No último domingo (10/9) ocorreu mais um exemplo nada novo de parceria interburguesa reacionária e ultraconservadora. Foi encerrada a exposição “Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira”, com curadoria do artista plástico gaúcho, Gaudêncio Fidelis. A mostra ficaria aberta ao público de 15/08 a 8/10, no Santander Cultural, em Porto Alegre, mas a administração do local obedeceu à lógica do capital, priorizando a exigência da clientela que garante seu lucro exorbitante.

Na abertura da exposição, o Santander Cultural apresentou o evento como uma forma de valorizar a diversidade sexual utilizando a temática LGBT. Embora o acesso a exposições artísticas nesse local não abranja a maior parte da população oprimida que mora nas periferias, a arte deve estar presente onde quer que seja. Uma obra de arte, como bem disse Walter Benjamin, é a resposta a uma provocação feita pela sociedade às condições adversas da vida. Mas é bem verdade que a porta cerrada no domingo já não estava totalmente aberta e essa restrição fortaleceu a imposição da burguesia facistóide. Ter nitidez da situação nos levará a engrandecer e organizar nossa luta contra mais esse ataque.

Marx expunha que a arte e a cultura representam as reservas de humanidade. São mostras da resistência humana em entregar-se ao capital e à sua coisificação. Numa sociedade dividida em classes, em que a burguesia recruta a arte e a coloca a serviço de seus próprios interesses, é comum vê-los odiosos quando uma das instituições que eles engordam os bolsos vai contra os seus podres padrões. Nesse caso o Santander Cultural, mantido pelo Banco Santander, preferiu não bater de frente com seus ricos clientes. Ao ver os comentários contra a exposição na página da empresa e o protesto em frente ao local da mostra, de imediato, anunciou o encerramento da exposição e ainda pediu desculpas por ter incomodado algum LGBTfóbico com a arte exposta no local. As ações foram assumidamente encabeçadas pelo MBL (Movimento Brasil Livre) que faz ataques constantes e sem qualquer escrúpulo às mulheres, negras e negros, LGBTs e quem mais eles acharem que podem.

Contraditoriamente o Santander virou alvo deles e chegou a ser chamado de “vergonha dos gaúchos”. O banco logo se sentiu ameaçado a perder seus clientes quando as lideranças do movimento pediram que seus correntistas, que mantém o centro cultural, encerrassem suas contas em protesto à exposição. Como dito no início desse texto, eis a lógica do capital: mexa com o bolso deles e lá se vão os projetos “politicamente corretos” que pretendiam ganhar outros públicos. Tudo gira em nome do lucro!

É óbvio que quando o Santander Cultural cancela uma Exposição Queer para atender aos interesses LGBTfóbicos do MBL, ele cumpre um papel reacionário, preconceituoso e conservador. Alimenta a manutenção de uma ideologia que oprime e serve ao capital para superexplorar os trabalhadores e trabalhadoras LGBTs. É preciso rechaçar veementemente ações como essa! No entanto, há um avanço do movimento LGBT no Brasil, ainda bastante desorganizado. Por isso, não podemos caracterizar tal ação como um retrocesso. Há um movimento contra ofensivo dos setores ultraconservadores que não suportam a saída em massa do armário, os debates sobre o tema LGBT (como ocorreu nas ocupações de escola) e os passos largos que a juventude tem dado no sentido de compreender sua orientação sexual e sua identidade de gênero cada vez mais cedo. Aproveitam-se do caos político e econômico que tem gerado uma profunda polarização social para atuarem sem filtros e tentarem imperar na base da barganha, do grito, dos acordos escusos. Mas nunca sem reação do movimento popular que pressiona as instituições e vai pra rua protestar.

O tema LGBT está mais presente nas novelas, filmes e propagandas, embora os personagens ainda não representem a realidade da massa mais explorada e oprimida da população. Lembrem-se que há três ou quatro anos estávamos na frente da TV aguardando o último capítulo da novela que ia transmitir um beijo gay rápido e técnico por demais para quem esperava algo normalmente mais quente, como costumam ser os beijos héteros. Hoje eles falam sobre transexualidade. E não falam porque são legais. Falam porque sabem que precisam acompanhar tais avanços. Tudo de olho no lucro que isso pode gerar, óbvio! O fato de esses debates estarem na mídia desperta um ódio mortal em alguns.

Retomando o lance do museu, esses alguns pediram o cancelamento da exposição. São poucos e covardes! Entre o MBL e o Santander existem vários acordos. Portanto, dizer que a manifestação do MBL e a anuência do Santander são uma “volta às trevas”, ou uma “ação medieval”, nos leva não só a incorrer num erro de caracterização que tem como resultante uma resposta política equivocada, mas também coloca fragilidade e terror na luta que devemos continuar travando com força contra a LGBTfobia. Enfrentamos a repressão da ditadura militar e em diversos outros momentos na história estivemos à frente das lutas contra a opressão. Somos diariamente espancados (as), estuprados (as), empalados (as). A cada 25 horas morre um LGBT no Brasil. Nossa luta para sair dos guetos e ter acesso a todos os lugares nos é cara e constante.

Portanto, devemos sim exigir a reabertura da exposição Queer no Santander Cultural, mas mais que isso, é imprescindível reivindicar que ela esteja aberta para além dos muros do local. A arte deve ser universal!