A LCR, um dos mais antigos partidos trotskistas, se dissolve para formar um partido eleitoral na FrançaExiste um espaço político aberto como produto da crise econômica nos países europeus, que afeta tanto os partidos tradicionais da direita como os da esquerda. Existe uma decadência importante do Partido Socialista (PS) e do Partido Comunista (PC). Há um descrédito crescente nesses partidos, principalmente entre os jovens e a classe trabalhadora.

Com o objetivo de ocupar esse espaço em termos eleitorais, surgiu na França o Novo Partido Anticapitalista (Nouveau Parti Anticapitaliste, NPA), que realizou seu congresso de fundação de 6 a 8 de fevereiro em La Plaine Saint-Denis, subúrbio ao norte de Paris.

Organizado e preparado por membros da Liga Comunista Revolucionária (LCR), o congresso do NPA aconteceu logo após a dissolução da LCR em 5 de fevereiro. A organização era o mais importante partido do Secretariado Unificado (SU) da Quarta Internacional, uma das correntes internacionais do trotskismo.

A LCR se lançou a construir o Novo Partido motivada por suas perspectivas de crescimento eleitoral, principalmente. Na última eleição presidencial, seu candidato, Olivier Besancenot, obteve cerca de 1,5 milhão de votos, acima do PC e de Arlete Laguiller, candidata do partido Luta Operária. Desde então, Olivier se converteu numa figura mediática nacional. Algumas pesquisas chegam a lhe dar cerca de 20% de intenções de voto para as próximas eleições.

A discussão, portanto, não se limita à tática para aproveitar um espaço político eleitoral, mas trata-se de uma estratégia para o país. A luta de classes na França passa atualmente por um momento extraordinário, marcada por duas greves gerais que colocaram contra a parede o governo direitista de Nicolas Sarkozy.
Mas, ao mesmo tempo, existe uma gigantesca contradição: a ausência de uma direção política revolucionária que sirva como um instrumento dos trabalhadores na superação do capitalismo.

Apesar das expectativas entre os lutadores, o projeto do NPA está bem distante disso.

Reforma ou revolução
Em uma entrevista recente, Besancenot explica o que pensa sobre o NPA. “Desde a queda do Muro de Berlim, dizemos que é necessário um novo partido e um novo programa, porque pensamos que há um ciclo histórico que começou em 1917 com a Revolução Russa e que terminou em 1989. Dizer que esse ciclo histórico terminou não significa que se deva rejeitar em bloco esse período, mas que é necessário observá-lo para tirar ensinamentos do que se deve ou não fazer, e ao mesmo tempo compreender que estamos em um novo período. A Revolução Russa não pode continuar sendo o ponto de referência que foi para todas as organizações revolucionárias durante um século”.

Olivier completa: “Não vamos passar nosso tempo a discutir sobre nossa relação com Trotsky e a Revolução Russa. É necessário antes de tudo agir pela revolução. A clivagem reforma-revolução evoluiu. Hoje não há mais revolucionários face a reformistas, mas revolucionários face a gestores do sistema”.

Assim, reformistas “sinceros” e revolucionários poderiam conviver num mesmo partido. Isso significa acabar com o partido revolucionário, organizando um partido eleitoral reformista. Este é o motivo pelo qual o NPA não possui nem mesmo um projeto de sociedade claramente definido. É o que se afirma nas “Resoluções do Congresso Nacional da LCR”: “Demos a nós um partido para inventar o socialismo do século 21”. Trata-se agora de unificar a esquerda em torno de uma plataforma de protestos políticos “anticapitalistas”, pautada num abstrato “socialismo do século 21”.

A fórmula induz a uma suposição: a de que o socialismo do século 20 não é mais atual. Ou, mais precisamente, que as lições e conquistas da Revolução Russa dos bolcheviques não são mais atuais. Teríamos então mudado de época, não estaríamos mais na época de decadência do imperialismo, marcada por guerras e revoluções? Aparentemente sim, teríamos mudado, já que, segundo a LCR, o socialismo do século 20 se reduziria hoje, no século 21, a “ideias contestatórias”.

Na verdade, existe uma adaptação ao nível de consciência de um amplo setor da vanguarda, que já chegou à conclusão de que o capitalismo não serve, mas ainda não tem clara a necessidade da revolução socialista. O “novo partido” não se propõe a resolver isso, mas a unificar em um projeto eleitoral os que criticam o capitalismo. Um de seus dirigentes explicou com clareza: “é necessário formar uma social-democracia ética”.

Pode-se com isso alcançar um êxito imediato, mas preparando uma derrota mais adiante. A agudização da luta de classes vai colocar mais e mais problemas estratégicos, que ficarão sem respostas. Um partido político estratégico não é um sindicato em que devem estar unidos todos os trabalhadores. Um partido se unifica ao redor de um programa, e uma organização que queira realmente derrubar o capitalismo e construir o socialismo necessita de um programa revolucionário. Um projeto como o do NPA não se diferencia em qualidade do projeto petista, que deu no que deu.

A adoção de um socialismo reformista, ao estilo do “socialismo do século 21” de Hugo Chávez, parece ser a opção do NPA. Esse “socialismo” respeita a propriedade capitalista e nada tem a ver com os interesses dos trabalhadores, sendo uma expressão tradicional da social-democracia europeia ou do nacionalismo burguês latino- americano.
Post author Bruno Sanches, de São Paulo (SP)
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