Terminou nesta sexta-feira (24), na Suíça, o Fórum Econômico Mundial. A edição de número 50 do Fórum teve como foco os temas ambientais, particularmente as mudanças climáticas. Um show de hipocrisia absurda que provocaria a imaginação de qualquer artista do surrealismo. Ao lado dos luxuosos helicópteros e o tradicional desfile de limousines, os “donos do mundo” resolveram dar sua contribuição à “sustentabilidade ambiental” proibindo utensílios plásticos de uso único, montando buffets sem carne. Tudo isso para “compensar” as emissões de carbono dos combustíveis usado em aviões particulares.

De acordo com um relatório do Greenpeace, dez bancos regularmente presentes em Davos financiaram entre 2015 e 2018 o setor de combustíveis fósseis com US$ 1 bilhão. Segundo a Climate Accountability Institute Apenas 100 grandes empresas são responsáveis por 70% das emissões globais de dióxido de carbono (CO2) desde 1988. Na verdade, o apelido dado a edição deste ano de “Davos Verde” é em relação a grana dessa gente.

Guedes: a culpa é dos pobres

O ministro da Economia, Paulo Guedes, agiu como um caixeiro viajante tentando “atrair investimentos”. O problema é que não vai ter investimento algum, mas sim a entrega do patrimônio público por meio das privatizações, ou seja de estruturas já criadas pelo Estado.

Ao todo, “o caixeiro” apresentou 115 projetos que inclui o leilão de 5G, previsto para o segundo semestre deste ano. As estimativas iniciais de valor da outorga (taxa paga para explorar a concessão pública) ficam em torno de R$ 20 bilhões. Também botou na mesa 11 ferrovias, 22 aeroportos, 19 rodovias, além da privatização de empresas como Eletrobrás, Nuclep, Casa da Moeda e estudos para a desestatização de Telebrás e Correios. Se não teve buffets sem carne, Guedes serviu filé mignon ao imperialismo em Davos. Também incluiu projetos estaduais de concessão nas áreas de saneamento, como é o caso da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), do Rio de Janeiro.

Mas o que chamou atenção do mundo, foi a declaração de Guedes culpando os mais pobres pela degradação ambiental no Brasil. “O grande inimigo do meio ambiente é a pobreza”, disse ele. “As pessoas destroem o meio ambiente porque precisam comer”, completou. As declarações foram dadas durante o painel intitulado “Moldando o futuro da indústria avançada”, uma das atividades do Fórum.

A indecência da declaração cai a mais simples retrospectiva 2019. Não foram os pobres que realizaram o “Dia do Fogo” na Amazônia, mas poderosos latifundiários que se sentiram avalizados por Bolsonaro em grilar terras públicas. Os donos da Vale, responsáveis pelo rompimento de duas barragens em Minas Gerais, também não fizeram isso para ter o que comer. Tampouco o governo liberou 503 novos venenos agrícolas pensando nos milhões de miseráveis do país. Tudo isso é resultado de anos de política econômica que promovem a colonização do país pelas grandes corporações. Uma orientação que Bolsonaro e Guedes querem aprofundar.

Relatório sobre as mudanças climáticas

Mas chamou a atenção um Relatório distribuído pelo Instituto Global McKinsey (IGM). O documento trabalha com dados elaborados pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU). No entanto, seu foco – como não poderia deixar de ser – aponta para os prejuízos que os capitalistas poderiam ter com as catastróficas mudanças climáticas.

O Instituto admite claramente que o clima da Terra está mudando. Mais ainda, afirma que as mudanças adicionais são inevitáveis na próxima década. Desde 2010, os relatórios do IPCC fazem simulação de quatro diferentes cenários de aumento das concentrações de gases de efeito estufa, possíveis de acontecer até 2100 – os chamados “Representative Concentration Pathways (RCPs)”. O relatório do IGM trabalha com o pior cenário, o RCP 8.5 (o que significa um armazenamento de 8,5 watts por metro quadrado – W/m2), no qual as emissões de CO2 continuam a crescer em ritmo acelerado. Em tal situação, segundo o IPCC, a superfície da Terra poderia aquecer entre 2,6 °C e 4,8 °C ao longo deste século, fazendo com que o nível dos oceanos aumente entre 45 e 82 centímetros.

Parece surpreendente que os donos do capital trabalhem com esse cenário mais radial, enquanto muitos negacionistas são pagos a preços de ouro (por muitos deles, inclusive) para difundir a confusão na opinião pública. Mas não é. A falência de todos os acordos climáticos, incluindo o Acordo de Paris na recente COP25, mostram que o sistema não consegue impedir a crise que ele mesmo provocou.

Leia mais sobre a COP 25 

O aquecimento é atualmente de cerca de 1.1 ºC em relação à era pré-industrial. Ao atual ritmo das emissões, o teto dos 1.5ºC será atingido nas próximas duas décadas. Segundo o IPCC e um relatório do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), para se manter essa meta seria preciso diminuir as emissões de dióxido de carbono em 7,6% ao ano até 2030(!).

Especialistas calculam que o ponto de não-retorno do seu deslocamento está entre os 1.5 ºC e os 2 ºC de aquecimento. A partir daí será inevitável o derretimento do gelo das calotas polares, do cume das montanhas, glaciares e até da liberação do metano pelo descongelamento do permafrost.

Mas os senhores do dinheiro estão preocupados é com seu lucro. Nesse sentido, o relatório trabalha com cinco variáveis: 1) habitabilidade e trabalhabilidade; 2) sistemas alimentares; 3) ativos físicos; 4) serviços de infraestrutura; 5) capital natural. Em apenas uma década, todos os 105 países examinados pelo relatório poderiam experimentar um aumento em, pelo menos, um desses indicadores.

O item habitabilidade e trabalhabilidade estão relacionados a média de horas de trabalho anuais ao ar livre perdidos devido ao calor e umidade extremos. Com o aumento das ondas de calor, o relatório prevê que para a Índia, até 2030, entre 160 milhões e 200 milhões de pessoas poderiam viver em regiões com uma média anual de 5% probabilidade de sofrer uma onda de calor que excede o limite de sobrevivência. A estimativa do documento é que 1,2 bilhões de pessoas que vivem em áreas com uma média de 14 % probabilidade anual de ondas de calor letais.

Isso afeta diretamente a produtividade do trabalho, a produção de valor e interferiria na taxa de lucro dos capitalistas. O relatório estima uma perda de média de horas de trabalho anuais ao ar livre perdidos devido ao calor dos atuais 10% para 15 a 20% até 2050.

O documento também lembra que os danos provocados nas mais recentes ondas de calor, como na Somália (em 2017) que provocou o deslocamento de 800 mil pessoas; na França (2019) que causou a 1500 mortes; e na Rússia, em 2010, quando 55 mil mortes foram atribuídas a onda de calor.

Já no item sistema alimentares, o relatório afirma que o aquecimento do oceano reduz as capturas de peixes, afetando a meios de subsistência de 650 a 800 milhões pessoas que dependem da pesca. Também lembra a forte seca no Sul da África em 2015 que resultou em queda de 15% na agricultura. A estimava feita é que o aquecimento global torne isso três vezes mais provável.

As perdas em ativos físicos também vão se intensificar. As mudanças climáticas estão intensificando a força de furacões, tempestades e podem elevar o nível dos oceanos. Assim, o relatório já orienta investimentos (!). Os mercados financeiros poderiam antecipar o reconhecimento de risco nas regiões afetadas, com consequências para alocação de capital e seguros. Uma maior compreensão do risco climático pode tornar os empréstimos de longa duração indisponíveis, impactar o custo e a disponibilidade do seguro e reduzir os valores terminais. Isso pode desencadear a realocação de capital e a reprecificação de ativos”, explica o documento. Na Flórida, por exemplo, (uma das regiões do planeta em que boa parte tende a desaparecer com a elevação dos oceanos) o documento estima que as perdas decorrentes das inundações podem desvalorizar as casas em US$ 30 bilhões a US$ 80 bilhões até 2050.

Em infraestrutura, o relatório toma como exemplo das atuais mudanças climáticas as inundações na China em 2017, cuja estimativa de danos foi de US$ 3,55 bilhões. Em cenário mais radical a estimativa é que isso seja duas vezes mais provável.

Por fim, o relatório prevê uma enorme perda do que chama de capital natural que seriam geleiras, florestas e ecossistemas, cuja destruição “compromete o habitat humano e a atividade econômica”.

O conceito de “capital natural” é da chamada economia neoclássica e se refere a estoque real de bens que possui o poder de produzir mais bens no futuro. Por exemplo, florestas como estoques de madeira, terras agriculturáveis, estoques de água ou combustíveis fósseis, etc. É um jeito acadêmico que o capitalismo encontrou para se referir as funções ambientais que deseja se apropriar,  colocar preço e converter em mercadoria. O derretimento dos glaciares do Himalaia e a redução de fornecimento de água atingiria mais de 240 milhões de pessoas, cita como exemplo o relatório.

A primeira coisa que o relatório do Instituto Global McKinsey escancara é o fato do capitalismo ser totalmente insustentável também do ponto de vista ambiental. O ciclo de produção do capital é guiado pela necessidade do lucro, do consumo mais rápido e cada vez maior dos recursos naturais. Isso leva à atual catástrofe climática e à depredação da natureza, pois a apropriação contínua dos recursos simplesmente não é compatível com o tempo necessário à recomposição dos ciclos naturais. Não por acaso, no mês de março, a União Internacional de Ciências Geológicas, que se reunirá em Nova Dehli, Índia, vai indicar que vivemos desde da metade do século passado no Período do Antropoceno, um novo período geológico provocado pelo Capitalismo. Muitos autores afirmam que é o verdadeiro nome seria “Capitaloceno”, considerando que a gênese do novo período geológico não é fruto da ação humana em abstrato, mas sim uma consequência histórica de um sistema que elegeu matriz energética fóssil para erigir a atual civilização.

A segunda conclusão é que os “donos do mundo” sabem exatamente o futuro catastrófico que está por vir. E nem por isso moverão uma palha para deter a barbárie climática. A terceira conclusão é que o relatório serve para calcular riscos, orientar investimentos, relocar capital e, talvez, até para aproveitar “onda verde” e faturar algum dindim ao precificar e mercantilizar recursos naturais ainda não privatizados.

A última conclusão é de que será preciso superar o capitalismo e construir uma sociedade socialista, com novas relações de produção e novas forças produtivas que revertam as mudanças climáticas e restabeleçam o equilíbrio metabólico entre a sociedade e a natureza. Uma sociedade na qual os pobres e oprimidos detenham o poder político e controlem o poder econômico de forma racional. Parafraseando um famoso pensador francês, Davos mostrou que “só a revolução faz o bom clima”.