No escritório:
– Ei, mané, tira pra mim cem copias deste ofício lá na Xerox e aproveita e traz um café!

Na fábrica:
– Então, Sr. Padilha, queria ver com o senhor se eu posso sair mais cedo hoje. É que tenho prova no Senai.
– Nem pensar porra! Justo hoje que a produção está baixa! Estuda na hora do almoço.

Se você é estagiário ou já foi, com certeza já passou ou viu algum estagiário passar por uma situação parecida com essas. Atualmente, os estagiários são submetidos à dura exploração e humilhações. Porém, num país com alto índice de desemprego na juventude, o estágio acaba se tornando uma das poucas maneiras de o jovem ingressar no mercado de trabalho. Esse, que deveria servir como auxílio no aprendizado do estudante, serve, na verdade, para precarizar ainda mais o mundo do trabalho e encher o bolso dos patrões.

No último dia 26 de setembro, foi sancionada pelo presidente Lula a Lei 2419/07, que propõe mudanças nas regras do estágio. Com certeza muitos trabalhadores estagiários estão curiosos e ansiosos pela nova lei. Porém as mudanças propostas são limitadas e não atacam o mal pela raiz.

Trabalhadores estagiários sim!
Dizemos trabalhadores estagiários pela necessidade de deixar bem claro o que são os estagiários. Os patrões e governo tratam o estagiário como algo a parte dos trabalhadores. A impressão que querem passar é que estão fazendo um favor aos estudantes cedendo vagas para estágio.

Esse caráter fica claro quando analisamos a atual lei do estágio. A lei, criada em 1977, é enfática em não contemplar os trabalhadores estagiários na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Ela determina que o seguro contra acidentes pessoais é o único direito que os estagiários têm. A bolsa-auxílio, por exemplo, é opcional, e o único vínculo do estudante com a empresa se dá através de um Contrato de Estágio. Os estagiários são verdadeiros cowboys fora da lei.

Estagiário ou estaguinário?
O suposto objetivo do estágio é o aprendizado e a formação prática do jovem profissional para que ele chegue ao mundo do trabalho bem preparado e possa iniciar sua carreira. Os patrões, demagogicamente, dizem se preocupar com o desenvolvimento do aprendizado dos estudantes. Porém essa não é a realidade encontrada em fábricas, hospitais, escolas e órgãos públicos.

Na verdade, os estagiários são usados como mão-de-obra barata. A ganância da burguesia é maior do que a preocupação com o aprendizado dos jovens. Graças aos altos índices de desemprego na juventude, a patronal abusa do trabalho de estagiários para lucrar mais. Contratam estagiários para fazerem o mesmo trabalho de um profissional, porém pagando muito menos e sem encargos trabalhistas e direitos como FGTS, férias, 13º salário, licença-maternidade etc.

Nas fábricas, os estagiários são usados na produção operando máquinas ou como ajudantes. Muitos trabalham no chão de fábrica como qualquer operário, porém sem direitos trabalhistas.

Há um caso interessante contado por um jovem metalúrgico do ABC paulista, de que, numa assembléia realizada pelo sindicato na portaria da empresa, a gerência não deixou os estagiários saírem, argumentando que esses não têm vínculo empregatício. O fato engraçado é que o número de estagiários nessa fábrica é tão grande que a produção não parou: ela seguiu com o trabalho dos estagiários, enquanto os outros funcionários permaneciam na assembléia do lado de fora da empresa.

Em hospitais, há também vários casos de abusos contra estagiários. O primeiro é justamente o fato de a maioria não receber bolsa-auxílio. Para tentar compensar a falta de funcionários na saúde pública, as administrações dos hospitais expõem os estagiários a um extenso e estressante trabalho.

Um amigo que trabalha numa repartição pública do estado de São Paulo disse que “hoje em dia, é gritante, é tipo ‘tempos modernos’ versão escritório, serviço repetitivo e em massa, os estagiários fazem tudo, há poucos servidores concursados”.

O que a nova lei propõe
A nova lei sancionada por Lula limita a jornada de estagiários de ensino médio, profissional e superior a seis horas diárias. A dos alunos de educação especial e dos últimos anos do ensino fundamental ficou em quatro horas.

A concessão de bolsa e de auxílio-transporte nos casos de estágio não-obrigatório agora é obrigatória e, após um ano, os estagiários deverão receber férias remuneradas de 30 dias.

O estágio não pode ultrapassar dois anos de duração numa mesma instituição, exceto nos casos de estagiários com deficiência. Profissionais liberais também estão aptos a oferecer estágio. A lei também estabelece limites à contratação do estagiário, de acordo com o número de funcionários da instituição.

É importante ressaltar que o desemprego na juventude é muito grande. A juventude representa cerca de 45% dos desempregados do país. E o setor estudantil que mais sofre com isso, inclusive pelo peso numérico, são os secundaristas. São cerca de 8,9 milhões de estudantes secundaristas no país. As vagas de estágio oferecidas a esse setor chegam a 385 mil, 4,3%. Já os universitários, segundo pesquisas, ocupam cerca de 715 mil vagas em estágio.

Por conta dessa situação desesperada de desemprego, a burguesia se aproveita para explorar os estagiários. Por isso, estão se manifestando contra o projeto. Dizem que o fato da jornada ser reduzida para seis horas vai atrapalhar o desenvolvimento do aprendizado no serviço e que as férias de 30 dias tiram o estagiário do trabalho por muito tempo.

“Tempo esse que poderia estar sendo usado para o aprendizado na empresa”, diz uma consultora da Volkswagen. E ainda ameaça dizendo que reduzirá o número de vagas nas empresas, pois estas, agora, terão de arcar com mais custos como vale-transporte, convênio médico e bolsa-auxílio.

“Eu quero trabalho honesto / Em vez de escravidão”*
Muitos estudantes e trabalhadores, honestamente, acreditam que o projeto é um avanço para os estagiários. Nas fábricas e escolas, há um sentimento muito forte de que a situação do trabalho dos estagiários vai melhorar. Porém aí está um grande engano.

Esse sentimento é justo pela atual situação de precarização a que estão submetidos os jovens estagiários. Esses desempenham o mesmo papel de um profissional. Porém não são reconhecidos como tal.

A nova lei do estágio parece progressiva justamente porque ela tenta minimizar alguns efeitos da precarização. O governo tenta dar uma cara mais justa para o trabalho dos estagiários, reduzindo a jornada diária de trabalho, dando férias etc.

Concordamos com a redução da jornada de trabalho. Essa, inclusive, é uma das principais reivindicações da classe operária. Mas a discussão sobre o estágio é muito mais profunda, ainda mais na atual fase em que vivemos no capitalismo.

O trabalho precarizado é a marca do capitalismo. Seja no Brasil, seja na Europa, EUA ou Ásia, o conjunto da classe trabalhadora está cada vez mais sujeito a altos níveis de exploração. O sistema quase de escravidão a que são submetidos os trabalhadores chineses é conhecido e pôde ser visto, em parte, pelas câmeras que cobriram as Olimpíadas de Pequim.

Na Europa, testemunhamos nos últimos anos uma forte luta dos trabalhadores e, principalmente, da juventude e dos imigrantes contra os projetos neoliberais dos governos, ferindo direitos históricos como, por exemplo, o aumento da jornada de trabalho. Até mesmo no império norte-americano vimos, recentemente, lutas dos trabalhadores por melhores salários, contra o fechamento de fábricas, como a GM, e a luta do setor mais precarizado do país – os imigrantes.

A burguesia usa vários artifícios para explorar mais os trabalhadores para aumentar seus lucros. A terceirização, o aumento da jornada via banco de horas, o trabalho polivalente, as políticas de gestão como Kaizen-5S, trabalho temporário e tantos outros são exemplos práticos vividos nos locais de trabalho. O trabalho dos estagiários, também pode ser incluído nessa lista. E por quê? Porque o estagiário nada mais é que um trabalhador temporário, porém com muito menos direitos trabalhistas.

O estagiário, mesmo com a nova lei, executa funções no local de trabalho iguais às de qualquer profissional, mas não tem direitos trabalhistas. Quando é remunerado, recebe uma miséria.

É preciso dar atenção a esta situação que, para muitos, já se tornou comum. Os jovens estão sendo usados nas fábricas, nas empresas e nos órgãos públicos como mão-de-obra muito barata e qualificada para aumentar seus lucros. Nos órgãos públicos, para cobrir a falta de funcionários concursados.

Vamos lutar contra a precarização!
Jovens trabalhadores, não se enganem. O trabalho do estagiário continuará precarizado. Temos de lutar para acabar com a rotatividade que as empresas fazem com os estagiários.

As empresas contratam o estudante e, quando vence o contrato, os mandam embora em vez de efetivá-los. Aí, colocam outro estagiário no lugar e, assim, mantêm sua margem de lucro pagando baixos salários.

Defendemos que todos os estagiários sejam efetivados e façam parte do quadro de funcionários da empresa. Que os trabalhadores-estudantes tenham uma jornada de trabalho menor para melhor conciliarem trabalho e estudo.

Para que de fato o estágio tenha o caráter de aprendizado prático, para que seja uma verdadeira relação entre teoria e prática, defendemos que o estágio seja ampliado e integralmente remunerado pelo Estado, como parte de uma verdadeira política de educação sociocultural para a juventude.

O fim da exploração dos estagiários só pode se dar de fato numa dura luta contra a precarização do trabalho. Precisamos derrotar o capitalismo para garantir trabalho digno e qualificação justa para todos. Qualquer mediação ou medida compensatória, por melhor que esta possa parecer, não resolverá de fato o problema da exploração do trabalho juvenil.

Devemos exigir do governo Lula que incorpore as reivindicações dos estagiários. Os sindicatos, DCEs, e grêmios estudantis devem levantar essa bandeira e organizar uma campanha contra a precarização do trabalho do estagiário.

Vamos à luta como fez a juventude da França que, nos últimos anos, luta contra a precarização do trabalho e o desemprego.

  • Pela efetivação de todos os estagiários! Não à precarização do trabalho juvenil!
  • Por uma educação pública, gratuita e de qualidade para todos!
  • Não ao desemprego na juventude! Por mais emprego e cursos técnicos.

    * Trecho da música Fábrica, da Legião Urbana