“A esquerda tem consistência para formar um novo partido socialista“

Em Santa Catarina, dezenas de militantes filiados ao PT, PSTU e também ex-filiados ao PT tomaram a iniciativa de realizar um Encontro Estadual para debater a formação de um novo partido socialista no Brasil.
Pra nos falar sobre essa iniciativa e as razões que explicam esse início de recomposição da esquerda socialista, o Opinião Socialista entrevistou Ricardo Freitas, 43 anos, militante filiado ao PT, que atua no movimento popular em meu bairro, participa de algumas entidades ambientalistas e é assessor do Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Coletivo Urbano de Florianópolis e Região.
Ricardo já foi dirigente sindical bancário (1987-1995), membro da Executiva do PT de Florianópolis (1996-1998) e candidato a vereador nas eleições do ano 2000.

Opinião Socialista – Por que você está junto com vários outros companheiros convocando um encontro estadual pela formação de um novo partido socialista? Que razões o levaram a impulsionar tal iniciativa política?

Ricardo Freitas — As experiências partidárias, das centrais sindicais, de sindicatos livres e dos movimentos populares em geral, forjaram milhares e milhares de dirigentes, pensadores e militantes comunistas em nosso país, que emergiram na luta em meio a uma sociedade que adquiriu alto grau de complexidade, tanto pelo desenvolvimento econômico e pela diversidade étnica/cultural/geográfica que caracteriza nosso país, quanto pelo nível de articulação e construção política que a elite aqui desenvolveu. Isso nos permite avaliar e tomar esta iniciativa porque entendemos que a esquerda brasileira tem amadurecimento, consistência política e base social suficiente para construir e organizar um partido realmente socialista, com um programa anti-capitalista/imperialista, organizando os explorados para enfrentar a disputa de hegemonia ideológica com a burguesia e chegar ao poder efetivamente.
Não é uma tarefa qualquer, muito menos simples e fácil, mas é possível essa construção a partir do que temos acumulado em toda esta luta no Brasil e que serviria de uma alavanca muito importante para todos os que lutam nesta direção no mundo inteiro, em especial na América Latina, na África, no Oriente Médio e em grande parte da Ásia.
Então, é essa a avaliação que, essencialmente, nos leva a propor este debate a toda a esquerda brasileira. Claro que o processo que vivenciamos internamente no PT é um componente conjuntural importante para o momento em que o debate vem a tona, mas não é o único e nem o determinante para isso. O processo de disputa interna no PT não é de hoje, vindo desde o momento de sua fundação, pois não podemos esquecer a história desta importante e rica experiência dos trabalhadores em nosso país e da pluralidade dos agrupamentos políticos que contribuíram para sua fundação, organização e construção, onde os setores oriundos da luta comunista eram minoritários.
O fato é que entre os outros setores, que mesmo não sendo socialistas tinham uma política de negação de alguns valores essenciais ao capitalismo, desenvolveram culturas e posturas políticas que foram ao longo da nossa trajetória se consolidando como antagônicas a um projeto socialista, afastando-se até mesmo do projeto inicial do PT, que poderia ter evoluído para um programa e um partido socialista.
Isso acabou não ocorrendo e a presente conjuntura nos coloca diante de uma inegável realidade: para boa parte do partido, a organização do povo explorado para a superação da ordem capitalista não está mais em seu horizonte, curvando-se definitivamente a ordem do capital e falando na possibilidade de sua “humanização”, o que não é possível e trata-se, na verdade, de iludir o povo com possibilidades de melhorias nas condições de vida.

OS — Em relação a coligação do PT com PL qual o significado que ela tem na sua
opinião?

Ricardo Freitas — A aliança com o PL é uma traição aos trabalhadores, ao povo em geral, a independência de classe e a história do PT. Contribui para a despolitização das massas, desencanta militantes sérios, além de impossibilitar a educação política para a independência de classe e a realização de um governo, no caso de se ganhar as eleições, com base nas expectativas centrais do que temos enquanto organizações sociais e de luta em nosso país.

OS — Na sua opinião, quais seriam as condições e pontos de programa que seriam
capazes de unir a esquerda socialista em um novo partido político no Brasil, considerando que existem trajetórias, origens e componentes de distinta tradição na esquerda combativa e socialista brasileira?

Ricardo Freitas — Como já disse, vivemos num país muito complexo e a trajetória do movimento da esquerda socialista não é diferente. Isso tem aspectos muito positivos, mas nos coloca diante de uma tarefa ainda mais difícil e complicada.
Em primeiro lugar, vai exigir muito mais paciência e desprendimento do que temos exercitado até o presente momento, mas também como já disse, acho que acumulamos muito, avançamos muito nas últimas décadas, principalmente para entendermos que não poderemos ficar apenas no campo da agitação política de bandeiras de esquerda, mas precisaremos ter um conjunto de posicionamentos e propostas de ação concreta para atuar no cotidiano das pessoas, diminuindo o seu sofrimento de um lado e conscientizando-as por outro, para podermos ter uma base social que sustente um governo que enfrente nossos algozes.
Acho que o programa, inicialmente, para estabelecer o debate, pode ter muito do que compunha o programa original do PT, que tinha elementos importantes como: a afirmação de independência de classe, o rompimento com a ordem internacional, o não pagamento da dívida externa, uma profunda reavaliação diante da dívida interna, reformas profundas no aparelho de Estado, a garantia de organização e expressão das diversas etnias e culturas existentes. Devemos somar a isso um programa de estatização dos bancos e ampla socialização do crédito e valorização das iniciativas populares. Também deve incorporar uma série de elementos que vem sendo construídos em momentos de lutas conjuntas importantes em nosso país, como as plenárias que tem organizado os plebiscitos contra o pagamento da dívida externa e a negociação da ALCA e de movimentos como o MST, contra as discriminações raciais e sexuais, o movimento ecológico, a Consulta Popular e outras iniciativas que vem sendo implementas por amplos setores da esquerda brasileira.
Repito, vai exigir muito desprendimento e paciência revolucionárias, um grande esforço de quem se reivindica e tem responsabilidade com a construção socialista, claro que sem querer pasteurizar as diversas correntes de pensamento ou impor a hegemonia desta ou aquela posição política.
Por fim, dizer que em meu entendimento, questões como a democracia e a defesa da vida em todas as suas formas, não apenas a vida humana, são questões essenciais.
A primeira sem ser encarada como um valor universal ou de mera fachada de participação do povo em eleições, conselhos disso ou daquilo, que na prática não são efetivamente partilha do poder entre o povo. Mas entender a democracia como algo somente possível com todas as pessoas alimentadas, com educação, moradia, saneamento, transporte e saúde garantidos. Democracia como algo somente possível com amplo acesso ao crédito, com igualdade de oportunidades, com possibilidade de trabalho a todos, democratização da comunicação e informação, com socialização dos benefícios das pesquisas e avanços tecnológicos em todas as áreas.
Do ponto de vista do ambiente, não se trata de mera defesa de ecossistemas, o que virou “moda” internacionalmente, mas de entender a vida em todas as suas dimensões e formas, de entender a vida humana como parte da natureza e não com o direito de apropriação indébita de tudo o que nos cerca, de entender e preservar a individualidade, que é totalmente diferente de individualismo, de entender que a crise que vivemos é muito mais profunda, é a crise de um modo de ver e levar a vida, de entendermos que precisamos romper com a visão desenvolvimentista, que em qualquer sistema econômico impossibilita a vida e a igualdade de oportunidades.

OS — Há muitos militantes que ao se indignarem com os rumos do PT passam também a rechaçar a perspectiva de uma alternativa partidária, com avaliação que partido acaba sempre se burocratizando ou adaptando-se? Qual a sua opinião sobre isso? E que tipo de medidas ou políticas um novo partido deveria ter para evitar os
erros e desvios cometidos pelo PT?

Ricardo Freitas — Na verdade acho que esta postura está muito ligada a uma incompreensão do que foi e é o PT, de se viver uma ilusão com esta experiência. Para mim o PT é uma experiência muito rica e proveitosa da nossa classe e dos setores explorados de nosso povo, que ajudou a desmistificar muitos mitos inculcados pelas elites no meio da massa, que ajudou a formar centenas de milhares de militantes de esquerda. No entanto nunca foi socialista ou revolucionário e sempre teve uma disputa muito acirrada internamente, como parte da disputa de hegemonia mais geral e, neste processo, a esquerda avançou e acumulou muito, apesar de não ter conseguido fazer deste instrumento o partido socialista e revolucionário que a esmagadora maioria de nosso povo e o processo revolucionário precisam.
Quanto às medidas em relação a evitar experiências como a que estamos vivendo no PT, entendo que não existe “vacina”, mas temos todas as possibilidades de desenvolver um profundo debate e construir um arcabouço ético, democrático, baseado numa estrutura horizontal, no respeito as minorias do interior do partido, com partilha do poder e de responsabilidades, com funções, atribuições e alçadas bem definidas estatutariamente, com proporcionalidade qualificada e direta, com rodízios, enfim, temos experiência histórica suficiente no interior dos diversos movimentos que construímos para fazer um “mix” que nos possibilite preservar a nova entidade.

OS — Como você encara a luta por uma ruptura revolucionária no país em direção
ao socialismo e qual deve ser na sua opinião o lugar de um partido
socialista nesta perspectiva?

Ricardo Freitas — Esta é uma questão muito complexa e que demandaria uma longa avaliação de conjuntura, dos períodos históricos mais recentes, da tática e da estratégia que temos empregado, o que está inviabilizado pelo espaço disponível nesta oportunidade. Mas, de antemão, dizer que o papel central do novo partido no próximo período seria estar umbilicalmente colado a todos os movimentos sociais, desenvolver um amplo e profundo processo de formação política de seus militantes, para buscar novos militantes e também voltado para as amplas massas, discutir interna e publicamente as vias de ruptura com a ordem atual, implementar um debate interno para a organização e treinamento militar dos militantes e de toda a estrutura partidária. Teríamos também, que começar um ativo processo de articulação internacional com os movimentos e organizações políticas que atuam nesta direção. Por fim, avaliar profundamente e rediscutir nossa atuação e as políticas a serem levadas pelo partido unitariamente no interior dos movimentos, especialmente no movimento sindical. A base dessa atuação seria um programa mínimo de caráter claramente anticapitalista e anti-imperialista, apontando claras propostas para os problemas mais candentes de nosso povo.

OS — Por fim, em relação ao processo eleitoral como você irá posicionar-se?
Ricardo Freitas
— Em relação ao processo eleitoral em curso, tenho deixado muito clara minha posição tanto dentro quanto fora do PT, através de um manifesto que foi distribuído para um número enorme de companheiros e companheiras.
Desde o famigerado PED (Processo de Eleições Diretas), que é a “pá de cal” sobre a democracia interna e uma aceitação completa dos valores burgueses na organização e estrutura do partido, chamei aos companheiros da esquerda petista a não pactuarmos com este ataque, a não registrarmos chapas, a combatermos publicamente o processo e a reafirmarmos que não nos submeteríamos aos acertos de cúpulas com partidos de direita que já ocorriam nos bastidores.
Quando as correntes políticas ditas de esquerda, também preocupadas com seus cargos, assessores, espaços institucionais em governos e parlamentos, e sob a alegação que não dava para deixar a maioria controlar sozinha o partido, decidiu participar e escrever chapas, legitimando o desmonte do partido e o ataque a democracia operária, me posicionei no sentido de que a base partidária não deveria comparecer para a votação. Recebi inúmeras manifestações de concordância e apoio vindos de praticamente todos os estados do país. Agora, amargam uma diminuição ainda maior do espaço interno por terem legitimado um estatuto que impede a base do partido de decidir seus rumos e políticas.
Portanto, a costura com o PL, com os setores “sérios” e de oposição a FHC do PMDB e até mesmo com os setores “sérios” e de oposição a FHC do PPB e do PFL é apenas conseqüência de todo este processo de traição de nossa história e não pode ter a menor participação dos socialistas.
Por isso estou apoiando as candidaturas a deputado estadual e federal de dois companheiros do PT que se mantiveram e se mantém coerentemente contra as alianças, colocam claramente em seus materiais de campanha FORA ALENCAR E O PL, não sobem nos palanques onde tenham candidaturas e representantes destes partidos e, como o companheiro Cedenir Simom, candidato a deputado federal, organizam manifestações de repúdio a esta política durante as atividades de campanha.
No tocante aos demais cargos, estou apoiando ativamente os companheiros Carlos Muller e Viviane Remor ao senado, o companheiro Gilmar Salgado ao governo estadual e o companheiro Zé Maria a presidência da República, todos do PSTU.

>> Leia a convocatória do seminário pela construção de um novo partido