Daniel Alves durante jogo do campeonato espanhol

Por que não somos todos macacos?

No último domingo, 27 de abril, a partida entre Barcelona e Villarreal pelo campeonato espanhol, foi palco de mais uma demonstração de racismo, quando aos trinta minutos do segundo tempo um torcedor arremessou uma banana em direção ao lateral-direita brasileiro, Daniel Alves.

Diferente de todas as respostas já presenciadas, ironicamente, Daniel caminhou até a fruta e comeu a banana. Naquele momento, Daniel Alves colocou a banana de volta ao seu devido lugar: não como um “artefato” de demonstração e assimilação da ideia racista que remete negros a macacos, mas, sim, como uma fruta. Sem dúvida, naquele momento Daniel Alves fazia um gol contra o racismo, surpreendendo aqueles que arremessaram a banana na intenção de animalizar, desqualificar e subjulgar o jogador.

Na sequência, o jogador Neymar resolveu prestar sua solidariedade a Daniel Alves pelo ocorrido. Apesar das boas intenções, o camisa 10 mandou uma bola fora, escorregou na casca da banana ao lançar uma campanha com conteúdo  racista de #Somostodosmacacos. Ao que tudo indica, orientado por sua agência de publicidade, a “Loducca”, em uma jogada de marketing, fez circular nas redes sociais sua foto comendo banana junto com seu filho.

A necessidade de lutar contra o racismo é urgente
Todo debate que se abriu a partir do ocorrido só demonstra o quanto o racismo, nos gramados e na sociedade, vem se demonstrando de maneira intensa no último período. Que o digam Balotelli, Tinga, Arouca, o árbitro Márcio Chagas da Silva que sofreram outros casos de racismo nos gramados.

Na Europa, o aumento das políticas segregacionistas e anti-imigração aprofundam o espaço para manifestações racistas como essa, incentivada pelos governos como forma de responder ao problema da crise econômica, culpabilizando os povos e nacionalidades oprimidas na tentativa de esconder a derrota da política econômica neoliberal de seus países, que seguem priorizando os investimentos aos empresários, banqueiros, o FMI e a falida União Europeia. Evidentemente, a vida desses jogadores em nada se assemelha, por sua condição material e de classe, ao racismo que sofrem os imigrantes e aos trabalhadores negros e negras do continente europeu. No entanto, foram alvos dessa ideologia racista que rola solta e é estimulada pelos governos.

A atitude de Daniel Alves é progressiva e categórica na medida em que surpreendeu os racistas, desqualificando o insulto e, assim, mudando o destino do que seria “simplesmente” mais um caso de racismo nos gramados europeus.

No entanto, é urgente que a atitude seja só um início de outros passos que devemos dar no combate ao racismo. Não basta “comermos as bananas” que os racistas nos jogam, é preciso pôr fim a esses arremessos que só tem uma única finalidade: propagar a ideologia racista de que negros são tão inferiores e tão animais quanto os primatas. E essa responsabilidade de tomar providências e combater os casos com rigor é, sim, da FIFA, dos clubes e também dos governos.

 

A animalização dos negros e negras tem história
Em nosso país, há um amplo senso comum da inexistência do racismo. Os defensores dessa ideia sustentam que, por sermos um país miscigenado, teríamos abolido, desde o início de nossa colonização, o racismo e que casa grande e senzala sempre caminharam juntas e muito bem obrigada, numa verdadeira “democracia racial”. Isso tudo, contudo, não passa de uma enorme mentira.

A ideia de existirem raças biologicamente diferentes surgiu da burguesia europeia. Teve entre seus precursores o “suposto cientista” Francis Galton (1822 – 1911) um dos responsáveis por formular a teoria eugênica. A palavra eugenia (eu=Bom e Genisis = geração), que pode significar os bons genes ou bem-nascidos, propunha iniciar estudos “genéticos e científicos” que justificassem as diferenças entre brancos e negros. É dessa época a ideia que assemelha, biologicamente, os negros aos seres mais atrasados, possíveis apenas de serem comparados aos macacos.

Esse período, não por coincidência, marca o início da fase imperialista do capitalismo e da segunda Revolução Industrial na Europa. Na época, era necessário à burguesia criar uma ideologia capaz de justificar o tráfico de seres humanos livres e a colonização em larga escala no mundo de povos não-brancos. Como já afirmou a professora Silvia Hunold, da Unicamp – no artigo “Trabalhadores Escravos” – “o racismo constitui-se em uma ideologia que retrospectivamente justificou a dominação e a exploração do trabalho escravo durante a escravidão e, principalmente, forneceu as bases dos projetos e das práticas de dominação dos trabalhadores no período pós-abolição”. Uma ideologia criada pela elite, em sua imensa maioria branca, em todo mundo. Afinal, qual seria então o problema de enriquecer, explorar e comercializar supostos animais, desprovidos de sentimento e alma?

A ideia, inclusive, não era uma novidade e, talvez, teve sua versão mais asquerosa em um livro – “História da Jamaica” –, escrito por M. Long, em 1774, no período da primeira Revolução Industrial, no qual consta a seguinte afirmação: “Não se poderia afirmar que eles (os negros) são radicalmente inaptos à civilização, pois mesmo a macacos pode-se ensinar a comer, beber, repousar e se vestir como homens. Mas, entre todas as espécies de seres humanos (…) parecem ser os negros os mais incapazes, visto a inferioridade natural do seu espírito para pensar e agir como homens, salvo uma intervenção miraculosa da Divina Providência, penso que não seria desonroso para uma mulher hotentote (um povo africano) ter um orangotango como marido”.

Ideologias a serviço da exploração e da destruição da identidade negra
A teoria do embranquecimento, uma criação “tipicamente brasileira”, do fim do século 19, apoiou-se na teoria eugênica da diferença entre as raças e da naturalização da inferioridade genética dos negros, repetindo, inclusive, os mesmos “argumentos”, como em “Africanos no Brasil”, escrito por Nina Rodrigues e Silvio Romero, seus principais porta-vozes: “A constituição orgânica do negro, modelado pelo habitat físico e moral em que se desenvolveu, não comporta uma adaptação à civilização das raças superiores, produtos de meios físicos e culturais diferentes”. Para eles, para existir “progresso” era preciso “ordem”, coisa que só os “brancos civilizados” poderiam impor.

Dito tudo isso, passamos a compreender nosso país de outra forma.  Nosso país não foi e não é livre do racismo. A miscigenação não foi e nem será capaz de acabar com o racismo. A miscigenação foi uma arma da elite europeia e, posteriormente, a brasileira, para embranquecer nosso país à custa do estupro de centenas de mulheres negras durante os mais de 350 anos de escravidão, na sua busca por embranquecimento e seu suposto “progresso”.

Nós somos um país misturado hoje, mas um país que faz todo esforço para esconder a história negra e os próprios negros do seu passado e do seu presente. Portanto, prima a máxima de que só existe uma “raça humana”, “somos todos iguais”, e assim por diante, desconsiderando que o próprio conceito de “raças” e, consequentemente, o racismo foram criações da burguesia. Agem como se não houvesse brancos e negros no Brasil. E ai sim, do ponto de vista político-econômico e social, ignoram um tratamento profundamente desigual entre essas raças, negra e branca.

Negar nossas desigualdades no campo político-econômico e social, não ajuda a avançarmos no combate ao racismo. É da compreensão que existem diferenças e que brancos possuem privilégios que negros não possuem, que poderemos avançar, de fato, colocando, lado a lado, brancos e negros da classe trabalhadora no combate ao racismo. Esconder realidades tão diferentes só facilita à burguesia difundir sua ideia de que estamos todos em pé de igualdade de condições. E acaba por aprofundar o racismo, por não percebermos o protagonismo que os negros tiveram em sua resistência e na formação do nosso país.

A ideologia de animalizar os negros não se propõe a romper nenhum privilégio. Ao contrário, torna-os inferior aos seres humanos. A trabalhadora Claudia Ferreira que foi arrastada pela polícia do Rio de Janeiro por mais de 250 metros é um exemplo da coisificação do negro. O morador de rua, negro, também no Rio, que foi laçado e amarrado a um poste como um animal mostra o quanto é nefasta essa comparação aos macacos. Esses e tantos outros casos, como o bailarino Douglas (DG) e de outros negros, mostram o porquê em nosso país um negro tem 132% mais chances de morrer que um branco. Porque a nossa vida, parece ser “menos humana”, passível de ser descartada ao bel prazer de quem queira.

Somos negros, somos negras, não somos macacos!
No slogan do vídeo lançado pela agência publicitária de Neymar, há a seguinte mensagem por trás da campanha: A melhor forma de acabar com um preconceito é não se irritar, é naturalizando a ação como um fato comum para que, enfim, seja possível aliviar o peso da opressão.

Nós do PSTU, discordamos dessa afirmação. A melhor maneira de acabar com o preconceito é tornando-o visível, “desnaturalizando” os preconceitos e cortando-o pela raiz, em toda sua dimensão. Nenhum negro e nenhuma negra são obrigados a conviver pacificamente com a opressão, nem tem o dever de se alienar e tomar a opressão como algo natural. Como também, nenhum negro ou negra deve carregar o peso do racismo, de qualquer forma que ele se apresente, pelo simples fato de serem negros.

E nesse caso, diga-se de passagem, o peso do racismo que Neymar, Daniel Alves e os outros jogadores sentem e sofrem, e sua possibilidade de resposta, é radicalmente diferente ao que viveram Amarildo, Claudia, Jean, DG e tantos outros, que pelo simples fato de serem negros pobres e trabalhadores, acabaram por pagar com o peso das suas vidas.

Por isso, quando citamos Malcolm X e dizemos que “não há capitalismo sem racismo”, lembramos que não há como destruir as raízes do racismo, seja qual for sua expressão, sem irmos a fundo na destruição das bases capitalistas que dão origem a essa opressão. E essa é uma tarefa internacional e de todos os oprimidos e explorados da classe trabalhadora na construção de uma nova sociedade.

Queremos que os negros e negras possam ter orgulho de se reconhecer como afrodescendentes sem que isso os assemelhe aos macacos. Ou sem que tenham o mesmo destino de seus irmão e irmãs que tiveram suas vidas roubadas pela política racista das UPP’s e dos governos de plantão ao promoverem a faxina étnico-racial para mostrarmos uma vitrine branca no país na Copa.

Seguindo a onda, atores, celebridades, alguns inclusive nada familiares à defesa da população negra (muito pelo contrário) como Datena e Reinaldo Azevedo, entraram para a campanha do #somsotodosmacacos e tiraram fotos com bananas. Luciano HucK que também aderiu à campanha, como o bom burguês que é, já pensou em como lucrar com a história, lançando uma camiseta Na semana passada, Aécio Neves também tirou foto se reivindicando negro na campanha promovida pelos “tucanafros”. A posição da presidente Dilma foi a de elogiar a ação de Daniel e Neymar, pois caminha no sentido de construirmos uma “copa das cores” sem racismo.

Propomos, aqui, uma reflexão, a todos e todas (brancos e negros) que querem lutar contra o racismo. Até onde é possível avançarmos para mudar a realidade racista dos gramados e da sociedade se o máximo que essa campanha oferece é seguirmos tratando a animalização do negro como algo natural? Teríamos nós, negros e negras, o dever de comer quantas bananas para deixarmos a história do racismo de lado? (como defendeu Danilo Gentilli em uma mensagem ao ativista Thiago Ribeiro, em 2012).

É mais eficiente nos assumirmos como macacos ao invés de seres humanos negros? Haveria alguma chance de DG, Amarildo ou Claudia, ou outros pretos pobres, vítimas do genocídio, terem tido o peso do racismo suavizado pela ação da campanha #somostodosmacacos? Na nossa opinião, não!

 

  # SOMOS NEGROS, SOMOS NEGRAS, BANANAS PARA O RACISMO!

# Fifa e CBF, exigimos punição aos casos de racismo!

# Contra violência racista na copa.

# Pelo fim do genocídio ao povo negro e trabalhador

# Desmilitarização,já! – Contra a violência e a faxina étnica!