Roberto Aguiar, de Salvador (BA)

O Opinião Socialista conversou com Rosângela Santana, secretária-geral do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos da Bahia (Sindoméstico-BA). Ela trabalha como doméstica há 29 anos, mas desde criança está no serviço doméstico. Rosângela também é pedagoga, formada pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e ativista do Coletivo de Mulheres do Lemarx – Grupo de Estudos de Ângela Davis (UFBA).

Em 27 de abril foi o Dia Nacional da Trabalhadora Doméstica. Qual a importância dessa data?

Rosângela Santana – A importância dessa data é celebrar a luta daquelas que nos antecederam, a exemplo de Laudelina de Campos Melo, pioneira na luta por direitos de trabalhadores domésticos no Brasil, impulsionando estudos e organizando associações e sindicatos da categoria. Inclusive, ela cedeu a casa dela para ser a sede do primeiro sindicato da categoria. Aqui na Bahia, lembramos e celebramos Creuza Oliveira, fundadora do Sindoméstico-BA, que segue viva entre nós, forte e lúcida, ainda na luta.

Nessa data reforçamos que somos trabalhadoras e trabalhadores, em sua grande maioria, mulheres e homens negros, que também ajudam a sustentar este país.

No dia 2 de abril completaram-se dez anos da Emenda Constitucional nº 72, conhecida também como “PEC das Domésticas”. Qual o balanço que você faz dessa década de aplicação da lei?

Rosângela – A lei foi de extrema importância para nós, principalmente quanto à garantia dos direitos como o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), seguro-desemprego, 13º salário e a jornada de trabalho (oito horas diárias).

A lei foi uma conquista, mas não podemos deixar de pontuar seus limites. Por exemplo, no próprio seguro-desemprego que conquistamos, não estamos equiparados com outras categorias de trabalhadores que recebem cinco meses, recebemos apenas por três meses. A lei não abrange as trabalhadoras diaristas. Muitas eram mensalistas, que foram demitidas por patrões que não queriam cumprir com a lei. Esse é um grupo de trabalhadoras e trabalhadores bastante explorado, pois sequer tem a carteira de trabalho assinada.

A PEC das Domésticas foi resultado de uma luta da categoria, mas muitos buscam burlar a lei, para seguir explorando as trabalhadoras(es), a exemplo da cobrança de que se transformem em microempreendedoras através do MEI. Como o sindicato tem enfrentado esse tema?

Rosângela – Essa é uma situação que ficamos indignadas. É um grande risco às trabalhadoras e trabalhadores domésticos, pois impede o acesso aos direitos trabalhistas que conquistamos com a PEC das Domésticas. Não recebem contribuição referente ao FGTS, não têm direito a 13º salário e férias remuneradas. O sindicato vem realizando palestras, esclarecendo e buscando convencer a não aceitar esse tipo de relação de trabalho. Trabalho doméstico não é MEI.

O Brasil tem a maior população de trabalhadoras domésticas do mundo, são 5,9 milhões, quase três empregadas para cada grupo de 100 habitantes. Você liga essa situação a uma herança do passado escravocrata do país?

Rosângela – Avaliamos que os números são maiores, sobre a quantidade de trabalhadores e trabalhadoras domésticas no país, já que as/os diaristas e as/os sem carteira assinada não entram nesses dados oficiais. Não tem como negar a herança do passado escravocrata, e sentimos isso quando negam nossos direitos, quando buscam burlar a lei, nos assédios e abusos sexuais que passamos, e na quantidade de trabalhadores domésticos resgatados em trabalho escravo.

Esse tema do trabalho escravo tem chamado bastante atenção. A categoria doméstica está entre aquelas com muitos casos. Como a categoria encara o problema?

Rosângela – Esse tema tem sido uma de nossas prioridades, tanto no nosso sindicato daqui da Bahia como na Federação Nacional e na Federação Internacional. Temos realizado seminários, palestras, destacado em nosso boletim “O Quente”. Temos cobrado dos governos políticas públicas de combate ao trabalho escravo, com punições severas a quem comete esse crime e medidas de acolhimento aos trabalhadores que passaram por essa situação, com o pagamento de todos os seus direitos e reparações. Esses pagamentos demoram, é um processo burocrático que deixa os trabalhadores desamparados.

Fale um pouco como tem sido a organização da categoria no Brasil e internacionalmente

Rosângela – A nossa organização é muito importante para que possamos nos reconhecer enquanto classe trabalhadora. Eu sou um exemplo disso. Até pouco tempo, eu era aquela mulher que fazia meu trabalho e voltava para casa, era avessa aos problemas da categoria e da sociedade. Isso mudou quando voltei a estudar e passei a debater temas da atualidade, isso foi mexendo comigo e comecei a me reconhecer como trabalhadora doméstica e a dizer às pessoas com orgulho a minha profissão. Fiquei ainda mais forte na universidade, ao integrar o Coletivo de Mulheres do Lemarx – Grupo de Estudos de Ângela Davis, e escrevi meu trabalho de conclusão de curso (TCC) sobre o trabalho doméstico com uma visão marxista. É nesse percurso que me aproximo do sindicato e começo a participar das atividades, e hoje componho a diretoria.

A categoria é organizada por sindicatos estaduais, que integram a Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad). Como a luta da classe trabalhadora é internacional, integramos a Confederação Latino-americana e Caribenha de Trabalhadoras Domésticas (Conlactraho) e a Rede Internacional de Trabalhadoras Domésticas (FITH IDWN).