Ação da OAB é votada no Supremo Tribunal Federal
Foto STF
Redação

Nesse 2 de abril o Supremo Tribunal Federal colocou em votação a Ação Direta de Inconstitucionalidade da OAB que questiona a legalidade das doações das empresas às campanhas eleitorais. Seis ministros já haviam votado a favor da medida quando o ministro Gilmar Mendes pediu vistas do processo (pediu mais tempo para “analisar” o processo).

Com os seis votos contrários, consolida-se uma posição no STF contrária à doação por empresas para as campanhas eleitorais. A ação ingressada pela OAB, e acompanhada pelo PSTU, parece lograr êxito. Entretanto, houve um voto contrário e o processo foi novamente suspenso, com mais um pedido de vistas. Caso o processo seja efetivamente concluído no primeiro semestre, é possível que já neste ano as empresas sejam proibidas de investirem nas campanhas eleitorais. Isto seria uma grande vitória fruto das jornadas de junho.

Desde meados de 2013 o povo brasileiro redescobriu que pode agir diretamente sobre a sua história. Uma das pautas está  justamente relacionada à democracia. Trata-se de buscar uma forma de eleição onde o poder econômico das empresas não seja uma determinante sobre quem vai ganhar.

Em paralelo, surgiram dois casos que agora podem tornar-se CPI´s no Congresso: o Metrô de São Paulo e a Petrobrás. Ambos os casos servem de exemplos de como, na verdade ao se permitir o financiamento de campanhas por empresas, se está legalizando a corrupção.

O caso do Metrô é emblemático. A Caf Brasil Industrial e Comércios S/A doou, no dia 30 de setembro de 2010, por meio do recibo eleitoral n° 45000001165, o valo de $ 500 mil, por meio de transferência eletrônica ao Diretório Estadual do PSDB de São Paulo.  [1]. Qual seria o interesse de uma empresa de capital espanhol em “investir” no processo eleitoral interno do Brasil? Um empresa que até 2009 sequer tinha qualquer fábrica no Brasil. Justamente, em 2010, inaugura uma fábrica no estado de São Paulo, com um contrato com o governo estadual. Neste mesmo ano, num ato “desprovido de qualquer interesse”, esta empresa “doa” meio milhão de reais ao PSDB. É muito difícil crer que se trate apenas de um acaso o fato de a empresa ter tido seu contrato inicial a venda de trens para o Metrô de São Paulo. A empresa neste período estava envolvida com a formação de um cartel responsável por fraudes nas licitações de compras de metrôs no estado.

Já a campanha de Dilma, em 2010, recebeu um milhão de reais da empresa Tractebel. “A Tractebel, uma companhia com sede em Florianópolis, é controlada pela francesa do setor de energia GDF Suez. O bilionário empresário belga Albert Frère, que controla a Astra Oil por meio da Transcor Astra Group, é também um dos acionistas da gigante mundial da França.”[2]

Os maiores investimentos em campanhas eleitorais são de empresas que negociam de forma direta com o poder público. Portanto, quando uma empreiteira investe em um campanha, ela espera retorno. Está implícito na relação que a empresa que financia um candidato terá que ganhar alguma licitação depois que ele for eleito. Trata-se de uma forma de comprar o voto daquele que será eleito, antes da eleição. E uma compra de voto com recibo, “legalizada”. Tendo o empresário Fernando Cavendish dito, em gravações: “Se eu botar R$ 30 milhões na mão de políticos, eu sou convidado pra coisa pra c(…)!”[3] As empreiteiras “colocam” milhões nas mãos da maioria dos partidos, e assim se garantem suas licitações. Os bancos fazem o mesmo.

De acordo com matéria publicada na Folha de S. Paulo, as empreiteiras e as empresas que mais doam aos políticos estariam pressionando deputados e senadores do governo e da oposição para desistirem da criação de CPI’s sobre a Petrobrás e o cartel dos trens e metrôs. Ou seja, o que está ocorrendo é que as empresas que financiam as campanhas agora exigem que não sejam feitas as investigações sobre seus contratos com os governos. Isto é uma perda completa da soberania popular. Significa que já houve uma completa privatização do Estado brasileiro, comprado pelas empresas que financiam as campanhas eleitorais.

Não se trata de “doação” eleitoral, mas sim de um investimento “eleitoral”, que de fato é a compra do resultado da eleição.

Uma inverdade dos que são favoráveis aos investimentos empresariais nas eleições é que qualquer mudança só vale nas eleições seguintes. Isto não é verdade. O que impede uma lei nova de ser aplicada quando é feita a menos de um ano da eleição é o que se chama “princípio da anualidade”. Isto ocorre para que os parlamentares não mudem a lei nas vésperas da eleição. Mudando “as regras do jogo” com o “jogo sendo jogado”. Entretanto, no caso do financiamento de campanha existem dois elementos diferentes. O primeiro é de que o que está em discussão é se a lei é constitucional, ou seja, se é válida.

Portanto, se STF identificar que ela é inconstitucional, já pode dar aplicação imediata à sua decisão. Outro fator é que a própria lei das eleições prevê que no ano eleitoral até o dia 10 de junho seja editada uma lei sobre o tema gastos de campanha. Portanto, o julgamento do Supremo já poderá sim valer neste ano. Só depende agora de ser concluído. Seria muito ruim para o país se, por pedidos sucessivos de vistas, o povo não visse a conclusão em tempo hábil.

O Ministro Marco Aurélio chegou a referir-se ao pedido de vistas como “perdido de vista”. Caso o julgamento não venha a ser concluído ainda este ano haverá uma grande frustração da vontade do povo, que não quer mais ver essa manipulação nas eleições. Não é raro no Brasil a Justiça chegar tarde ou se tornar ineficaz. Por isso a luta e a pressão popular são meios importantes de evitar que isto ocorra neste caso.

Neste momento, o Supremo reflete a pressão das ruas, que exigem um país mais democrático. É possível sim que o financiamento de campanhas por empresas já seja proibido este ano. Tanto é que já surgiu o desespero na Câmara de Deputados, que já planeja votar uma PEC (Projeto de Emenda Constitucional), para “legalizar” as doações por empresas. Trata-se de permitir que as raposas cuidem do galinheiro.

Os políticos que lá estão, quase todos, foram financiados por empresas, e assim pretendem permanecer. É mais fácil para um deputado atender a vontade de uns poucos empresários do que do conjunto do povo. Surgem também contradições, setores do próprio parlamento que passam a ser contrários a tal tipo de investimento empresarial. No Senado, por exemplo, a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) aprovou lei que proibiria o financiamento por empresas.

Mas o debate sobre o financiamento das campanhas, como a reforma política, não pode ficar nos corredores do Legislativo. De lá o povo já viu que não sai nada de bom sem que seja uma vitória das lutas populares. Este debate deve tomar as ruas, entrar nos fóruns dos movimentos que surgiram desde meados de 2013. Devemos pautar no movimento temas como a participação dos revolucionários nas eleições, os limites das eleições burguesas e propostas de reforma política.

Não há aqui uma ilusão de que o simples fato de se proibir o investimento empresarial no processo eleitoral vá impedir o caráter burguês da própria eleição. Entretanto, é um total descaramento do caráter de classe do Estado que empresas, legalmente, financiem campanhas. Impedir isto é um avanço.

Mas nossas pautas vão muito mais além disto. Enquanto houver uma sociedade dividida em classes, não se pode falar de fato em democracia. Pois enquanto houver fome e desemprego para muitos, e riquezas e luxo para poucos, não haverá de fato a igualdade necessária entre as pessoas. Existem no Brasil muitas distorções que já foram superadas em vários países. Não existe um equilíbrio real entre os partidos e os candidatos. De modo que cada eleição sempre reflete a proporção dos resultados da eleição anterior.

Mesmo que se possa dizer que no capitalismo é impossível uma democracia real, ainda assim, seriam possíveis muitas outras mudanças. O sistema eleitoral no Brasil, ainda é, no geral, uma estrutura montada pelas Ditaduras Vargas e pós-1964. Cortar o financiamento das empresas nas campanhas eleitorais é um passo importante, mas só o primeiro.

O PSTU, por exemplo, defende o fim do Fundo Partidário e que os partidos tenham seu funcionamento cotidiano bancado por sua própria militância. Defende também o financiamento público das campanhas eleitorais. Que haja uma distribuição igual dos tempos de TV entre os partidos ou coligações. Defende também o fim do coeficiente eleitoral como “clausula de barreira”. Enfim, as pautas da reforma política devem agora ser retomadas e debatidas no conjunto da sociedade.

*Roberto Silva é advogado

[1] Cf.: no sítio eletrônico da Justiça Eleitoral

http://spce2010.tse.jus.br/spceweb.consulta.receitasdespesas2010/abrirTelaReceitaComite.action

Doador   CAF BRASIL INDUSTRIA E COMERCIO S/A  CPF/CNPJ    02.430.238/0001-82     Data       30/9/2010      Nº Recibo Eleitoral  45000001165  Valor R$ 500.000,00        Espécie do Recurso-  Transferência eletrônica          Tipo do Comitê    Direção Estadual/Distrital     Partido PSDB    UF- SP

[2] Cf.: Díário de Pernambuco, 26 de março de 2014: http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/politica/2014/03/25/interna_politica,495761/empresa-que-repassou-dinheiro-ao-pt-em-2010-tem-relacao-com-astra-oil.shtml

[3]Cf.: http://www.youtube.com/watch?v=6gkLmuERRM0&feature=player_embedded; http://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2012/04/17/dono-da-delta-se-botar-30-milhoes-na-mao-de-politicos-sou-convidado-pra-coisa-pra-caralho/

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