Na noite do dia 27 de julho, o candidato a governador de São Paulo pela Frente de Esquerda (PSOL-PSTU-PCB) -, Plínio de Arruda Sampaio, debateu um assunto mais do que candente entre a maioria da população: a crise de violência que parou a maior cidade do país já por duas vezes neste ano.

A palestra “Violência: quem são os culpados?“ – com aproximadamente 50 pessoas – foi promovida pela livraria Arsenal do Livro, no bairro da Consolação. Plínio – ex-promotor público, ex-parlamentar e jurista historicamente ligado aos movimentos sociais e à esquerda – colocou-se de forma bem descontraída, propondo de início, como palavra-de-ordem de sua candidatura o slogan: “contra eles [PT-PCdoB e PSDB-PFL], Arruda neles!“.

Sampaio afirmou que os momentos decisivos na história de um país, ou mesmo de um indivíduo, invariavelmente não se revelam dessa forma aos sujeitos imediatamente envolvidos na mesma. Assim tentava alertar para o que seria uma encruzilhada de proporções históricas vivida hoje no Brasil. Tal encruzilhada – independentemente do nível de consciência das maiorias ou da ilusória aparência da mesma – estaria se desenvolvendo, subterraneamente, desde a internacionalização do capital que atravessou o país a partir do final dos anos 70. A crise, segundo Sampaio, se expressa predominantemente no “social“ – em detrimento da aparente bonança “econômica“ – enquanto manifestação mais aguda e atual das profundas contradições trazidas pela ofensiva neoliberal de décadas.

Ele citou a penúltima obra do economista Celso Furtado, publicada em 1992, – Brasil, a construção interrompida, destacando que enquanto reinava absoluto o chamado “pensamento único“ o precursor do chamado nacional-desenvolvimentismo já alertava para os principais sintomas da crise iminente. A nova divisão internacional do trabalho – aprofundando o abismo entre o “centro“ e a “periferia“ – estaria determinando de forma ainda mais intensa a dependência estrutural de países como o Brasil aos centros nervosos de acumulação capitalista. A nova ordem mundial relegaria ao país o papel único de exportador de matérias-primas e manufaturas simples. O caso da concorrência internacional entre a Embraer e a canadense Bombardier – querela vencida pelo Brasil em função de um chip micro-eletrônico produzido nos EUA – demonstraria a natureza da “dependência estrutural“ do país. Por outro lado, o veto norte-americano à venda de aviões brasileiros à Venezuela revelaria a relação semi-colonial que resulta, dessa forma, na mais absoluta ausência de soberania do país.

A esta altura Sampaio interrogou-se provocativamente: “Mas o que tudo isso tem a ver com a violência“? Para ele, aí estariam os determinantes fundamentais da degeneração das condições de existência vivenciada pela maioria da população. Os mecanismos de espólio do imperialismo norte-americano envolveriam o investimento externo direto no país e o subseqüente envio de remessas de dólares ao exterior. Tais procedimentos – analisados há muito por Caio Prado Jr. em A Revolução Brasileira, produziriam a acumulação de riquezas, por um lado e, por outro, a pauperização absoluta de expressivos contingentes da população. A afirmação foi categórica: “tal crise social tem como resultado direto, linear, a violência“.

Sampaio apontou para o que chama de “barbarização“ do Estado brasileiro: mais de 500 execuções sumárias realizadas pelos aparelhos repressivos – em especial a polícia militar – do país durante a chamada crise de violência em São Paulo. Mesmo do ponto de vista da legalidade burguesa encontra-se proibida – em função da ausência de pena de morte – a execução sumária de culpados ou inocentes. “E mais: quem julgou e condenou estes mais de 500 indivíduos? A polícia militar do Jardim Ângela?“ – indignou-se Sampaio. Aí estaria a mais crua expressão da crise de Estado – “e de civilização“ – em processo no Brasil.

Enquanto isso, a grande imprensa e seus principais articulistas engrossariam a velha cantilena do recrudescimento da repressão e do policiamento ostensivo como solução imediata para o caos e o terror produzidos por organizações criminosas tais como o Primeiro Comando da Capital (PCC). Nesta espessa bruma ideológica, as máximas da ideologia dominante viriam à tona com força em frases recorrentes tais como “bandido bom é bandido morto“. Sampaio se predispôs a lançar sua candidatura para se opor a esta perspectiva.

Citou o caso extremo de Araraquara, interior de São Paulo – onde o sistema prisional apresenta condições sub-humanas – como exemplo da disjuntiva entre “civilização e barbárie“. Denunciou, ainda, que a própria burguesia brasileira – as classes dominantes que dirigem o país – impõe a corrupção aos agentes da repressão estatal quando mantém seus salários em níveis tão baixos. Por fim, Arruda apresentou sua candidatura como plataforma para defender os interesses dos trabalhadores. A partir da “traição histórica do Partido dos Trabalhadores“, Sampaio reivindicou a necessidade de que a frente unitária entre o “novo PSOL, os velhos comunistas do PCB e o pequeno, mas guerreiro, PSTU“, segundo suas palavras – levante alto as bandeiras construídas há 25 anos pelo movimento operário e popular. Tratar-se-ia de um momento de acumulação de forças – tendo como ponto de apoio secundário as eleições, como possibilidade de agitar um programa socialista para as amplas massas – para um futuro processo de transformação social.

O plenário interveio de maneira ao mesmo tempo fraternal e polêmica. Os principais questionamentos giraram em torno da necessidade de que a frente defenda a legalização do aborto – como forma de combate à opressão e à violência de gênero, inclusive -, do caráter de classe de uma proposta que una oprimidos contra opressores, inclusive na questão da violência, e, por fim, das possibilidades recentemente apresentadas à esquerda brasileira de negação do monopólio da violência pelo Estado burguês, a partir do referendo sobre o desarmamento que dividiu opiniões no campo das forças do trabalho.

Outras questões foram levantadas – em torno à educação fundamental, à mercantilização da “segurança pública“ e à política econômica – em sua imbricação junto à crise de violência. Em seu encerramento, Sampaio reiterou a necessidade de lançar uma campanha contra a criminalização dos movimentos sociais, formar comitês eleitorais por todo o estado e, dessa forma, estabelecer mecanismos “eficazes“ de diálogo com as “amplas massas“ do país.

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