Foto Thiago Sombra/Divulgação
Antonio Rodrigues Belon

Biografia, bibliografia e percurso

Em situação

Thiago de Mello viveu entre 30 de março de 1926 e 14 de janeiro de 2022. Vale ponderar: esteve presente em cerca de três quartos do Século Vinte e quase um quarto do Século Vinte e Um.

Foi o tempo do Modernismo. Um tempo de poesia em sucessivas contemporaneidades: a Geração de 45, a poesia participante e os desdobramentos, comportando pormenores inesgotáveis em breve aproximação. Chegando aos tempos da Internet.

Na análise da conjuntura cabe mencionar a República – a República Velha, o período Vargas, o Estado Novo, o interregno democrático, o Regime Militar, a Nova República e o hoje com a sua escuridão forte e própria, contraposta ao clarão de todos os cantos e cantares.

Viver sonhando e morrer dormindo

Thiago de Mello morreu dormindo. Deixa a mulher e três filhos. Aos 95 anos a sua vida apresentava as características da idade – um desgaste inevitável.

A sua existência ficou marcada pelo exílio. E no exílio pelas amizades: Pablo Neruda (1904-1973), Júlio Cortázar (1914-1984), Jorge Luís Borges (1899-1986), Nicanor Parra (1914-2018), Alejo Carpentier (1904-1980) e Gabriel García Márquez (1927-2014), escritores; e, Fidel Castro (1926-2016), entre os lutadores. Um conjunto de figuras públicas marcantes, sem exceção.

E viver escrevendo

O poeta escreveu e publicou – nesta lista a maioria dos títulos – “Silêncio e Palavra” (1951), “Narciso Cego” (1952), “A Lenda da Rosa” (1956), “Vento geral” (1960), “Faz Escuro Mas Eu Canto” (1965), “Faz Escuro Mas Eu Canto: a canção do amor armado” antologia poética (1966), “Poesia comprometida com a minha e a tua vida: pequena história natural do homem no fim que vem vindo do século vinte” (1975), “Mormaço na Floresta” (1986) e “Acerto de Contas” (2016).

Publicou em espanhol “Madrugada campesina” (1962), no Chile. E ainda publicou a tradução: “Poetas da América de Canto Castelhano” (2014).

O endereço poético de Thiago de Mello

Morou na casa do Romantismo. O engajamento nas lutas do período e dos lugares onde viveu foi a sua constante – sempre na perspectiva da classe trabalhadora e dos setores populares. Nunca abandonou as especulações metafísicas. Nem deixou de ser o amazonense – o caboclo de origem. Mas sempre morou na casa da linguagem.

Em certo momento em que se empregava muito a palavra guru, foi um deles. Mestre, exercitava uma espécie de carisma. Guru de gurus.

Tradutor e ensaísta circulava entre grandes editores. De profissão foi diplomata. “Os Estatutos do Homem” repercutiram e alcançaram o mundo – um marco de sua escrita, não era toda a sua poesia.

O engajamento e a poesia

O engajamento, o explícito compromisso com a vida expresso em participação nas lutas é um capítulo da trajetória de Thiago de Mello. O combate ao regime militar desde o primeiro momento um traço básico. E as lutas afins completam o quadro.

No entanto, é necessário destacar a repercussão e a fortuna crítica da poesia do amazonense. A poesia dele vale pelo que ela é – isto é uma fala simples, mas necessária. Ou seja, ler Thiago de Mello é andar de mãos dadas com a poesia, hoje mais que nunca.

O pacote Thiago de Mello exige rasgar os rótulos e entrar pelos seus poemas adentro. O engajamento e a poesia, embora inseparáveis, constituem instâncias diferentes.

Os estatutos da poesia

Ao retornar ao Brasil e ao Amazonas o poeta se põe uma outra luta – a ecologia. Cuidar do mundo onde – nós, a humanidade – habitamos. No entanto, habitar a linguagem continua, para ele, um jeito de habitar a vida. A escuridão, os cantares e as manhãs convergem em sua escrita. Nas convergências entre a arte e humanidade – uma confirma a outra.

Os estatutos do homem, um manifesto do e pelo homem, um programa do e pelo homem: isto tudo exige uma forma de expressão chamada poesia. Um poesia indivisa; um poeta indiviso: um Thiago de Mello.

A poesia – um poema

Em “Poesia contemporânea comprometida com a minha e a tua vida”, Thiago de Mello – aqui transcrito como citação e exemplo – apresenta-se, em síntese, fora do eixo predominante nas leituras repetidas, mantendo as tonalidades originais de seus “Os Estatutos do Homem”.

Amor, além do Ofício

Trabalho de homem para homem,

palavra que me faz ser,

escrever não seja ofício

alheio ao chão de viver.

Tenha sempre a tessitura

alada da claridão,

mas principalmente seja

de serventia a quem vive

ferido na escuridão.

Como estrela que escalavra

os ferros da servidão,

tição varando as funduras

escuras do coração.

Ofereço arte poética?

Inauguro nova flor?

Não.

Entrego um rumo de amor.