Acreditamos que algumas analogias se fazem úteis para refletir sobre a validade ou não desse tipo de lógica. Os trabalhadores dos Correios (que iniciam um processo de greve), ao criticar e corresponsabilizar o presidente da empresa pelas péssimas condições de trabalho, estão deixando de reconhecer o papel social dos Correios, fazendo coro com o discurso de destruição e privatização? Os profissionais de saúde, em luta por condições de trabalho em meio à pandemia, ao criticar a gestão de algum equipamento de saúde específico, o secretário municipal ou estadual de saúde ou mesmo o ministro, estão deixando de reconhecer a importância do Sistema Único de Saúde (SUS) na sociedade e para o combate à pandemia? Pararemos as analogias por aqui para não sermos enfadonhos, mas poderíamos passar várias páginas dando um sem número de exemplos. Tal argumento não tem nenhuma base na realidade concreta e é puro exercício retórico mal-acabado. As críticas ao Reitor e à direção do HUAP, presentes não só no afamado outdoor, mas em diversos outros materiais do SINTUFF, praticamente desde a posse do mesmo, não configura, em nada, um ataque à UFF nem a minimização de seu papel social.
A polêmica real: campanha contra Bolsonaro deve passar ou não pelo enfrentamento a governadores, prefeitos e lideranças locais?
Parece-nos que há uma polêmica de fundo, implícita, que motivou a indignação desses setores políticos com o outdoor e a campanha contra o mesmo. Em um momento de unidade de ação contra a política genocida de Bolsonaro, em que ganha corpo a campanha pelo “Fora Bolsonaro e Mourão”, seria correto criticar publicamente prefeitos, governadores, gestores ou outras lideranças que se colocam no campo de oposição a Bolsonaro?
Essa é uma polêmica bastante presente nos movimentos sociais organizados que se propõem a construir uma unidade de ação na campanha do “Fora Bolsonaro e Mourão”.
Em Niterói, cidade sede da UFF, o prefeito Rodrigo Neves (PDT), após tomar algumas medidas de isolamento social, sanitização de ruas, distribuição de máscaras e arrendamento de leitos privados (medidas, a nosso ver, aquém das necessidades), passou a defender a chamada “flexibilização do isolamento” e “transição ao novo normal”, que basicamente consistiu no recuo das limitadas medidas de proteção tomadas, o que fez com que o número de mortes por Covid-19 mais que quadruplicasse na cidade .
Um setor importante dos movimentos sociais da cidade, organizado na União dos Fóruns de Luta, enfrentou essas medidas de flexibilização, com a campanha “Não Flexibiliza, Niterói”. Mas esse enfrentamento, longe de ser consensual, provocou críticas de outros setores dos movimentos sociais da cidade, politicamente mais alinhados com PDT, PCdoB e PT, que entendem que não se pode criticar o prefeito, por se tratar de um “aliado contra o fascismo e a extrema direita” (sic). Isso porque Rodrigo Neves, embora esteja adotando uma resposta muito próxima de Bolsonaro (afinal, qual a grande diferença entre “novo normal” e “tocar a vida”?), se coloca, pelo menos retoricamente, no campo de oposição ao presidente.
A campanha contra o SINTUFF e seu outdoor tem basicamente o mesmo teor. Embora o Reitor da UFF, é importante frisar, jamais tenha se declarado publicamente como oposição ao governo Bolsonaro, ele tem sido uma figura pública importante na cidade, já tendo participado de mais de 20 lives com representantes da prefeitura. Assim, no imaginário geral, é uma figura associada à oposição a Bolsonaro (embora, repetimos, jamais tenha se assumido como tal). Por isso, uma parte dos movimentos sociais, como o DCE da UFF, entende que tais figuras devem ser preservadas de críticas públicas, independente da política concreta que apliquem.
Liberdades democráticas em jogo
Evidentemente, a posição do PSTU é de que luta pelo “Fora Bolsonaro e Mourão” passa pela mais dura crítica aos governadores, prefeitos e (por que não?) gestores que, assim como Bolsonaro, não tomaram as medidas necessárias para proteção dos trabalhadores perante a pandemia. Achamos legítimo (embora equivocado), entretanto, que outras organizações tenham posição contrária. Esses debates devem se expressar, como têm se expressado, nos fóruns dos movimentos sociais e na disputa política real na base, pela consciência dos trabalhadores e trabalhadoras. É legítimo, inclusive, que a UFF e o Fórum de Diretores se contraponham ou prestem esclarecimentos através dos veículos institucionais.
A nota assinada pelos diretores de unidade, entretanto, vai além. Ela exige a retirada do outdoor e a retratação pública. Achamos que tal “exigência” flerta com princípios antidemocráticos. Qual a grande diferença entre isso e, por exemplo, exigir que se tire de circulação um jornal de um sindicato ou que se tire do ar o site de uma organização política com os quais possa haver desacordo político?
Coincidentemente ou não, em meio à grande polêmica ensejada pelo outdoor, este veio a ser coberto e, em seguida, removido de forma clandestina. Não se sabe, até o fechamento desse texto, quem é o responsável por tal ato. Sabe-se que, no dia seguinte, se colocou um outdoor de caráter elogioso ao presidente Bolsonaro, assinado pelo movimento “Endireita Niterói”, praticamente ao lado de onde estava o outdoor do SINTUFF.
Nós, do PSTU, entendemos a ação de remoção clandestina do outdoor como um ataque direto às liberdades democráticas e conclamamos todas as organizações sindicais, políticas e dos movimentos sociais comprometidas com a luta em defesa das liberdades democráticas, tendo ou não acordo com a linha política expressa no material, a repudiar tal ato.