D. Demétrio Valentim, um dos mais destacados membros da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), fala sobre a campanha contra a Alca, as eleições de outubro e a necessidade de um plebiscito oficial sobre a ALCA

Opinião Socialista – Que avaliação o senhor faz da campanha? E que perspectivas poderíamos apontar para depois do plebiscito?
D. Demétrio
– O grande mérito da campanha é o seu valor pedagógico, de incentivo para o debate de questões políticas entre o povo. Se não fosse a campanha, o assunto “Alca” ficaria completamente desconhecido. Ao passo que assim, já é comentado publicamente, e está despertando o interesse das pessoas. O povo vai aos poucos dispensando tutelas, e percebendo que cabe a ele ser sujeito de mobilizações e campanhas. A coincidência do plebiscito com a campanha eleitoral merece uma avaliação especial. Tenho a impressão que o povo está percebendo mais objetividade e mais pertinência no plebiscito do que nas propostas eleitorais dos candidatos, sobre as quais paira sempre a suspeita de falta de sinceridade e de instrumentalização das aspirações populares. O resultado do plebiscito, assim mesmo, será bastante condicionado pela insegurança e pelo medo dos eleitores. Muitos ainda têm receio de participar do plebiscito, com medo de serem “denunciados” pelos “fiscais” dos candidatos que querem cabrestear os eleitores. Se a participação for significativa, como espero, o novo governo não poderá ignorar a advertência do plebiscito. Daí a importância de batalharmos para uma expressiva participação popular.

OS – Que relação o senhor vê desta campanha com a da Dívida Externa realizada no ano de 2000?
D. Demétrio
– O bom resultado do plebiscito da dívida dá segurança e firmeza para a promoção deste sobre a Alca. Assim como vai se firmando a tradição do “Grito dos Excluídos” como manifestação autêntica da cidadania na Semana da Pátria, acredito que o sucesso deste plebiscito vai firmando a tradição de fazer da Semana da Pátria o momento de debates populares em torno de questões pertinentes.
O plebiscito sobre a Dívida tinha uma motivação bíblica, e estava no contexto de uma celebração mais ampla, que era a do Jubileu. O assunto desta vez se apresenta como mais pertinente a um debate da cidadania, independente de motivações de ordem religiosa. Todos podem se sentir mais à vontade para participar.

OS – O resultado do plebiscito popular poderia servir como instrumento de pressão para se exigir do futuro governo um plebiscito oficial?
D. Demétrio
– Acredito que sim! Vai depender do volume da participação popular, e vai depender também do resultado das eleições de outubro. Se tivermos, de novo, um governo que se esmera pela auto-suficiência, uma presidência que prima em prescindir da participação cidadã, então precisaremos continuar com outros plebiscitos não oficiais. Votar no plebiscito é uma forma de fortalecer a relação entre cidadania e poder estabelecido.

Para o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, ex-diretor do Instituto de Pesquisas em Relações Internacionais do Itamarati, a Alca é parte de uma estratégia dos EUA em curso desde o Consenso de Washington

Opinião Socialista – Em que patamar estão atualmente as negociações para a conformação da Alca?
Samuel Pinheiro
– As negociações sobre a Alca se iniciaram, na verdade, em 1995. A partir de um certo momento, elas começaram a se acelerar, mas ainda não há nada acordado. As negociações estão caminhando. Por exemplo, na área de acesso aos mercados, que são as negociações de tarifas, há uma disputa sobre se se vai se tomar a tarifa efetivamente aplicada, que é mais baixa, para começar a fazer as reduções; ou as tarifas consolidadas junto à Organização Mundial do Comércio, que são mais altas. O resultado é o mesmo. No final de dez anos as tarifas serão zero. Há uma pressão constante para que as negociações caminhem.

OS – O recente acordo que foi feito pelo governo brasileiro com o FMI tem relação com a Alca?
Samuel
– O problema é o seguinte: a Alca é um aspecto de uma estratégia geral da política econômica dos EUA para os países das Américas. É uma estratégia em curso desde a renegociação da dívida, quando os países aceitaram certas condições nos acordos com o FMI. São a abertura de mercados, redução de tarifas, privatizações, desregulamentação. É o que chamam de Consenso de Washington ou de programas econômicos neoliberais. O objetivo central é que essas políticas permaneçam e para isso há três estratégias centrais. A primeira, eleger políticos que se comprometam a continuar com esses planos. Políticos vinculados ao governo ou, eventualmente, até de oposição, desde que se comprometam. Outra estratégia é ter agências reguladoras, como a Agência Nacional de Telecomunicações, Agência Nacional de Energia Elétrica, Agência Nacional de Águas etc., onde os diretores têm mandatos. Isso significa o esvaziamento da estrutura política do Estado e a transferência para órgãos pseudo-técnicos de funções que eram antes dos ministérios. O próximo governante vai se defrontar com um número muito grande de agências que vão decidir as políticas. A intenção é essa. O mesmo quando se fala de garantir a autonomia do Banco Central: manter tudo como está. Finalmente, a terceira estratégia é um tratado internacional que consolide essas políticas, a Alca.

OS – Quais os efeitos dessas estratégias?
Samuel
– As pessoas conhecem bem os resultados. Concentrou-se mais a renda, aumentaram a marginalidade, a exclusão social, a desnacionalização da economia, o desemprego, a desarticulação dos organismos do Estado e sua incapacidade de atender as necessidades de uma população crescente. É um fracasso extraordinário e querem consolidar isso por um tratado internacional. A Alca é isso, e nada diferente disso.

João Pedro Stédile, da direção nacional do Movimento dos Sem Terra, fala sobre a avaliação da campanha, a importância da questão sobre a Base de Alcântara e a plenária social de 17 e 18 de setembro, onde se discutirá os próximos passos após o plebiscito

Opinião Socialista – Como você avalia a campanha até aqui e quais suas expectativas com a votação do plebiscito?
Stédile
– A campanha nacional contra Alca se insere nos marcos de duas iniciativas. Uma da campanha continental contra a Alca, que reúne um grande numero de forças sociais e políticas de todos os 34 países envolvidos. E outra, a trajetória da semana social da CNBB, que articulou no passado o Plebiscito sobre a Divida Externa. A junção dessas iniciativas criou um amplo leque de forças sociais, populares, de pastorais, que nenhuma outra campanha havia logrado no país. Em segundo lugar, seu objetivo é desenvolver uma campanha de conscientização de nosso povo, que nos leve a um plano de ação permanente para barrar a implantação da ALCA. É nesse contexto que o plebiscito se insere como uma das atividades. Que não é a primeira, nem será a ultima. O numero de votantes, não importa muito, o mais importante é utilizar o plebiscito nacional para informar e conscientizar o povo. E isso estamos conseguindo.

OS – Qual a importância da pergunta sobre a entrega da Base de Alcântara na cédula de votação do plebiscito? Você acha que esta é uma questão fácil de explicar para o povo?
Stédile
– É de fundamental importância. Porque o acordo de entrega da Base de Alcântara revela como o imperialismo norte-americano atua na prática. Não é uma teoria, uma denúncia abstrata da esquerda. Se não barrarmos, no outro dia chegarão tropas de marines para começar as obras que eles querem fazer, como até construir um porto em Alcântara, como me avisou o prefeito de lá. Não existe exemplo mais prático da militarização e do controle imperial do que a Base de Alcântara. Por outro lado, ajuda também a denunciar o interesse que os americanos tem pela Amazônia. E como é importante para o futuro de nosso país defender a Amazônia.

OS – Qual a importância da plenária popular que ocorrerá em Brasília nos dias 17 e 18 de setembro quando se entregará o resultado do plebiscito?
Stédile
– Primeiro vamos em caravana com delegados de todo país, que foram os militantes, os que realmente se envolveram no plebiscito, entregar pessoalmente o resultado par as mais altas autoridades do país: Presidente da República, no STF, na Câmara, no Senado, e também na embaixada americana. Isso tem um simbolismo muito importante.
Segundo, vamos aproveitar para nos reunirmos e decidirmos os próximos passos, dentro do calendário de luta contra a Alca, que nos exige atenção permanente. Teremos a manifestação de 31 de outubro, a conferencia e romaria em defesa de Alcântara em novembro, em São Luiz e Belém. Depois, no dia 15 de janeiro, “o dia das tarifas“ e as atividades em torno do Fórum Social Mundial. E tudo isso decidiremos em conjunto com a militância, sobre o que fazer. Para envolver cada vez mais gente, com mais representatividade social.

Plínio de Arruda Sampaio Jr., do Jornal Correio da Cidadania e do Movimento Consulta Popular, fala da Alca como parte da estratégia de dominação dos Estados Unidos sobre os países latino-americanos

Opinião Socialista – Como o senhor vê a política dos Estados Unidos para a América Latina com a implementação da Alca?
Plínio Jr.
– A Alca deve ser vista dentro de um contexto histórico marcado por uma forte rivalidade entre economias hegemônicas. A lógica presente nessa rivalidade é a do ultra-imperialismo. Em última instância, sob esta lógica sobrevive a supremacia de uma economia, sobre as demais. Nesse sentido, a Alca deve ser vista como parte da política de dominação dos EUA para a América Latina, uma política que envolve vários ângulos, desde o militar e o jurídico até o econômico.

Opinião Socialista – Pode-se falar em recolonização da América Latina?
Plínio Jr.
– O que está acontecendo é uma terceira divisão da América Latina, uma recolonização. A primeira divisão do mundo foi no momento da colonização na época do capitalismo mercantil. O Tratado de Tordesilhas é o emblemático deste processo. A segunda divisão se deu na era do surgimento do imperialismo, onde a 1ª e a 2ª guerras mundiais foram fenômenos simbólicos deste movimento. E agora, estamos assistindo uma nova partilha do mundo em torno dos três blocos hegemonizados por Estados Unidos, Alemanha e Japão.

Opinião Socialista – Qual seria o impacto dessa política do imperialismo norte-americano?
Plínio Jr.
– Seria uma mudança de qualidade num processo de reversão neocolonial que já está em curso. Na América Latina, a reversão neocolonial significaria o aborto do processo de formação dos estados nacionais. Este o neocolonialismo é muito mais perverso que o colonialismo da época de ascensão do capitalismo. O colonialismo português e espanhol na América Latina significou o início – traumático sem dúvida – de um processo civilizatório. O neocolonialismo de nossa época representa o fim trágico deste processo.

Opinião Socialista – Qual papel poderia cumprir a burguesia brasileira e os movimentos sociais na defesa da soberania nacional?
Plínio Jr.
– Não podemos subestimar os amigos da Alca dentro do Brasil. Além do capital internacional, todos os segmentos que vivem de oportunidades de negócios surgidos da abertura aos investimentos estrangeiros jogam água no moinha da Alca. É uma ilusão pensar que há uma burguesia nacional que é nossa aliada no combate à Alca. No Brasil, a burguesia é associada ao capital internacional direta ou indiretamente; seja na produção, como acontece com as indústrias de autopeças que fornecem material para as montadoras; seja na especulação financeira. Também é amiga da Alca a classe média-alta, enfeitiçada pelos padrões de acumulação e consumo dos grandes blocos. Contra a Alca estão os trabalhadores, do campo e da cidade, empregados ou não. É preciso ter claro que o combate à Alca é uma luta com caráter de classe.

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