As forças da polícia de São Paulo e esquadrões da morte se aproveitaram da perplexidade e do medo da população, que se chocou diante da onda de violência, para lançar mão do abate indiscriminado de pessoas consideradas “suspeitas” de colaborar com o PCC.

Os números são imprecisos, mas dão uma pequena mostra da barbárie. Dados oficiais afirmam que a polícia matou 109 suspeitos, mais do que os 65 mortos do último trimestre de 2005. Isso significa que a média diária de homicídios praticados pela polícia é 21 vezes maior do que a do ano passado. A polícia de Nova Yorque, por exemplo, levaria mais de 4 anos para alcançar os mortos em 5 dias em São Paulo.

Entretanto, os números podem ser ainda maiores. Segundo uma reportagem da Folha de S.Paulo, o Instituto Médico Legal (IML) da cidade recolheu 275 cadáveres, provocando uma super lotação ao órgão. Quer dizer, embora os dados sejam imprecisos, já é certo que o número de vitimas é superior ao massacre dos presos do Carandiru, em 1992.

Muitas das vítimas receberam tiros na cabeça ou na nuca, o que indica execução. Para tentar impedir que o escândalo da matança venha à tona, o governo e polícia do estado se recusam a identificar as pessoas mortas. Cinicamente, o governador Cláudio Lembo (PFL), reconhece que a polícia pode ter “eventualmente” matado inocentes. Lula, por sua vez, prestou solidariedade ao governador dizendo que ele “fez tudo o que podia fazer”.

Madrugadas de horror
Depois de ser alvo dos ataques do PCC, a polícia descontou em todos os que ousaram pisar fora de casa na noite de segunda-feira. Na madrugada do dia 15 de maio, em apenas 12 horas, 33 pessoas consideradas “suspeitas” morreram. Muitas dessas mortes são de civis inocentes, sem passagem pela polícia, conforme inúmeras denúncias de moradores.

Testemunhas contam que em São Matheus, na Zona Leste de São Paulo, um cabeleireiro foi morto pela polícia militar quando saia do trabalho. No Jardim Filhos da Terra, na zona norte, o jovem Ricardo Flauzino também foi executado pela polícia, depois que saiu para buscar sua noiva em um ponto de ônibus. Um grupo de moradores protestou e escreveu no asfalto: “assassinos de farda”. Uma equipe de TV filmou o protesto e os acusou de “simpatizantes do PCC”, causando ainda mais revolta.

Na zona sul, o estudante e entregador de pizza Ricardo Vendranelli, sem antecedentes, foi morto, segundo a família, por pessoas usando motos e máscaras ninja.

“Intensidade”
De acordo com O Globo, a temida Rota (denunciada no livro “Rota 66 – A História da Polícia que Mata”, do jornalista Caco Barcellos) foi liberada para usar da “intensidade dos anos 70 e 80”. Comunidades no Orkut serviram para recrutarem policiais para os extermínios: “Se vc é da Capital, junte-se a nós. Estamos formando grupos. É daquele jeito. Teremos apoio dos que estão de serviço e deveremos apoiar os irmãos que estarão de folga e na atividade. A investigação deverá ser branda e com BO de autoria desconhecida”, diz uma das mensagens.

O faroeste da Rota contrasta, no entanto, com o que vinham fazendo seus chefes.
Horas antes, as principais autoridades policiais e do governo do estado fizeram um acordo com os criminosos para cessar os ataques. Apesar de admitirem que houve apenas uma “conversa”, os fatos falam por si só. Em pouco mais de uma hora, todas as rebeliões foram sendo desmontadas e os ataques nas ruas cessaram. Sem ter contra quem guerrear, o jeito que a polícia encontrou foi atacar a população da periferia. Apesar das matanças, o que realmente parou os ataques foi o acordo entre governantes e bandidos.

Esquadrões
Esquadrões da morte também agiram na periferia da capital paulista. Estes grupos são formados por policiais civis e militares, contratados por empresários para “limpar” os bairros de bandidos. Os assassinatos, porém, vitimavam também jovens e trabalhadores que não tinham nenhuma ficha criminal.

Em entrevista à Carta Maior, o escritor Ferréz, morador da periferia, denuncia as chacinas: “Estão escondendo os corpos porque é tudo execução, com tiro na cabeça. Hoje os policiais estão desfilando aqui na rua com touca ninja e camisa Le Coq, que é um grupo de extermínio da polícia”.

Negros e pobres: os principais “suspeitos”
Nenhuma dos “suspeitos” mortos foram alvejados em bairros de classe média de São Paulo. Todas moravam nos imensos bairros pobres da capital paulista.

A maioria é de negros. Antes de identificar seu filho no IML, o pai do catador de papel José Roberto Azevedo, precisou ver os corpos de 10 outras pessoas baleadas. Sua reação foi emblemática: “Eram todos negros”, disse.

O racismo também fica evidente nas na imensa maioria das fotos publicadas pela imprensa. Nelas, quase a totalidade das pessoas paradas ou revistadas pela polícia é negra.

Mais uma vez fica demonstrada a barbárie e o caráter repressivo da polícia paulistana. O povo pobre de São Paulo, além de ser aterrorizado pela máfia do PCC, agora sofre o terror de policiais que numa busca desenfreada por vingança se saciam descarregando suas escopetas e pistolas sobre jovens, negros e pobres da periferia. É impossível não fazer um paralelo com o massacre dos 111 presos do Carandiru. A diferença, porém, é que a polícia e os esquadrões assassinaram mais pessoas e tornaram as execuções na periferia de São Paulo um novo massacre do Carandiru a céu aberto e sem muros.

O jogo de empurra
Lula e Alckmin estão trocando acusações sobre de quem é a responsabilidade pela violência em São Paulo. O petista tentou tirar proveito eleitoral da situação oferecendo o exército para intervir no estado. Há meses atrás, soldados ocuparam morros no Rio de Janeiro em busca de armas roubadas, mas ação foi completamente ineficaz. Só depois de acordo com os traficantes as armas foram recuperadas. Já o tucano, jogou a responsabilidade da violência sobre o governo federal, fingindo não ter nenhuma responsabilidade pela situação.

Ambos são responsáveis pela violência. Por anos os governos apenas responderam o crescimento da criminalidade com mais repressão e polícia na rua e nunca atacaram as razões de fundo da violência: a miséria, desemprego e baixos salários. Nas últimas décadas, governo petistas e tucanos seguiram implementando a cartilha neoliberal, o que provocou uma explosão ainda maior na desigualdade social do país.
Não há saída para o problema da violência enquanto não houver empregos e bons salários para todos. Nenhum desses senhores está preocupado em atacar as reais causas da criminalidade. Ambos têm apenas compromissos com os empresários, latifundiários e banqueiros desse país.

Post author Aristides Lobo, de São Paulo
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