Soraya Misleh, de São Paulo
Casas e veículos envoltos em chamas em mais uma onda de pogroms (perseguições e atos massivos violentos contra determinada comunidade ou grupo étnico) perpetrados por colonos sionistas. Já são mais de 300 ataques contra palestinos em suas aldeias nas regiões de Ramallah e de Nablus, Cisjordânia, em apenas 24 horas.
Nesta mesma semana uma ofensiva militar israelense brutal ao campo de refugiados de Jenin deixou pelo menos sete mortos – inclusive crianças – e mais de 90 feridos, entre os quais jornalistas e médicos, inclusive com uso de helicópteros pela primeira vez desde 2002 – ano em que teve início a Segunda Intifada (levante popular). Além disso, registrou-se mais uma invasão à Esplanada das Mesquitas e expulsão de palestinos do local, além de demolição de casas em Jerusalém, em meio à dramática rotina de expansão colonial agressiva e apartheid. A resistência não se dobra; ao contrário, a partir de sua juventude se reinventa e inclusive pega em armas para defender sua terra e libertá-la do jugo do colonizador. Analistas apresentam a perspectiva de uma nova Intifada.
Em meio à contínua Nakba (catástrofe cuja pedra basilar é a formação do Estado racista de Israel em 15 de maio de 1948 mediante limpeza étnica planejada), a heroica e histórica resistência palestina é forjada sob o sangue derramado e transmitida de geração para geração. Mais de 170 palestinos foram assassinados pela ocupação israelense somente neste semestre de 2023, cinco vezes mais que no ano anterior. “Os velhos morrerão, os jovens esquecerão”, pensava o arquiteto da limpeza étnica de 1948 e primeiro primeiro-ministro de Israel, David Ben-Gurion. Não poderia errar mais.
À frente da resistência hoje encontra-se uma juventude cujo amanhã foi roubado desde antes de seu nascimento. Assim não vislumbra qualquer futuro a não ser em sua terra libertada. Sua determinação tem surpreendido as forças de ocupação. Ao invadirem Jenin nesta semana, estas tiveram dificuldades em se retirar após cometerem seus habituais atos de violência. Helicópteros chegaram a ser atingidos, e veículos militares sionistas enfrentaram em seu caminho emboscadas.
“As ofensivas israelenses em Jenin não são novidade, mas parece que os soldados invasores foram pegos de surpresa desta vez. Logo após o início do ataque, vídeos mostraram um caminhão militar israelense sendo atingido por um dispositivo explosivo. Os militares israelenses disseram que o veículo estava saindo do campo quando foi atingido e danificado. […] No final do ataque, relatórios sugeriam que pelo menos cinco veículos militares israelenses haviam sido danificados por dispositivos explosivos e balas disparadas por palestinos armados. Clipes online pareciam mostrar soldados israelenses usando tratores e outros veículos para rebocar veículos militares danificados.[…] Vários vídeos mostravam moradores de Jenin desfilando os restos de veículos israelenses – incluindo rodas e pedaços de metal danificados – pela cidade”, descreve reportagem da Al Jazeera.
Acostumadas a deixar rastro de terra arrasada e se deparar apenas com pedras contra seus tanques, desta vez as forças de ocupação se viram às voltas com um povo cada vez mais disposto ao martírio para libertar coletivamente os seus de uma tirania que dura tempo demais, com a cumplicidade histórica da chamada comunidade internacional. É o “nós por nós” do oprimido em meio a um agressor implacável, mas que não pode derrotar essa resistência, apenas atrasar uma tendência histórica: a libertação nacional. E que se vê em maus lençóis, ante crise interna aguda e declínio internacional do sionismo, inclusive e sobretudo no coração do também decadente imperialismo estadunidense.
Filhos de Oslo
Para quem nasce, vive e morre sob a Nakba, a percepção é de que não tem nada a perder a não ser seus grilhões, parafraseando Karl Marx. É a realidade da juventude – hoje algo como metade da população palestina sob ocupação –, a qual tem sido corretamente chamada de “filhos de Oslo”.
Esta nasceu sob o signo do que não raro costuma denominar “segunda Nakba”: os desastrosos acordos de Oslo firmados em 13 de setembro de 1993 entre a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e Israel, sob intermediação do imperialismo estadunidense. Apresentados mundo afora como “paz gradual”, resultaram na criação de uma gerente da ocupação, a Autoridade Palestina (AP), com cooperação de segurança com Israel e nenhuma autonomia. Ao contrário, total dependência econômica. Como escreve o especialista Adam Haniah, como consequência, emergiu nova classe capitalista palestina, uma burguesia que passou a se beneficiar de negócios com a ocupação.
O projeto israelense com Oslo atendeu os objetivos de expansão colonial agressiva a partir de então, ante desmobilização de organizações na diáspora e enfraquecimento da resistência interna, que desde então se enfrenta também com o capataz do apartheid.
A queda livre da confiança e credibilidade nas instituições tradicionais, como a AP, é diretamente proporcional à eminente simpatia dos palestinos com a jovem resistência armada que se autodenomina Toca dos Leões, anunciada publicamente há pouco mais de nove meses e que tem desafiado as forças de ocupação. A maioria de seus integrantes, conforme levantamento feito pela Al Jazeera, passou pelos cárceres da AP antes, por porte de armas; diz que não recebe ordens de nenhum partido, e não os representa. Lideranças sionistas acreditavam que sua derrota em brevíssimo tempo seria tão fácil quanto certa, mas seu espraiamento tem provado o inverso.
Resistência ante a contínua Nakba é um direito fundamental. Ou alguém questionaria o direito à autodefesa perante o fascismo? Basta de pogroms e morticínio. Apoiar a resistência palestina incondicionalmente é parte da necessária solidariedade internacional.
Ademais, é fundamental intensificar a mobilização pelo reconhecimento do apartheid israelense em todo o mundo, pela ruptura de acordos e relações com o Estado racista de Israel. Até a Palestina livre do rio ao mar, com o retorno dos milhões de refugiados as suas terras.