Secretaria Nacional de Mulheres do PSTU

Marina Cintra e Érika Andreassy 

Nos últimos dias, um dos assuntos mais discutidos nas redes sociais, especialmente no Twitter, está sendo o tema da indústria da pornografia. O tema ganhou repercussão devido à polêmica em torno da história de Mia Khalifa, ex-atriz pornô, conhecida especialmente pelo filme em que aparece fazendo sexo usando hijab (véu usado pelas mulheres islâmicas para cobrir a cabeça) – o que a levou a receber ameaças de morte pelo Estado Islâmico – e hoje luta para ter o domínio de seu nome na Internet, para evitar, por exemplo, que a empresa volte a usar seus vídeos. Mia declarou nas suas redes sociais que “está lutando sozinha contra a empresa bilionária”.

Entretanto, os debates logo se tornaram muito maiores. Nas discussões, por um lado, muitas pessoas questionam a relação da indústria com a exploração sexual de crianças e mulheres ou com o tráfico de pessoas. De outro, muitos argumentando se a pornografia, quando feita com consentimento e segurança, não poderia ser considerada legítima. Nesse artigo buscaremos discutir um pouco o que é a indústria pornográfica e o que representa para as mulheres.

Um grande negócio

É difícil encontrar fontes confiáveis que avaliem os lucros e o tamanho real da indústria pornográfica, mas sabe-se que é responsável pela movimentação de milhões de dólares todos os anos. Estima-se que globalmente a indústria pornográfica vale cerca de 100 bilhões de dólares[i] e gere milhares de empregos diretos e indiretos.

A quantidade de material e de acessos que os sites pornô concentram também são impressionantes. Existem cerca de 25 milhões de sites pornôs, o que representa 12% de todos os sites da internet e mais de 30% de todo o tráfego online.[ii] Os maiores como LiveJasmin, Tube8 e YouPorn, por exemplo, têm números de visitantes comparáveis ao Google e ao Facebook. Só a XVideos, tem uma média de 4,4 bilhões de visitas por mês, o triplo do que um grande site de notícias, como a CNN, consegue no mesmo período.[iii] Segundo levantamento de Gail Dines, pesquisadora da área, a pornografia é mais acessada que a Netflix, Amazon e o Twitter juntos.[iv]

Se a internet deu um grande impulso à indústria da pornografia, pode-se dizer que com a pandemia o mercado disparou. Dados de março de 2020, disponibilizados pelas grandes produtoras, apontaram que sites e canais com conteúdo pornográfico apresentaram um aumento de 50% no consumo. O Porn Hub, um dos inúmeros sites com essa temática nas redes e que tem cerca de 100 milhões de acessos por dia, teve no Brasil, um crescimento de 13,1% no tráfego diário até o dia 17 de março. Já o site nacional Brasileirinhas também apresentou um crescimento substancial, dobrando as assinaturas diárias de 300 para 600 por dia, somente no mês de março.

Os Estados Unidos é o principal produtor de pornografia, sendo que somente na Califórnia, são produzidos, todos os anos, cerca de 11.000 filmes de pornô hardcore, o que nos dá um pouco mais de noção deste mercado, que além de gerar muito lucro tem um espaço gigantesco para crescimento e consumo, pois é facilmente acessado por uma parcela grande das pessoas, inclusive porque a maior parte de seus conteúdos são gratuitos.  Mas, existem problemas por detrás disso? O que pensamos sobre esse tema?

Por trás das câmeras

Em 2014 foi divulgado um vídeo no canal do Youtube da USP que retrata um pouco a situação das atrizes pornô. Os relatos mostram que nos bastidores da indústria pornográfica o que prevalece é o machismo e a violência. Não raro as mulheres são obrigadas a participar de cenas que não querem ou são coagidas a usar drogas, em caso de abuso tampouco tem a quem recorrer, além da extrema vulnerabilidade para adquirir doenças sexualmente transmissíveis.

Segundo dados da Pink Cross Fundation (instituição fundada pela ex-atriz americana, Shellen Lubben), a expectativa média de vida de uma atriz pornô é de 36 anos, 70% dos diagnósticos de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs) nesse meio atingem mulheres; das cenas pornográficas mais acessadas 88% contém agressão física –principalmente tapas e bofetadas– e em 49% havia agressão verbal, sendo que em 70% são cometidos por homens e em 94% das ocasiões, as vítimas são mulheres. De cerca de 2.000 atrizes pornô que estavam em atividade no Vale de San Fernando, na Califórnia (EUA), entre 2003 e 2014, 206 morreram de Aids, suicídio, homicídio e abuso de drogas.  Essa estatística é representativa porque a região concentra 85% da produção mundial de filmes pornográficos.

Em 2018, a morte de 5 atrizes em menos de 3 meses, a maioria por suicídio e overdose, estremeceu a indústria pornográfica e levantou questionamentos sobre o tratamento dado às mulheres que atuam no meio bem como o preconceito e o estigma que as cercam.  Ao contrário do imaginário popular, o mundo pornô tem muito pouco de glamour, mas está repleto de históricos de transtornos emocionais, violência física e emocional, drogas e tendências suicidas.

Um caso emblemático e que ajuda a dar um panorama da violência e machismo que cerca a indústria pornográfica é a história de Linda Lovelace, protagonista de Garganta Profunda, filme da década de 70 que faturou milhões de dólares na época (estima-se em 600 milhões, embora haja controvérsias) sendo que naquele momento, a indústria pornográfica estava apenas começando e ainda não tinha a internet como forma de acesso. Linda, que anos depois se tornou ativista contra a indústria pornográfica relata em sua biografia que gravava muitos dos seus filmes com uma arma apontada na cabeça, muito tempo após “estrelar” Garganta Profunda, afirmou que “Se você vê ‘Garganta Profunda’ está me vendo ser estuprada”, já que teria sido coagida pelo ex-marido para fazer o filme.

Ou seja, por detrás das câmeras, na maioria das vezes, o que se vê são mulheres que estão sendo exploradas sexualmente e expostas à violência extrema.

E o problema não para por aí, também é muito comum sites pornô que disponibilizam vídeo com crianças e/ou adolescentes. Categorias como “teens” ou “novinhas com velhos” estão entre os mais acessados e estão lá disponíveis para quem quiser ver. Em relação à pedofilia, segundo o National Center for Missing and Exploited Children (Centro Nacional para Crianças Desaparecidas e Exploradas), 20% de toda a pornografia disponível na internet possui abuso sexual de crianças. Se o argumento do consentimento já é bastante questionável mesmo em se tratando de mulheres adultas, como podemos ver pelos exemplos acima, nesse caso eles sequer podem ser levantados. A situação é ainda pior na “Deep Web” (considerado o submundo da internet por seu acesso ser criptografado), onde a procura por pornografia infantil é enorme.

Outra categoria muito acessada é a de “lésbicas”, que na verdade contribui para a fetichização das mulheres lésbicas e bissexuais, e a “shemale” (nome pejorativo para se referir a travestis), que é uma das mais acessadas no Brasil. A contradição de tudo isso é que o Brasil é um dos países que mais mata LGBTs no mundo, especialmente mulheres trans, ou seja, esses dados refletem que as mulheres LBTs servem muito bem de mercadoria com objetivo de prazer sexual. Entretanto, não podem passar disso.

O racismo também é muito presente no mercado pornográfico. Numa olhada rápida em qualquer um dos principais sites pornôs, é possível encontrar títulos que promovem estereótipos raciais ofensivos, como por exemplo alguns termos de pesquisa sugeridos aos usuários do PornHub como “adolescentes negras exploradas”, “mulheres negras” e “escravas negras”.

Como se pode ver o grande problema da indústria pornográfica é que esconde muita violência, humilhação, estupro e vulnerabilidades por trás das câmeras e isso tudo isso para gerar bilhões em lucros para os empresários desse ramo. Dessa forma, coloca novamente as mulheres numa situação de mercadoria, objetificação e desumanização, o que contribui para fomentar a cultura do estupro, do machismo, racismo e LGBTfobia.

Falsas promessas

Muitos podem se perguntar se a pornografia é tão ruim quanto dizem, por que há tantas pessoas trabalhando nisso?

Há, evidentemente, muitas respostas para essa questão. Muitas jovens são literalmente seduzidas pela promessa de um emprego fácil e bem remunerado ou levadas a acreditar que a indústria pornô seria um empreendimento sexy e cheio de glamour. Segundo um ator pornô masculino entrevistado no filme Hot Girls Wanted (disponível na Netflix), “há um afluxo de garotas que querem fazer pornografia. Muitas delas sabem que é uma armadilha, mas o dinheiro está bem na sua cara. Eles aceitam e esperam pelo melhor”.

Mas também não são raros os casos de mulheres que entram para esse meio por puro desespero, porque precisam de dinheiro. Uma grande parte –se não a maioria– tem um histórico de abuso sexual e/ou violência familiar.

Indústria pornográfica e tráfico humano

A falta de informações confiáveis e a subnotificação não permite estabelecer uma relação direta entre o tráfico de pessoas e a indústria da pornografia. Entretanto, há enormes indícios que a indústria pornográfica se alimenta do tráfico humano, conforme revela artigo da Gazeta do Povo publicado em 2019, que aborda pesquisas publicadas no “Public Discourse”, “Fight the New Drug” e “Harvard Journal of Law and Public Policy” e que mostram que quase todas as crianças que aparecem em filmes pornôs e uma parte considerável das mulheres na realidade são vítimas de tráfico sexual.  O problema é que existe pouca pesquisa ou dados sobre isso, que relacionam o tráfico sexual apenas à prostituição, mas essas duas realidades andam bastante juntas.

Pornografia e capitalismo

O tema da pornografia, assim como o da prostituição e do tráfico de pessoas se relacionam e mostram a brutalidade da relação de opressão sob o capitalismo. Se bem a pornografia surgiu como uma revolta ao puritanismo e o moralismo religioso, hoje serve para reforçar a opressão, seja por fortalecer determinados estereótipos, objetificar o corpo feminino, por naturalizar a violência contra as mulheres ou transformar o sexo e o desejo em mercadorias. E isso só é possível de acontecer porque o machismo, o racismo e a LGBTfobia são parte desse sistema.

O capitalismo desumaniza e aliena as pessoas e usa isso em seu próprio benefício, por isso a indústria da pornografia consegue lucros tão altos como colocamos acima. E é por isso também que defendemos o fim da indústria pornográfica. Não por um tema moralista, de que as pessoas não podem sentir prazer sexual ou sentir vontades e desejos sexuais, mas sim pelo que a indústria pornográfica representa e também pelo que existe por trás dela: o tráfico de pessoas, vulnerabilidade, coerção, prostituição. É isso que não podemos aceitar. Existe muita gente lucrando com isso, cafetões, grandes empresários, às custas da opressão e da exploração sexual de milhares de mulheres e crianças ao redor do mundo.

Ao contrário do que defendem as pós-modernas, de que é possível subverter a pornografia nos marcos do capitalismo e colocá-la a serviço da liberdade sexual da mulher, nós dizemos que isso é uma ilusão. A pornografia não é atemporal, como parte da indústria capitalista a preocupação de quem produz e vende pornografia é única e exclusivamente com a quantidade de lucro que pode gerar.

A luta pela liberdade sexual da mulher, como parte da luta contra a opressão só é possível se travada sob uma perspectiva anticapitalista, até porque a opressão não pode ser erradicada enquanto o sistema que o produz continuar em vigor.

Em relação ao sexo, todo mundo tem direito de se descobrir e desenvolver sua sexualidade ao máximo. Sexo ainda é um grande tabu na sociedade, exemplo disso é que ainda não temos nas escolas públicas debates e aulas sobre educação sexual, sexualidade e gênero! Dessa forma, a pornografia se insere no meio da repressão sexual. A sexualidade deve ser livre, desde que isso envolva consentimento de todos! E pornografia e prostituição não são sinônimos de liberdade sexual, especialmente para as mulheres.

Todos esses debates mostram como o capitalismo ajuda a manter o machismo, o racismo e a LGBTfobia. Ao longo das décadas, as mulheres trabalhadoras, com muita luta, conseguiram conquistar muitos direitos, como o direito ao divórcio, ao voto, ao mercado de trabalho, em alguns países ao aborto legal. Entretanto, essas conquistas variam muito ao redor mundo e podem ser retiradas a qualquer momento. Além disso, vemos que mesmo assim ainda olhamos para uma situação de machismo, LGBTfobia e racismo muito forte que se mostra de maneira muito brutal, o exemplo do tráfico de mulheres é o que melhor ilustra essa realidade e seu crescimento aconteceu principalmente no século 21, assim como a indústria pornográfica.

É por isso que nossa luta pelos direitos das mulheres trabalhadoras e dos demais setores oprimidos deve ser incansável! Precisamos lutar para que cada vez mais as trabalhadoras tenham cada vez mais conquistas! Entretanto, a luta deve ter um norte também contra o capitalismo, pois dentro do capitalismo nunca conseguiremos ser livres de verdade. Venha lutar com a gente!

[i] https://www.nbcnews.com/business/business-news/things-are-looking-americas-porn-industry-n289431

[ii] https://www.businessinsider.in/this-is-how-porn-sites-make-money/articleshow/48385361.cms

[iii] http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,ERT301447-17770,00.html

[iv] https://www.huffpostbrasil.com/entry/internet-porn-stats_n_3187682?ri18n=true