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Wilson Honório da Silva, da Secretaria Nacional de Formação do PSTU

Em dias de greves, principalmente nos transportes e serviços públicos, uma das táticas mais antigas da “grande imprensa” (leia-se “os porta-vozes da burguesia e seus representantes nos gabinetes”) é fazer reportagens com trabalhadores e trabalhadoras que, forçados pelos seus patrões, têm que se virar para se locomover pela cidade. Reportagens nas quais não faltam cenas sensacionalistas, com gente bronqueada e agoniada.

Neste dia 3 de outubro, não foi diferente. Mas, pelo menos em dois casos, eles se lascaram. Dona Fátima e uma moradora anônima do Jaguaré rasgaram o verbo em entrevistas ao vivo para o intragável programa do Datena, na Rede Band, expondo, de forma nua e crua, a revolta da população. Mas, não contra a greve e, sim, contra o governador bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos) e aquilo que levou à paralisação do Metrô, da CPTM (trens) e da Sabesp (água e esgoto): o sucateamento e os péssimos serviços resultantes da privatização.

Tarcísio e seu ataque à greve levados a nocaute, sem dó nem piedade

Isso aqui não é culpa de sindicato, não. É de governantes que não valem merda! Não valem nada!”, disparou Dona Fátima, diante de um repórter que, querendo saber porque a senhora estava “revoltada”, acabou sem saber onde enfiar o microfone e praticamente teve que fugir para que ela não continuasse expressando sua indignação e reais motivos da revolta.

É falta de respeito total do governador. Do governador. Por sua culpa, governador, a gente tá passando isto aqui (…). Pra mim você não passa de um cachorro descarado. Sem-vergonha, só quer tirar nosso dinheiro (…). Pra mim, você não passa de um lixo”, detonou a moradora do Jaguaré, no meio de uma multidão não menos indignada.

E motivos para raiva e indignação não faltavam. As duas trabalhadoras foram entrevistadas em meio ao caos que se instalou na privatizada Linha 9 – Esmeralda, da CPTM, depois que um pane elétrico, por volta das 14 horas, paralisou a circulação dos trens que servem partes das populosas zonas Sul e Oeste, indo até Osasco, na Grande São Paulo, provocando, até o fim da noite, tumultos que superaram em muito os problemas enfrentados em outros pontos da cidade.

Linha esta que, nas mãos da multimilionária ViaMobilidade, Tarcísio, pela manhã, em entrevista coletiva à imprensa, usou como exemplo para, numa tacada só, atacar a greve e defender seu projeto de privatização, usando-a como exemplo de bom funcionamento.
Uma greve ilegal, abusiva, claramente política. Uma greve que tem por objetivo a defesa de um interesse muito corporativo (…). Essa turma não respeita nem o Poder Judiciário nem o cidadão. Dizem que são contra as privatizações. Mas quais são as linhas que estão funcionando hoje? Aquelas concedidas à iniciativa privada. Isso mostra que estamos na direção certa, que temos, sim, que estudar [as privatizações]”, esbravejou Tarcísio.

Bem, como aqui se faz, aqui se paga…, poucas horas depois da declaração, a Linha 9 estava parada. E não que isto fosse uma novidade para qualquer pessoa que a use cotidianamente, já que uma das consequências da privatização, para além aumento no preço das passagens, é o sucateamento dos serviços, como foi explicado por Narciso Soares, vice-presidente do Sindicato dos Metroviários, em um vídeo que circulou pelas redes, respondendo exatamente a esta fala do bolsonarista.

Aumentou em 10 vezes o número de falhas, com a privatização. Trouxe uma piora significativa para população. A gente acha que a privatização traz um prejuízo grotesco para a população”, disse Narciso, que também é militante do PSTU, acrescentando que, ao contrário do que diz Tarcísio, a privatização já está em curso (e não “sendo estudada”), havendo, no transporte, iniciativas marcadas para o próximo dia 10 e, para a Sabesp, um projeto que pode ser votado em outubro.

Plebiscito, já! Só quem usa os serviços pode definir seus rumos

Em seus desabafos, tanto Dona Fátima quanto a moradora do Jaguaré também acertaram em cheio em relação aos motivos que fazem com que, na verdade, as dores de cabeça e o sofrimento com o transporte (como também com a falta d’água ou de saneamento básico) não sejam causadas pela excepcionalidade das greves; mas, sim, pelo dia-a-dia de martírios que são impostos por governantes que só respeitam uma coisa: seus próprios interesses, que se confundem os ganhos monumentais dos banqueiros e empresários.

“Isso é uma falta de humanidade. Uma falta de respeito que estes governantes tem pelo povo”, disse Dona Fátima. “Você [governador] vem pra cá, fica aqui no meio da gente pra você ver como ´fácil’ trabalhar desse jeito. A gente não é cachorro. É cidadão. Você tem que respeitar as pessoas. Tá bom? Porque a gente paga imposto, a gente trabalha”, disse a moradora do Jaguaré.

Sabemos muitíssimo bem que um bolsonarista como Tarcísio não está dentre aqueles que se comovem com estes apelos ou sequer dão ouvidos a eles. E, por isso mesmo, a greve se fez necessária.

Como também disse o companheiro Narciso, o principal o objetivo do movimento foi exatamente fazer com que o governo ouça a voz do povo através de um plebiscito. Um objetivo que, agora, com a força demonstrada pelo movimento pode ser alcançado, a depender de como seja encaminhada a continuidade do movimento.

Nossa greve é pra exigir que o governador escute realmente a população. Se ele suspender isso [a privatização que já está em curso] e aceitar fazer um plebiscito, fazer um debate público para que a população quem usa o transporte decida. E não quem anda de helicóptero, como o governador e os grandes empresários. É quem usa quem deve decidir qual é a melhor forma de gerir o transporte aqui. Se é público, pra benefício da população; ou privado, pra dar lucro pros grandes empresários”, concluiu Narciso.

E temos certeza, como estamos vendo no retorno que temos recebido dos trabalhadores, trabalhadoras e jovens de todos os cantos onde estamos realizando o plebiscito organizado pelo movimento, que há muitas, muitíssimas, mais Donas Fátima e moradoras como a do Jaguaré. Gente cansada de ser desrespeitada e desumanizada pelos patrões e seus representantes nos governos.

E também como ficou provado hoje, pelas demonstrações de solidariedade e mobilizações de outros estados, uma vitória em São Paulo pode ecoar país afora e, inclusive, barrar as privatizações que estão nos planos do governo Lula-Alckmin e nos fazer avançar na luta pela reestatização daquilo que já está nas mãos dos empresários.