A campanha internacional que os círculos imperialistas estão realizando sobre a expropriação das empresas petrolíferas mexicanas, feita pelo governo do México, caracteriza-se por possuir todos os traços dos festivais propagandísticos do imperialismo: combina o descaramento, a mentira e a exploração da ignorância com a mesma certeza de sua própria impunidade.

O governo britânico iniciou esta campanha ao declarar o boicote ao petróleo mexicano. O boicote, como se sabe, sempre envolve o auto-boicote e, portanto, vem acompanhado de grandes sacrifícios por parte de quem o faz. A Grã-Bretanha era, até pouco tempo atrás, o maior consumidor de petróleo mexicano; claro que não o era por simpatia para com o povo mexicano, mas sim em consideração a seus próprios benefícios.

O maior consumidor de petróleo na Grã-Bretanha é o próprio Estado, em função de sua gigantesca armada e do rápido crescimento de sua força aérea. O boicote do governo inglês ao petróleo mexicano significava, então, um boicote simultâneo não só à indústria britânica, mas também à defesa nacional. O governo do Sr. Chamberlain [primeiro ministro da Inglaterra] mostrou, com franqueza fora do comum, que os benefícios dos ladrões capitalistas britânicos estão acima dos interesses do Estado. As classes e os povos oprimidos devem apreender esta conclusão fundamental em toda sua profundidade (…)

A Doutrina Monroe(1) aconselhava a oficialidade britânica a se abster de realizar um bloqueio naval-militar às costas mexicanas. Devem atuar por meio de agentes internos, os quais, na verdade, não agitam abertamente a bandeira britânica, ainda que estejam favorecendo os mesmos interesses aos quais serve Chamberlain, os interesses de uma quadrilha de magnatas do petróleo.

Com o objetivo de comprometê-la [a expropriação] perante os olhos da opinião pública burguesa, [os imperialistas] apresentam a expropriação como uma medida “comunista”.
Combina-se aqui a ignorância histórica à falcatrua deliberada. O México semicolonial está lutando por sua independência nacional, política e econômica. Esse é o significado elementar da revolução mexicana nesta etapa. Os magnatas do petróleo não são capitalistas massivos, não são burgueses normais. Tendo-se apoderado das maiores riquezas naturais de um país estrangeiro – sustentados por seus bilhões e apoiados pelas forças militares e diplomáticas de suas respectivas metrópoles –, fazem o possível para estabelecer no país subjugado um regime de feudalismo imperialista, submetendo a legislação, a jurisprudência e a administração. Sob estas condições, a expropriação é o único meio efetivo para salvaguardar a independência nacional e as condições básicas da democracia.

Qual direção virá a tomar o posterior desenvolvimento econômico do México depende, decisivamente, de fatores de caráter internacional. Mas isso é uma questão que pertence ao futuro. A revolução mexicana está agora realizando o mesmo trabalho que, por exemplo, fizeram os Estados Unidos da América do Norte em três quartos de século, começando com a Guerra Revolucionária da Independência e terminando com a Guerra Civil pela abolição da escravidão e a unidade nacional. O governo britânico não só fez todo o possível, ao final do século XVIII, para manter os EUA sob a categoria de colônia senão que, mais tarde, durante os anos da Guerra Civil, apoiou os escravistas do Sul contra os abolicionistas do Norte esforçando-se, em benefício de seus interesses imperialistas, em quebrar a jovem república, para deixá-la em um estado de atraso econômico e desagregação nacional.

Também para os Chamberlains desse tempo, a expropriação dos escravistas parecia uma diabólica medida “bolchevique”. Na verdade, a tarefa histórica dos nortistas consistia em preparar o terreno para um desenvolvimento democrático e independente da sociedade burguesa. Precisamente esta tarefa está sendo resolvida nesta etapa, pelo governo do México. O general Cárdenas é um desses homens de Estado, em seu país, que realizaram tarefas comparáveis às de Washington, Jefferson, Abraham Lincoln e do general Grant. E, obviamente, não é acidental que o governo britânico, também neste caso, encontre-se do outro lado da trincheira histórica. Por absurdo que pareça, a imprensa mundial, em particular a francesa, continua arrastando meu nome em torno à expropriação da indústria petrolífera mexicana. Se já neguei esta estupidez não é por temor a tal “responsabilidade”, como insinuou um eloqüente agente da GPU [polícia política da ex-URSS que, pouco tempo depois, encarregou-se de assassinar Trotsky no México]. Ao contrário, consideraria uma honra assumir – ainda que fosse uma parte – da responsabilidade por esta valorosa e progressista medida do governo mexicano. Mas não tenho o mínimo fundamento para tanto. Soube pela primeira vez do decreto de expropriação pelos jornais. Mas, naturalmente, não é esta a questão central.

O envolvimento de meu nome visa cumprir dois objetivos. Primeiro, os organizadores da campanha desejam embutir à expropriação uma coloração “bolchevique”. Segundo, pretendem atacar o respeito nacional mexicano. Os imperialistas empenham-se em apresentar o fato como se os homens de Estado do México fossem incapazes de determinar seu próprio rumo. Uma psicologia escravista hereditária, indigna e mesquinha! Precisamente porque o México ainda hoje pertence àquelas nações atrasadas, que apenas agora se vêem impulsionadas a lutar por sua independência, concebem-se idéias mais audaciosas em seus homens de Estado do que as que correspondem às escórias conservadoras de um passado grandioso. Já presenciamos fenômenos semelhantes na história mais de uma vez!

O semanário francês Marianne, um destacado órgão da Frente Popular francesa, chegou a assegurar que, na questão do petróleo, o governo do general Cárdenas atuou não só com Trotsky, mas também… a favor dos interesses de Hitler. Como podem ver, trata-se de privar de petróleo, em caso de guerra, às grandes “democracias” do coração imperialista e, como contrapartida, suprir a Alemanha e outras nações fascistas. Isso não é nem um tiquinho mais sensato que os Processos de Moscou. A humanidade toma conhecimento, não sem espanto, que a Grã-Bretanha foi privada do petróleo mexicano por má-vontade do general Cárdenas, e não pelo boicote do próprio Sr. Chamberlain (…)

No entanto, abandonemos à sua própria sorte os palhaços e mexeriqueiros. Eles não nos interessam, mas sim os operários com consciência de classe de todo o mundo. Sem se deixar levar pelas ilusões e sem temer as calúnias, os operários avançados apoiarão completamente o povo mexicano em sua luta contra os imperialistas. A expropriação do petróleo não é nem socialista, nem comunista. É uma medida de defesa nacional altamente progressista. É claro, Marx não considerava Abraham Lincoln [presidente dos EUA durante a Guerra Civil 1860-66] um comunista; isto, no entanto, não impediu Marx de ter a mais profunda simpatia pela luta que Lincoln dirigiu. A I Internacional enviou ao presidente da Guerra Civil uma mensagem de congratulações(2) e Lincoln, em resposta, agradeceu imensamente esse apoio moral.

O proletariado internacional não tem nenhuma razão para identificar seu programa com o programa do governo mexicano. Os revolucionários não têm nenhuma necessidade de mudar sua cor ou se curvar em reverências, à maneira da escola de cortesãos da GPU, os quais, em um momento de perigo, vendem e traem o mais fraco. Sem renunciar à sua própria identidade, todas as organizações honestas da classe operária no mundo inteiro, e principalmente na Grã-Bretanha, têm o dever de assumir uma posição irreconciliável contra os ladrões imperialistas, sua diplomacia, sua imprensa e sua corte fascista. A causa do México – como a da Espanha e a da China(3) – é a causa da classe operária internacional. A luta pelo petróleo mexicano é só uma das escaramuças de vanguarda que antecedem as futuras batalhas entre opressores e oprimidos.

Trotsky, 5 de junho de 1938
Post author Leon Trotsky
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