No dia 19 de fevereiro, cerca de 1.500 pessoas tomaram a Av. Paulista para protestar contra a onda de ataques violentos a homossexuais e exigir a aprovação da lei que torna crime a discriminação em função da orientação sexual, deficiência, idade ou gêneroA concentração dos participantes da “Marcha contra a homobofia! Pelo PLC 122/2006!” começou por volta das 15h, numa das esquinas símbolo da capital paulista, o cruzamento das avenidas e Paulista e Consolação. Aos poucos, o local foi se tornando um retrato vivo e colorido da razão que levou centenas de pessoas para a rua: a defesa da diversidade, da liberdade de expressão, a indignação contra a violência que vitima os setores marginalizados pela sociedade e, principalmente, a falta de iniciativa das autoridades para punir os agressores ou tomar medidas efetivas de defesa da comunidade GLBT.
A realização da Marcha foi um evento de extrema importância não só em função da necessidade de se dar uma resposta à mais recente onda de ataques, como também pelos próprios rumos do movimento GLBT. Como muitos comentavam, o que se viu no dia 19 foi algo que há muito não se vê nas Paradas, onde a orientação e controle burocrático dos setores majoritários do movimento, anos após ano, têm retirado o caráter político e combativo do Dia do Orgulho GLBT, transformando-o numa espécie de carnaval fora de época. Vale lembrar que fruto desta postura, a direção da Associação da Parada utilizou a força policial para, em 2009, agredir e expulsar os militantes e carro de som da Conlutas no evento.
Na “Marcha contra a homofobia!”, felizmente, apesar de não faltarem a irreverência e o colorido que caracterizam o movimento, nada lembrava os descaminhos adotados pelos organizadores da Parada. A convocação e organização se deu “pela base”; o microfone do modesto carro de som ficou aberto o tempo todo para as entidades presentes e bandeiras do arco-íris vibraram lado a lado com faixas de sindicatos e partidos políticos.
Chega de homofobia e impunidade
Felipe Oliva, um dos fundadores do grupo “Ato Anti-homofobia”, leu o manifesto redigido para convocar a Marcha. O texto foi elaborado já em parceria com os vários grupos e movimentos que se juntaram em reuniões que aconteceram em janeiro.
O texto do manifesto, depois de relatar os episódios, lembra: “Outros 250 brasileiros tiveram destino muito pior em 2010: foram assassinados, unicamente por serem gays, lésbicas, bissexuais, intersexuais, transexuais ou travestis. (…) Incontáveis outros fizeram como Iago Marin, um adolescente de catorze anos que, por não suportar o constante assédio dos colegas de escola, se suicidou em meados de 2009”.
O Manifesto ainda destaca que isto tudo ocorre apesar de vários estados e municípios (principalmente São Paulo, Minas, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul) terem aprovado, nos últimos dez anos, leis “que punem atos de discriminação por orientação sexual e identidade de gênero com advertências e multas, dentre outras sanções”. O fato é que as leis e punições brandas não só se demonstraram ineficazes para conter a homofobia, como também há uma enorme resistência por parte das autoridades e, principalmente, dos órgãos policiais e de “justiça” em aplicá-las.
Por isso mesmo, a principal reivindicação do Manifesto é sobre a necessidade de “ir além dessas leis pouco eficazes e tornar crime qualquer ato que discrimine um ser humano, meramente por ele sentir afeto por outro do mesmo sexo (gays, lésbicas, bissexuais) ou por se identificar com o gênero oposto (travestis e transexuais)”.
Muitas histórias, uma mesma luta
Logo depois da leitura do manifesto, recebido com enorme entusiasmo, um pequeno texto silenciou o ato, lembrando a gravidade do que estava sendo tratado ali.
Ao tomar o microfone, Luana Torres, do “Ato Anti-Homofobia”, chamou a atenção dos participantes. “Querida mãe”, começou Luana. Aquele era o bilhete de despedida deixado pelo jovem negro da periferia de São Paulo, Iago, para seus parentes. Ele se suicidou por não suportar mais as agressões físicas e psicológicas que enfrentava em sua escola e bairro, com a cumplicidade, inclusive, de professores, que se calavam (ou faziam eco) quando ele era tratado como “bichinha da turma” e sofria permanente assédio e bullying.
O profundo silêncio provocado pela leitura da carta só foi quebrado quando Luana lembrou: “É por isto mesmo que estamos aqui; é por esta razão que isto é uma marcha, não é um desfile (…) é por isto que precisamos tomar o espaço público, para que possamos ser quem somos, sem medo (…) e para exigir o mínimo que precisamos, a aprovação da PLC”.
No meio da multidão, um dos outros integrantes da comunidade formada na internet, o iluminador de teatro Ari Colatti, comemorava o sucesso do ato, destacando o fantástico clima “de respeito à diversidade” que pairava no ar: “Este é o clima que queríamos para transmitir nossa mensagem: a necessidade de juntar todos nós, os discriminados, para agir contra o preconceito, inclusive aquele que ainda existe dentro da própria comunidade, algo que eu, como gay, deficiente e artista, conheço bastante bem”.
Ari, diga-se de passagem, foi um dos personagens do vídeo que circulou na internet para convocar o ato. Ele foi um dos exemplos dos novos caminhos que estão sendo utilizados pelo movimento. O curta é ágil e direto, simples, irreverente e criativo. Sem deixar de ser político.
Atualizado em 25/2/2011, às 12h58