O PSTU entrevistou Maurício, jovem negro estudante da USP que foi perseguido por um policial armado dentro da Universidade
No dia 5 de abril, Maurício de Freitas, jovem estudante de direito da USP caminhava pelo campus da universidade em Ribeirão Preto com dois colegas. Um veículo apareceu em alta velocidade em direção a Mauricio, quando ele alertou ao motorista que quase foi atropelado (o retrovisor do carro bateu na mão do jovem). o motorista parou o veículo e começou a chamá-lo de “macaco”, “vagabundo” e “sujo”. Não satisfeito em deferir ataques racistas, o motorista sacou seu revolver em direção ao estudante e iniciou uma perseguição no meio de um matagal do campus. Uma cena que lembra muito o que os capitães do mato faziam contra os escravos. “Vou ser mais uma pessoa que vai morrer”, pensou Mauricio que chegou por instantes a acreditar que perderia sua vida por conta do racismo do motorista. Sua incerteza sobre sua vida aumentou mais ainda quando soube que o motorista do carro era um policial que, certamente, usaria seu ofício para continuar perseguindo sua vida até alcançar seu objetivo: o de matá-lo.
Este não é um fato não isolado e, infelizmente, não será o último. Em tempos onde presenciamos vídeos circularem nas redes sociais com policiais dando risadas de jovens negros agonizando por socorro, e jovens como Douglas e Jeans, alvos das balas da polícia pelo único crime de serem negros e andarem pela rua, é mais do que necessário tornarmos público todos os casos de racismo que ocorrem no Estado. E mais, exigirmos a prisão destes policiais que nos veem, negros e negras, como se fôssemos uma placa de tiro ao alvo.
O PSTU se solidariza com o companheiro que passou por momentos cruéis que ameaçaram, inlcusive, a sua vida. Exigimos que a prefeita da cidade de Ribeirão Preto, Darcy Vera (PSD), tome providência para que o policial envolvido nesse caso seja julgado. Também vimos o caráter racista do Governo do Estado de São Paulo (PSDB) que diante de mais um caso de racismo, envolvendo um de seus membros (polícia militar), não se pronunciou em nada, só reforçando a ideia de que a PM paulista pode matar quantos negros quiser e ainda sairão impunes. E isso tudo ocorreu em uma das universidades mais brancas e elitizadas do país, o que mostra o caráter higienista desta ação: um dos poucos estudantes negros na universidade, por instantes, quase teve sua vida tirada por um acéfalo racista.
Casos assim, como o de Maurício de Freitas, reafirma a necessidade de políticas de igualdade racial concretas que promovam a reparação histórica aos negros e negras e mudem radicalmente a condição de vida da classe trabalhadora. Infelizmente, o governo do PT segue relegando aos negros e negras, os programas assistencialistas com ínfimos recursos, ao invés de promover uma política global direcionada à mudança da situação econômica de negros e negras e de como esses são vistos na sociedade.
O PSTU entrevistou Mauricio de Freitas que relata exatamente o que aconteceu, comenta a repercussão do caso na imprensa e a realidade dos jovens negros na universidade.
PSTU: Como se deu o ocorrido?
MAURÍCIO DE FREITAS: Estávamos eu, uma caloura do direito e um outro calouro descendo a rua em frente à Faculdade de Economia da USP, na rua Professor Doutor João Batista Bonilha, retornando do restaurante universitário. Estávamos em direção à biblioteca do campus, andando no canto da rua, um do lado do outro. Percebemos um Monza azul vindo, subindo a rua. Naturalmente, nos colocamos um atrás do outro, em fila indiana, para que o carro, que já vinha junto à nossa direção, passasse. Contudo, o mesmo parece que jogou o carro ainda mais para o nosso lado, como que quisesse que subíssemos pro canteiro da guia. Ele estava em alta velocidade para a via.
Neste instante, quando o carro estava bem ao meu lado, me esquivei para a esquerda e em sinal de alerta, no mesmo instante, como sinal de reflexo-defesa, deixei minha mão encostar no retrovisor do carro que fechou-se. O Monza continuou subindo a rua, já que não tinha como dar ré dada a alta velocidade. Com sinais de aceleração e em manobra brusca, fez o retorno com o carro, a uns 30 metros adiante. Percebi assim, que ele iria retornar. De pronto avisei os colegas que estavam comigo que o carro iria voltar e talvez iriamos discutir, já que bati a mão no retrovisor do carro.
Contudo, neste momento, ao abrir a porta, com muita raiva e ódio, vi ele fazendo um movimento com a mão para o lado entre as pernas no banco, sacando uma pistola preta. Ao ver o revólver, e no instante em que ele ia apontar a arma para mim, senti o que todos falam que acontecem no instante em que você corre um risco muito grande de perder a vida. Pensei comigo: “Puts! Vou ser mais uma pessoa que vai morrer por besteira nesse mundo. Minha mãe quer vir aqui me buscar formado, não dentro de um…. não acredito nisso!”. (…) Quando ele estava descendo loucamente do carro, falava que “agora você vai ver seu preto” e apontou a arma para mim! Ao correr, já imaginei, o cara atirando nas minhas costas. Nunca vi esse senhor e olha o que ele está fazendo! Meu Deus! Corri e corri, quando deu uns dez metros, tropecei em algo e cai na terra. Pensei novamente: agora ele vai atirar nas minhas costas! Só que não atirou. Mas ele correu atrás de mim até chegar na beira do mato, cerca de cinco metros. Em nenhum instante deixou de insultar minha raça. (…) Parei entres as árvores e fiquei, literalmente, como um escravo fugitivo que estudamos nos casos de nossa história, fiquei observando a fúria do homem lá, há uns 30 metros, como um capitão do mato, soltando face a mim os mais diversos termos preconceituosos, racistas e que se afloraram, se exteriorizaram, num momento onde ele mostrou seu mais significativo caráter contra nossa raça negra! Um idoso racista, fruto de uma geração que silenciava vozes de pessoas inocentes, naquele estado de exceção.
(…) Corri pra a Faculdade de Química e entrei na moradia estudantil. Depois, quando os calouros que estavam comigo no momento do que conto voltaram lá do local, me falaram que duas vigilantes também presenciaram o fato, onde o senhor em todo seu furor apontava a arma para mim. “Elas viram tudo”! Eu correndo dele e a hora que parei e fiquei olhando para ele e, depois, quando voltei a correr também. Disseram que o tal senhor, minutos depois, subiu para levar sua mulher ao HC para trabalhar. Nisso, elas ligaram para a Guarda Universitária que abordou o carro do senhor quando ele retornava da FEA e também presenciou todos os termos racistas que usou face à mim. (…) Depois disso, a PM chegou no local, com duas motos, e nem ouviram o depoimento de meus amigos. Disseram que se quisessem registrar um BO, deveriam ir na polícia civil e esperar umas cinco horas. Viram que se tratava de um policial civil e não fizeram nada. Creio que nem registraram esta ocorrência de virem até a USP.
PSTU: Após o ocorrido, seu caso foi retratado por vários veículos da grande imprensa, todos eles tentando fazer com que o caso parecesse com “suposto” racismo. Gostaríamos de saber o que você acha disso?
MAURÍCIO DE FREITAS: O termo suposto, na minha opinião, foi utilizado pela grande mídia para atenuar o fato ocorrido e difundir a falsa ideia de que no Brasil não existe racismo e, caso haja, tenta-se colocar a culpa na vítima, na maior parte dos casos, e não na figura do agressor. Semelhantemente ao estupro, se a mulher estava se vestindo com roupa curta, muitos justificam o estupro com tal desculpa machista.
PSTU: Qual é a situação dos estudantes negros na universidade?
MAURÍCIO DE FREITAS: Os estudantes negros na Universidade são minoria. Presenciamos este fato dia após dia nos mais diversos setores da USP e nas estatísticas do ensino público no Brasil. Não vemos nossos semelhantes ministrando aulas, não temos representação expressiva nos cargos de influência de nossa universidade e, por fim, não temos muitos companheiros desenvolvendo conhecimento voltado para a população negra nem mesmo para a população pobre, que se mantém distante do Ensino Superior. (…) No vestibular de 2013 da USP, os dados preenchidos pelos alunos ingressantes até a última matrícula, alertam para o perfil econômico e racial da USP: dos dados vemos que entre os ingressantes, 9388 (79.1%) são brancos, 264 (2.2%) são pretos, 1296 (10.9%) pardos, 907 (7.6%) amarela e 20 (0.2%) se auto declararam indígenas. Numa análise superficial destes dados, vemos que o perfil dos alunos que entram na Universidade de São Paulo é homogênea, composta por uma maioria branca no corpo discente. Isto, em pleno século XXI, há 126 anos da abolição da escravatura, sendo um triste reflexo para esta população, excluída das políticas públicas que se engajam visivelmente em inserir o negro e o pobre no Ensino Superior.
PSTU: Para você, qual seria uma das formas para se mudar a composição racial e social da universidade?
MAURÍCIO DE FREITAS: Para reverter isto, urge políticas afirmativas na Universidade de São Paulo. Urge políticas que visem a efetivação da igualdade material, real, não apenas aquela igualdade pregada na letra fria da lei. Os postos mais almejados da sociedade precisam ser ocupados pelo povo brasileiro, negro e pobre, que tenham em suas vidas históricos de superação semelhante a seus iguais. Precisamos efetivar as mesmas igualdades de “competição”, pois a meritocracia, sem igualdades de ponto de partida, é apenas uma forma velada de aristocracia. Os problemas históricos de nosso país não podem ter apenas as soluções biográficas de um sucesso individual ali e outro acolá.
PSTU: Segundo o Mapa da Violência, os negros tem 132% mais chances de serem mortos pela polícia. E no caso da juventude negra o número sobe para 159%. Como vítima de perseguição por um policial, gostaríamos de perguntar qual a relação da PM com a juventude negra na sua opinião?
MAURÍCIO DE FREITAS: Diante de tais dados, percebo que só não morri por que Deus me protegeu deste indivíduo. Fechar os olhos para esta realidade é um ato que o Estado Brasileiro não pode continuar a fazer. A marginalização da população negra nos cantos periféricos das cidades e a violência face a esta população, reflete a forma com que o Estado Brasileiro vem tratando às políticas de efetivação das igualdades raciais no país. Me sinto honrado e grato por ter sido procurado para dar esta entrevista. Vendo toda a reação de meus amigos e das mais diversas entidades da sociedade, me apoiando, como que postumamente, vejo que este sujeito será responsabilizado.
PSTU: Na sua opinião, qual a necessidade de intensificarmos a campanha da ANEL e da CSP COnlutas sobre a desmilitarização da PM?
MAURÍCIO DE FREITAS: Não estou acompanhando de perto esta campanha mas, em minha visão, sobre o que já estudei, a população humilde de nosso país deveria ser o foco desta campanha, pois está sob o grande manto repressor da mídia. É sobre aquela que a repressão da polícia militar é diária e estampada. Deve-se explicar que a confiança na MILITARIZAÇÃO da polícia é equivocada. No dia em que tudo aconteceu comigo, a polícia militar foi acionada, contudo não registrou o que meus amigos tinham para relatar. Disseram a eles que eles deveriam ir depor numa delegacia civil e esperar, pelo menos cinco horas, desestimulando-os. Logo, quase sempre que chamamos o “190” é quando somos vítimas de algum assalto, algum roubo, algum delito.
PSTU: O movimento estudantil, liderado pela ANEL, saiu em solidariedade a você, iniciando uma campanha de denúncia ao ocorrido. E a reitoria da universidade entrou em contato com voc? Qual foi o posicionamento da reitoria?
MAURÍCIO DE FREITAS: Não houve contato da Reitoria comigo. Entretanto, a diretoria da unidade onde estudo, a Faculdade de Direito de Ribeirão Preto, tornou pública sua insatisfação através de uma nota de repúdio ao ato racista ocorrido. A prefeitura do campus também está nos apoiando agora, através da colaboração do prefeito do campus (que abriu uma sindicância para apurar a atuação da Guarda Universitária no caso) bem como o apoio do Sindicato dos Trabalhadores da USP [SINTUSP], que me procurou se solidarizando com o caso e está nos ajudando.