85 pessoas possuem uma riqueza equivalente a de metade da população mundial
Redação

O 1% mais rico da população mundial detém 46% de toda a riqueza do planeta

Na última segunda-feira (20), foi divulgada uma pesquisa para ser apresentada ao Fórum Econômico Mundial de Davos, que deve reunir os principais representantes da elite econômica mundial. O documento Governar para as elites – sequestro democrático e desigualdade econômica, produzido pela Oxfam Internacional, traz uma série de dados atuais sobre a realidade da concentração de renda mundial. As cifras apresentadas pela ONG são impressionantes.

Os resultados, obtidos a partir de dados oficiais de instituições e relatórios de diversos países, demonstram a profundidade da desigualdade mundial. As 85 pessoas mais ricas do planeta possuem a mesma quantidade de recursos das 3,5 bilhões mais pobres. Ou seja, um pequeno grupo que não chega a 100 indivíduos possui uma riqueza equivalente à de metade da população mundial. Segundo a pesquisa, o 1% mais rico da população mundial detém US$ 110 trilhões, 46% de toda a riqueza do planeta.

A disparidade é tão grande que o homem mais rico do mundo, o mexicano Carlos Slim, poderia pagar o salário anual de 440.000 trabalhadores mexicanos, apenas com a renda gerada por sua riqueza. Carlos Slim é dono da América Móvil, empresa que controla de maneira monopolista as telecomunicações mexicanas (80% da telefonia fixa e 70% da telefonia móvel do país). Ele possui uma fortuna estimada em US$ 73 bilhões.

A concentração de renda não se resume à América Latina de Carlos Slim. Na Europa da austeridade os dados também são cruéis. As 10 pessoas mais ricas do continente possuem uma fortuna maior do que todos os planos de resgate e estímulos ao crescimento econômico aplicados pela União Europeia, entre 2008 e 2010. São €200 bilhões aplicados pela UE, contra €217 bilhões nas mãos dos 10 europeus mais ricos. A crise econômica mundial, aliás, representou um belo impulso à acumulação desenfreada de riquezas. Segundo a Oxfam, o 1% mais rico da população dos Estados Unidos abocanhou 95% de todo o crescimento econômico do país entre 2009 e 2011.

A concretude dos dados pode chocar à primeira vista, mas não representam uma situação surpreendente. A desigualdade social em todos os locais do globo é bastante visível (a concentração de renda nas mãos do 1% mais rico da população aumentou mais de 50% mesmo nos países escandinavos, tidos como o paraíso da igualdade sob o capitalismo). O que não é revelado pelo documento da Oxfam, no entanto, é que isso diz respeito à própria lógica de acumulação do capital, e não deixará de acontecer enquanto este modo de produção continuar existindo.

O capitalismo se sustenta na desigualdade
O que explica um único indivíduo acumular uma fortuna tão grande que equivale à riqueza de centenas de milhares de pessoas? Alguém que viva de um salário médio deve chegar a se perguntar se é realmente possível gastar 73 bilhões de dólares em uma única vida.

 

Para além dos inevitáveis questionamentos morais que essa situação levanta, é necessário compreender que a concentração de riquezas está na base da sociedade capitalista. Todo o funcionamento da produção material capitalista se baseia no investimento de capital em um determinado ramo produtivo com fins de retirar um valor superior ao investido ao final do processo. Esta operação só é possível devido à exploração do trabalho de muitos por parte dos poucos que detêm capital.

 

O trabalho humano é a única maneira de produzir novas mercadorias que, quando vendidas, transformam-se em lucro. Para que o lucro se efetive, o capitalista necessita pagar, na forma de salário, apenas uma parte do produto da atividade do trabalhador. Se, por exemplo, uma fábrica pagasse a seus operários em salários exatamente a quantidade de riqueza produzida na forma de mercadoria por eles nada sobraria para o capitalista. Na verdade, a força de trabalho dos operários desta fábrica é capaz de gerar mais valor do que o necessário para manter a subsistência dos trabalhadores. Então, descontado o salário com o qual o trabalhador suprirá as necessidades básicas suas e de sua família, todo resto de sua produção pode ser apropriada pelo capitalista.

 

Resumindo, a distribuição desigual da riqueza produzida é o resultado do fundamento da sociedade capitalista: a exploração do trabalho assalariado. Além disso, quanto mais capital é acumulado, mais forte se torna esta lógica e a capacidade de acumulação. Quanto mais se acumula capital nas mãos de poucos, mais pessoas são forçadas a vender sua força de trabalho para estes a fim de sobreviver. Dessa maneira, quanto mais trabalha, valorizando o capital de seu patrão, mais o trabalhador gera uma força estranha a ele que se fortalece e o domina com correntes ainda mais opressoras. Quanto mais trabalha, mais separado da propriedade dos meios de produção se encontra o trabalhador, perpetuando-se na sua condição de explorado. Outros tantos, por sua vez, serão excluídos completamente do processo produtivo e jogados na completa miséria.

 

A acumulação de riquezas no capitalismo é incontrolável
A Oxfam não se limitou a apresentar os dados de suas pesquisas. Ela os produziu em forma de documento para ser apreciado pelos representantes da burguesia presentes em Davos, que além dos resultados, contém também recomendações para que as desigualdades sejam combatidas. Ou seja, a Oxfam alimenta esperanças de que aqueles que se beneficiam infinitamente com a produção da desigualdade social irão, eles mesmos, solucioná-la.

 

Isso se dá porque a ONG também não tem como objetivo acabar com a desigualdade e, muito menos, com a acumulação de capital. Segundo seu próprio relatório: “Um certo grau de desigualdade econômica é fundamental para estimular o progresso e o crescimento”. Eles gostariam apenas de combater seus excessos.

 

O capitalista individual pode ser ganancioso e egoísta, ou pode mesmo ser um generoso filantropo. Pouco importa. A lógica de acumulação do capital vai além de sua vontade individual. Neste processo, é o próprio capital que é o sujeito de sua valorização. E, como diria Marx, o capitalista não passa de “capital personificado, dotado de vontade e consciência”. Neste sentido, independente do que pensem de si os 85 indivíduos mais ricos do mundo, a lógica de acumulação do capital continuará lançando a ruína sobre o grosso da população mundial.

Não é possível reformar o capitalismo e dar a ele uma face mais humana, menos desigual, mais justa etc. Esse receituário vem sendo constantemente refutado pela própria realidade, especialmente com a atual crise econômica mundial. Se um capitalista individual decide não se entregar completamente à lógica de acumulação de capital será, em mais ou menos tempo, levado à falência, pois outro membro de sua classe se apropriará da riqueza da qual este abriu mão. Se neste jogo, milhões ou bilhões de pessoas têm de ser esquecidas é outra preocupação que a lógica do capital não permite ser levada a sério. Afinal, são os interesses de autovalorização do capital, “dotado de vontade e consciência” que importam, e não os interesses da maior parte da humanidade.

Como exemplo de que é possível combater as desigualdades sociais, a Oxfam apresenta o Estado de Bem-Estar Social que vigorou nos Estados Unidos e na Europa durante o pós-II Guerra Mundial. Ou seja, o bem-estar social que durou durante míseras três décadas, em menos de 15 países, sustentado pela hiperexploração da classe trabalhadora do chamado Terceiro Mundo, que ruiu como um castelo de cartas com a Crise do Petróleo de 1973 e tem os seus resquícios continuamente atacados com a atual crise econômica mundial, como vemos na Europa.

Outro exemplo dado pela ONG é o programa brasileiro de distribuição de renda Bolsa Família, que representa, de fato, 0,05% do PIB do Brasil. Para apresentar o Bolsa Família como um programa efetivo de combate à desigualdade social, o documento teve que omitir o fato de que os empresários ainda ficam com 40% da riqueza produzida no país. Mesmo com os índices de desigualdade social tendo diminuído em toda a América Latina, nos últimos dez anos, eles continuam extremamente altos, atingindo 53,9 (Coeficiente Gini) no caso brasileiro.

Só o socialismo pode acabar com a desigualdade
Todos aqueles que queiram combater a desigualdade sem destruir o capitalismo, a exemplo da Oxfam, precisam abrir mão de acabar definitivamente com ela. O capitalismo é justamente o modo de produção em que a riqueza produzida socialmente é apropriada de maneira privada, dando origem a um ciclo de acumulação e exploração, que não pode ser reformado ou controlado, mas apenas destruído.

 

Assim, a construção de um capitalismo com cara humana é a verdadeira utopia inatingível de nossos dias. Na verdade, combater definitivamente a desigualdade social é, muito mais do que conquistar uma melhor distribuição da riqueza produzida no mundo, subverter a lógica de um sistema no qual a autovalorização do capital é mais importante do que o desenvolvimento da maior parte de indivíduos humanos.

 

Desse ponto de vista, o socialismo representa a reapropriação, por parte da grande maioria da humanidade, do controle de sua própria capacidade de produzir riquezas. Foi o capitalismo, que através da concentração da propriedade dos meios de produção e da expropriação da maioria da população mundial, forçando-a a venda da sua força de trabalho para sobreviver, fez da produção um fenômeno completamente socializado. No entanto, a contradição persiste no fato de que a produção social se reverte em apropriação privada, fazendo com que o inteiro processo produtivo seja controlado por poucos, que, por sua vez, não têm outra opção que não seja dar continuidade à irracionalidade da acumulação capitalista. Por isso, além de distribuir a riqueza produzida, os socialistas desejam que os trabalhadores retomem o controle do próprio processo de sua produção.

 

A grande propriedade capitalista, concentrada nas mãos de poucos, nem sempre existiu. Ela é o resultado de um longo e violento processo que afastou os trabalhadores da propriedade e controle dos meios de produção ao longo da história. Da expulsão dos camponeses europeus de suas terras à escravidão dos negros africanos, do roubo das riquezas naturais das civilizações originárias da América à exploração do trabalho de milhões de operários em troca de salários de miséria em todo o mundo, passando pelas guerras de rapina e as fraudes financeiras, a lista de crimes da acumulação capitalista é enorme e aumenta diariamente.

 

No processo de sua constituição, ela é o fruto do sucesso que uma pequena parcela da população mundial obteve em arrancar a riqueza da grande massa do povo. O socialismo é justamente o processo inverso, em que a grande massa do povo recuperará toda a sua riqueza ao expropriar um pequeno punhado de parasitas. E este será o primeiro passo efetivo para extinguir definitivamente toda a desigualdade social.