Negros e negras viraram exceções à regra nas arquibancadas

Amarildos, Cláudias e DGs também não estão presentes


Passados 20 dias desde o início da Copa no Brasil, o que não faltam são comentários sobre a qualidade do futebol praticado por Neymar, Messi, Robben e James Rodríguez, a alta média de gols do campeonato, o impressionante nivelamento entre as seleções tradicionais e as menos badaladas além, é claro, dos erros de arbitragem. Outro tema que ocupou as manchetes da Copa diz respeito ao comportamentos das torcidas, contrastando os cantos e a alegria das seleções do Chile, Colômbia e Argentina com a apatia e as vaias da torcida brasileira. Porém a pergunta que não quer calar é: onde estão os negros nas arquibancadas?
 
Num país onde mais da metade de sua população é negra, é bizarro constatar que eles não farão parte do cenário da Copa que percorrerá o mundo inteiro. Segundo pesquisa do Datafolha realizada no Estádio do Mineirão, antes do jogo entre Brasil e Chile, apenas 6% dos entrevistados declararam-se pretos, enquanto 24% declararam-se pardos. Mas qual seria a explicação para esse sumiço?
 
Infelizmente, a resposta está na composição social das arquibancadas da Copa. Com ingressos custando até R$ 1.960 (!!!), somados à explosão dos preços das passagens de avião e da hospedagem, o trabalhador comum, em sua maioria negro, não pode passar nem perto dos estádios literalmente. Afinal, a FIFA proíbe que pessoas sem ingresso circulem no entorno do estádio, demonstrando quem é que realmente manda no país no período da Copa.
 
Infelizmente, #NaCopaTemRacismo
A presidente Dilma parece não conhecer o país que governa. No dia 2 de junho, durante a recepção à Taça do Mundo, pediu uma Copa sem racismo e disse: “O Brasil, nação onde todas as etnias e raças do mundo se encontram e convivem fraternalmente, os convida a se engajar nessa tarefa”. A tentativa de propagandear uma suposta democracia racial no Brasil não se sustenta nem nos estádios, nem no cotidiano das periferias das cidades.
 
Se não bastassem os despejos de mais de 170 mil pessoas de suas casas por conta da Copa e das Olimpíadas, a maioria negros, no Brasil, 67% da população das favelas é negra. Assim como representam 63% dos que vivem abaixo da linha da pobreza. Entre os jovens, os negros tem quase três vezes mais chances de morrer assassinados do que os brancos. Dentre os nove operários mortos nas obras dos estádios, cinco eram negros. Desde 2004, o exército brasileiro serve como policial dos interesses dos Estados Unidos no Haiti, nação guerreira, mas massacrada por ter ousado realizar a primeira revolução feita por escravos negros da história.
 
Isso sem falar na ocupação da Favela da Maré, no Rio de Janeiro, pelo exército, implantada desde abril, que nos seus primeiros 15 dias resultou em 16 mortes de “suspeitos”. Esse é o nome que se dá aos negros pobres que vivem no lugar errado, na hora errada. Aliás, é bom lembrar que foi no Haiti que as tropas brasileiras treinaram essas violentas técnicas daquilo que chamam de pacificação.
 
Caso Dilma realmente quisesse enfrentar o racismo, começaria por não ter desperdiçado bilhões do orçamento para beneficiar as empreiteiras e a FIFA na construção dos estádios, deveria retirar as tropas brasileiras do Haiti e do Complexo da Maré e ter uma política séria de moradia para enfrentar o déficit habitacional do país. Os negros, em especial as mulheres, são os principais atingidos pela má qualidade dos serviços públicos, pela violência do exército e a falta de moradia, pois são os mais pobres e, portanto, os primeiros a sentirem na pele.
 
Ou seja, a campanha lançada por Dilma, chamada Copa sem Racismo, nunca foi possível, pois no Brasil há racismo. O Estado brasileiro é racista, e o governo federal não moveu uma palha para reverter essa situação. Na Copa, não poderia ser diferente.
 
Racismo atinge estádios do mundo inteiro
As agressões racistas a jogadores nos estádios da Europa já são uma realidade há tempos. O caso do jogador Daniel Alves, ocorrido na partida entre Barcelona e Villareal, em abril desse ano, foi o que gerou maior impacto no Brasil, por tratar-se de um jogador brasileiro e pela atitude de ter comido a banana atirada no campo, desmoralizando o racista.
 
Porém, infelizmente, essa praga que sempre existiu no Brasil dentro de campo através de agressões camufladas de provocações, começa a migrar para as arquibancadas, onde já convivem há tempos os gritos homofóbicos e machistas. Apenas este ano, Arouca, do Santos, e o árbitro Márcio Chagas sofreram com xingamentos nos estádios. Tinga, do Cruzeiro, viveu a mesma situação no Peru, em jogo da Libertadores.
 
A punição exemplar dos agressores racistas é importante, mas não resolve o problema. Hoje há uma elitização e, consequentemente, um embranquecimento do futebol nas arquibancadas dos estádios. Enquanto isso, dentro das quatro linhas os jogadores negros, em sua grande maioria atuando sob condições precárias de trabalho, alimentam os bolsos de capitalistas que dirigem o esporte de dentro dos escritórios luxuosos.
 
Lutar contra toda forma de opressão e contra a exploração é a arma contra o racismo
É importante se perguntar: por que o racismo, o machismo, a homofobia e a xenofobia percorrem todas as partes do mundo? Para cada ataque racista ocorrido nos estádios, há milhões de negros nas favelas, milhões de mulheres e homossexuais sofrendo agressões e abusos, milhões de homossexuais sendo mortos e milhões de imigrantes vivendo em condições precárias ao redor do mundo.
 
Isso só acontece porque a opressão dá lucro. Através do racismo, a repressão do Estado contra a pobreza é justificada. Através do machismo e da xenofobia, os salários da classe trabalhadora são rebaixados. Portanto, não é coincidência. É capitalismo.
 
Ou seja, para por fim ao racismo e a todas as formas de opressão, é necessário acabar com a sua base econômica, que é o lucro capitalista. Por isso, é dever de todos os que querem acabar com o racismo apoiar a todas as lutas da classe trabalhadora, a começar pelos seus setores mais explorados.
 
O governo Dilma e a FIFA não são os nossos aliados nessa luta. São também eles os responsáveis pelo racismo dentro e fora do campo. Por isso, infelizmente, na Copa tem racismo.