Protestos na França contra assassinato de imigrante
Protestos nas ruas de Nanterre, França, no dia 28 de junho
Fabiana Stefanoni, do PdAC da Itália

Michaël, como está a situação na França atualmente? E o que exatamente aconteceu entre Nahel e a polícia?

Após o brutal assassinato deste jovem, um grande protesto está acontecendo, principalmente nos subúrbios. Os controles policiais estão se tornando mais frequentes e, em virtude de uma lei de 2017, os policiais podem usar armas se as pessoas se recusarem a cumprir uma ordem. Esta lei provocou um aumento nos assassinatos cometidos pela polícia. O que aconteceu também se refere ao fato de que há muitas pessoas na França, principalmente nas periferias pobres, que dirigem sem carteira, até porque na França é muito difícil obtê-la e depois mantê-la, também por causa dos custos. Mas os pobres precisam de um carro para ir trabalhar. São muitos os jovens que andam de carro sem ter carteira de motorista: é um fenômeno generalizado nas periferias.

Lecionei por 13 anos em bairros populares, onde vivem muitos jovens imigrantes e filhos de imigrantes, que sempre foram vítimas da opressão e do racismo. Mas desde a época de Sarkozy, uma política particularmente agressiva em relação a esses jovens foi iniciada e a polícia tem uma atitude racista, a polícia, em grande parte, é apoiadora de Le Pen. Muitos policiais têm uma atitude agressiva, desafiadora e quase humilhante em relação aos jovens imigrantes de bairros pobres, fazendo uso abundante da violência.

Para se ter uma ideia do que se passa, há que ter em conta que nestes bairros há polícias que, para provocar, pedem dezenas de vezes, até consecutivamente, o documento de identidade à mesma pessoa. É por isso que se alastra um sentimento de ódio contra estes policiais racistas e arrogantes, sobretudo entre os jovens, que por vezes não hesitam em enfrentá-los. A isso se soma, por parte do governo, uma dura política econômica contra esses setores populares, principalmente contra os imigrantes. O braço armado do Estado burguês se coloca, de forma arrogante, em defesa dessas políticas. Há controles policiais permanentes, que exasperam esses setores pobres. Acrescente-se que a cada ano aumenta o número de pessoas assassinadas pela polícia, com uma dinâmica semelhante a esta; são 13 casos desde o início de 2022.

Acho que você já viu o vídeo: os dois policiais pararam o carro e um deles disse para o outro “mata ele“. Pode-se imaginar que isso assustou o jovem, que tentou fugir e foi morto a tiros. A versão oficial é que os policiais atiraram em legítima defesa, mas infelizmente para eles uma senhora registrou tudo e vemos exatamente o contrário: os dois policiais estavam ao lado do carro e dá para ouvir claramente um deles dizendo para o outro: “mata ele.”  A imprensa e a mídia burguesa explicaram que se tratava de um ato de legítima defesa por parte da polícia, alguém garantiu que este jovem era conhecido por casos anteriores de violência: uma verdadeira e própria mentira racista.

Imagens de protestos e tumultos chegam a todos os países do mundo. O que você pode nos dizer sobre isso?

A notícia da morte do jovem se espalhou na terça-feira. A mídia divulgou a versão oficial – a de “legítima defesa” – mas era uma versão muito difícil de sustentar devido ao vídeo que estava sendo transmitido. O governo, nitidamente em apuros, reagiu com menos arrogância do que de costume. Diante do vídeo do assassinato, tanto Macron quanto os demais representantes das instituições declararam que era preciso verificar com cuidado o ocorrido (!). No primeiro dia houve confrontos, que cresceram e se radicalizaram nos dias seguintes. Tem acontecido confrontos com a polícia em muitos bairros populares, jovens usam coquetéis molotov e outros artefatos improvisados ​​contra alvos simbólicos, como delegacias, viaturas policiais (em uma cidade queimaram todas as viaturas, ficaram sem carros. .), ônibus, prefeituras, escolas, etc. Numerosos bairros foram atravessados ​​por incêndios, com vários assaltos a supermercados. É uma verdadeira revolta popular.

A repressão do governo se intensifica. Há muitas prisões, é provável que também haja maus-tratos e tortura, um manifestante perdeu um olho. A situação do país é esta, com muitas cidades atravessadas por este incêndio. O estado de emergência solicitado por alguns setores da direita ainda não foi decretado, mas Macron decretou o bloqueio dos transportes após as 21h e o noticiário anunciava que pelo menos 45 mil policiais e gendarmes foram mobilizados. Medidas repressivas provavelmente aumentarão. É uma revolta espontânea, que não tem direção política, ao contrário do que sustentam o governo e setores de direita.

Existe a possibilidade de esses protestos se juntarem às mobilizações contra a reforma previdenciária?

A união das diferentes lutas seria o ideal, mas é preciso dizer as coisas como estão: a situação atual não torna esse objetivo facilmente alcançável. O que podemos dizer com certeza é que existem hoje melhores condições do que no passado para uma possível convergência desses protestos; em comparação com 2005, quando houve uma grande revolta nas periferias, porque então as organizações operárias e o movimento de esquerda eram hostis a essas revoltas. Mas agora existem amplos setores do movimento de trabalhadores e organizações de esquerda que acolhem esses protestos. Obviamente, veremos qual será o desenvolvimento dele.

Em Nanterre houve uma manifestação muito participativa. Os sindicatos não convocaram a greve, mas a participação foi muito ampla. Note-se que a mídia tem uma linguagem vergonhosa, racista, sempre ataca os jovens: representam os interesses da burguesia e nada dizem sobre o que esses jovens sofrem diariamente.

A hostilidade contra o governo e contra Macron está crescendo entre as massas. O problema é que não temos um partido revolucionário com influência de massa que possa impulsionar a unidade nas lutas. Mas situações interessantes continuam ocorrendo, indicando uma tendência positiva. Por exemplo, recentemente houve um ataque a organizações que lutam contra a privatização da terra e da água, em defesa dos territórios, contra as mudanças climáticas, etc. (Soulèvements de la Terre): todas essas organizações foram banidas, levando a protestos. Durante uma das manifestações, todos os participantes pediram unificação na luta contra a violência policial e se solidarizaram com a família Nahel, e muitos foram se manifestar em Nanterre. Existe a possibilidade objetiva de unificar as lutas dos trabalhadores contra as opressões, as lutas pela defesa do meio ambiente, etc.

Você mencionou o movimento dos trabalhadores. Vamos dar um passo para trás. Como foi o dia da greve em 6 de junho? Aqui a mídia fala de uma queda drástica na mobilização. É realmente assim?

No dia 6 de junho, a mobilização foi um pouco mais fraca do que nos dias anteriores de greve nacional, mas isso não quer dizer que tenha sido insignificante. Os sindicatos declararam pelo menos 940.000 manifestantes em todo o país (300.000 somente em Paris), embora a polícia sempre tente reduzir os números, muitas vezes de maneira ridícula. Visivelmente menos do que os mais de três milhões no final de março, mas ainda assim são números significativos. Ao mesmo tempo, não há dúvida de que existe uma situação de refluxo, fruto da política levada a cabo pelas direções sindicais. É importante notar que nas manifestações do dia 6 de junho, em particular em Paris, vimos importantes setores de ativistas que não têm a menor intenção de desistir e aceitar a “reforma” previdenciária de Macron. Eles querem continuar lutando para forçá-lo a retirá-la. Muitos pensam assim, especialmente nos setores de trabalhadores que organizaram greves prolongadas e ocupações de fábricas.

O problema é que os dirigentes sindicais, depois das grandes manifestações de massa do Primeiro de Maio, esperaram mais de um mês para proclamar uma nova jornada de luta. De fato, isto tem causado uma desmobilização parcial, até porque enquanto o governo está promulgando os decretos de aplicação da lei, que deverão entrar em vigor no início de setembro. O governo continua dizendo que é preciso passar para outras questões agora, o que para eles significa passar para outros ataques.

Deve-se acrescentar também que no dia 6 de junho houve menos ações radicais do que no passado, embora também não tenham faltado desta vez. Por exemplo, em Paris, um grupo de ativistas invadiu a sede do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos de 2024. Houve também inúmeros confrontos entre manifestantes e policiais, com a habitual repressão policial. Ocorreu um fato que causou comoção, principalmente nas redes sociais: em Toulouse, uma manifestante de 20 anos perdeu a consciência e foi arrastada à força por vários metros rua abaixo pela polícia… enquanto estava inconsciente! A polícia nem mesmo permitiu que um médico do sindicato de base dos Solidaires se aproximasse dela para examiná-la. Eles o rejeitaram violentamente. Dentro da polícia francesa há uma alta porcentagem de partidários da extrema direita: é um aparato que deve ser totalmente destruído.

Explique-nos melhor como estão atuando as direções sindicais. Que balanço podemos fazer?

Acho que a melhor maneira de entender como as direções sindicais estão agindo é ouvir as declarações dos próprios dirigentes sindicais. Por exemplo, o secretário-geral de um sindicato católico declarou que seu sindicato nunca havia visto uma mobilização tão grande de seus ativistas e que por isso é grave que o governo “não os escute”.

O secretário-geral do CFDT [uma das maiores centrais, e ao mesmo tempo politicamente atrasada, ndt.] em entrevista ficou satisfeito que graças a essas mobilizações o número de seus filiados cresceu em 43.000 novas adesões. Na verdade, eles raciocinam como comerciantes, pensando apenas em aumentar o número de filiados sem dizer nada sobre a implementação em curso da “reforma” previdenciária. Ele declarou com satisfação que “a força do sindicato foi demonstrada” … embora os trabalhadores tenham que trabalhar mais dois anos antes de se aposentarem!

Um dos principais dirigentes da CGT afirmou que “sempre haverá uma batalha contra a reforma da previdência”, mas acrescentou que “agora é preciso lutar por melhorias concretas”, referindo-se à necessidade de desviar a atenção para outras demandas (salários, etc. .). Uma forma de sancionar a derrota na questão das aposentadorias/pensões. E, entre outras coisas, o pior é que não há “melhorias concretas” que possam ser obtidas neste momento: o governo e os patrões se preparam para desferir novos golpes duríssimos nos trabalhadores.

Ao mesmo tempo, há grande revolta entre os sindicalistas pelo fato de terem lutado muito, perdido muitos dias de salário por causa da greve, investido muita energia na batalha, com bloqueios, ocupações, etc… e os dirigentes sindicais prevaricam, como fizeram depois de 1º de maio, esperando até 6 de junho para retomar a mobilização. Até a confederação sindical mais à esquerda, Solidaires, já dá como certa a aprovação da lei previdenciária: enfatizam que o ocorrido não foi em vão, mas falam da “fase final” da mobilização. Deve-se notar, no entanto, que o descontentamento e a raiva social estão longe de ter chegado ao estágio final.

Quanto ao balanço, podemos dizer que os trabalhadores estão aprendendo uma lição, que os dirigentes sindicais não são confiáveis ​​e que pensam apenas em seus próprios interesses. Era necessário organizar uma greve total: havia uma possibilidade concreta de derrotar e até mesmo derrubar Macron. Pensemos apenas em como os dirigentes permaneceram imóveis diante das greves no setor petrolífero. Macron, por outro lado, mostra grande determinação: não tem escrúpulos, está pronto para fazer qualquer coisa para manter o controle político.

Um balanço semelhante pode ser feito para as direções políticas: France Insoumise e NPA estão pensando nas eleições gerais de 2027, preparando uma aliança eleitoral, não pensando em retomar as lutas. Outros grupos têm uma atitude muito sectária e autorreferencial, impedem um verdadeiro desenvolvimento unificado das lutas, pensam apenas em fortalecer seu próprio grupo. Nós, como LIT-QI, com nossas energias militantes, procuramos intervir no movimento para reverter essas tendências.

Artigo publicado em www.partitodialternativacomunista.org

Tradução italiano/espanhol: Natália Estrada